29M: O dia nacional de lutas e a hegemonia reformista

No dia 29 de maio ocorreram manifestações de rua em dezenas de cidades do país tendo como palavra de ordem central “fora Bolsonaro”. Também surgiram diversas reivindicações materiais por vacinação, contra a carestia de vida, contra os cortes na educação, contra as reformas neoliberais e privatizações, dentre outras. O primeiro fato importante do “dia nacional de lutas” é que um grande número de pessoas saiu às ruas. Foi um dos maiores dias de lutas desde o início do governo Bolsonaro/Mourão, com atos em 109 municípios e em 26 estados, segundo jornal El País, e 200 cidades, segundo Estadão.

O segundo fato importante é que a maioria dos protestos foram pacíficos, o que por si só não é um fato negativo, mas muitos tiveram como orientação hegemônica o legalismo e o pacifismo. Na capital federal, por exemplo, o caráter foi dos “passeios ordeiros” protagonizados em outros momentos tanto pela direita (MBL, Fora Dilma, etc.) quanto pela esquerda reformista (PT, CUT, UNE, etc). A organização do ato acatou sem resistência a ordem policial de fazer revista nas bolsas e mochilas para entrar no ato e proibiu mastros de bandeira.

A adequação a tal medida no DF é representativa e revela uma fraqueza política de quem diz querer combater um governo autoritário. Em locais como Recife (PE) e Dourados (MS), houve um recuo de parte dos organizadores frente as recomendações e ameaças do Ministério Público contra as aglomerações, o que também mostra uma falta de disposição de enfrentar o regime e que a prioridade é apostar na via eleitoral.

A única situação de conflito grave ocorreu em Recife (PE). Aí o ato, que seguia pacífico, foi duramente reprimido por iniciativa da PM que deixou dois trabalhadores parcialmente cegos com tiros de bala de borracha. Eram pessoas que estavam no local e sequer participavam do protesto. Curiosamente foi a PM comandada por um governo estadual de “esquerda”, de Paulo Câmara (PSB/PCdoB), que perseguiu e mutilou pessoas do dia nacional de lutas. Paulo Câmara buscou se eximir da responsabilidade, afastando os policiais envolvidos, sem negar que enviou a Tropa de Choque ao protesto.

Em localidades que os protestos foram mais cheios, como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, pudemos perceber uma composição mais proletarizada. Em outras cidades, como Goiânia, a composição girou entre categorias da educação (professores e estudantes) e servidorismo público. Apesar da indignação popular com as condições de vida estar aumentando, nos parece ainda que importantes setores da massa popular não se sentem a vontade com os movimentos “fora Bolsonaro” devido sua proximidade com o “volta Lula”. É preciso considerar que, apesar de Lula ter forte popularidade, sua rejeição é também grande entre a população.

As duas direções reformistas

Outro fato fundamental é que, apesar do 29M ter tomado um caráter de adesão e indignação relativamente espontâneas (seja pela maioria das pessoas não estarem organizadas desde a base, seja pelas principais burocracias sindicais e partidárias terem boicotado ou aderido timidamente) a política hegemônica nos atos foi a do campo reformista socialdemocrata. Essa política pode ser dividida hoje em duas vertentes:

  1. A política do reformismo degenerado, do lulismo e setores do social-liberalismo, cuja linha é desgastar Bolsonaro (pela CPI, com ações virtuais e simbólicas) para tirá-lo nas eleições de 2022, representado sobretudo pelas Frente Brasil Popular e Povo sem Medo (CUT, UNE, MST, MTST etc.);
  2. A política do reformismo “renovado” em ascensão, recentemente articulado a partir da UP/PCR, PCB e correntes do PSOL que estão construindo uma nova frente “Povo na Rua”, cuja política é tirar Bolsonaro via impeachment antes das eleições de 2022; essa política é tocada também pelo PSTU e alguns “independentes”, mas que não são bem aceitos nas instâncias desta nova “frente”.

Apesar de diferenças táticas, essa duas vertentes reformistas apontam como foco da estratégia a troca de governo pelas vias institucionais e a crença eleitoral. Pelo lado do reformismo “renovado”, as manifestações de rua devem reforçar a pressão institucional para a queda do presidente. Pretendem agir, assim, como mera força extra-parlamentar. Já para o campo do lulismo, as manifestações são vistas como negativas para a imagem de “moralidade e responsabilidade” e, portanto, negativas para a disputa eleitoral em 2022. Deputados do PT como Humberto Costa criticaram os atos, o presidente da CUT Sérgio Nobre problematizou os atos devido a pandemia e os dirigentes do MST tem postura contrária aos atos de massa até a vacinação geral.

O que há em comum com estes dois campos? Ambos reproduzem cabalmente o paradigma socialdemocrata/comunista. Defendem as reformas ou “revoluções” exclusivamente políticas, com as falsas soluções de cima para baixo. Mas, principalmente, veem a classe trabalhadora como incapaz de resistir e conquistar direitos pela ação direta sob o governo atual, já que na prática estão abdicando de assembleias das categorias, lutas e greves por necessidades materiais ou promovendo-as para priorizar a ascensão de um novo governo “democrático e competente” para a gerência do Estado burguês: “primeiramente, fora Bolsonaro…”.

Essa concepção reformista e estatista nos protestos “fora Bolsonaro” tem como consequência teórica negar a capacidade de luta e transformação direta da classe trabalhadora. A consequência política é o abafamento e secundarização das reivindicações sociais e econômicas das bases, dos trabalhadores e estudantes, taxadas como “impossíveis no governo atual” (mas atacadas como “direitistas” quando a social-democracia está no poder).

Outro ponto em comum entre os dois setores é sua subordinação à luta nos marcos legais e do sindicalismo de Estado. Se o campo do reformismo degenerado apresenta tipicamente esta posição, o campo reformista “renovado” cria algumas rupturas com entidades oficiais para criar suas próprias entidades, mantendo o corporativismo. É o exemplo do PCR/UP que rompeu com a UBES para criar a FENET, rompeu com o SINTRASEF (servidores federais do RJ) para criar um Sindicato de Servidores Federais de base municipal (portanto dentro da lei da unicidade sindical que estabelece um sindicato por município), rompendo com Sindicato dos Metalúrgicos para formar um Sindicato do Estaleiro em Niterói (modelo mais restrito por empresa) ou atuando em ocupações de forma assistencialista.

O campo bakuninista e sindicalista revolucionário

Rompendo de cima a baixo com a socialdemocracia, para os bakuninistas são as reivindicações materiais (por saúde, paz, pão, terra, educação, etc.) impulsionadas desde as bases que possuem um maior potencial transformador e antissistêmico. Um movimento sério de oposição sindical-popular ao governo Bolsonaro/Mourão deveria estar se organizando para derrotar diretamente a sua política de privatizações, de reformas neoliberais, de militarização, de genocídio nas favelas, de descaso com a saúde pública e com a crise sanitária, de arrocho salarial e carestia de vida, de intervenções nas instituições educacionais. Sem ilusões com trocas de governo, só confiança na própria força e mobilização popular em cada local de moradia, trabalho e estudo.

Assim, para nós trabalhadores revolucionários essa questão estratégica e programática é da maior importância, principalmente nesse momento de defensiva tática do proletariado. Os blocos sindicalistas revolucionários no 29M foram importantes trincheiras de combate, mas é preciso estabelecer uma distinção mais clara entre a nós e a estratégia reformista. Apesar da inflexão e animação que o 29M trouxe na perspectiva das lutas de rua, não estamos em um contexto de derrubada insurrecional do governo. A saída da nossa defensiva como classe precisará de mais do que alguns dias nacionais de luta, precisará ter consolidação organizativa de bases.

A tarefa é da reorganização mais elementar da nossa classe. Se souberem compreender isso, os revolucionários poderão cumprir um papel fundamental junto ao povo. Assim, uma distinção real com o reformismo não será feita com “slogans” e “estética radical”, isso é superficial e pode ser mesmo prejudicial, e é infelizmente a regra de seitas marxistas que atuam a reboque da social-democracia.

Uma alternativa sindicalistas revolucionária deve romper de cima a baixo com a estratégia e o programa reformistas: priorizar a retomada das assembleias (nas escolas, faculdades, locais de trabalho, comunidades) e movimentos sindicais-populares desde as bases, assim como priorizar as reivindicações concretas pela existência. E em todos as possibilidades disputar e propor uma direção autônoma, classista e combativa para essas lutas.

Devemos debater, resolver e se envolver nos problemas cotidianos do povo. Unificar e fortalecer essas experiências locais numa grande Federação Sindicalista Revolucionária. Esse é o caminho correto para construir pela base uma Greve Geral ou Dias Nacionais de Luta, sem ilusão ou “exigência” com as burocracias sindicais e partidárias, só a oposição implacável ao peleguismo e a organização autônoma das forças coletivas do povo.

RETOMAR ASSEMBLEIAS, GREVES E PROTESTOS: SÓ O POVO SALVA O POVO!

ABAIXO A POLÍTICAS ANTIPOVO E GENOCIDA DO GOVERNO BOLSONARO/MOURÃO!

RECONSTRUIR O SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO!

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One response to “29M: O dia nacional de lutas e a hegemonia reformista”

  1. Paulo Alfredo Duarte Filho.

    A Sociedade Brasileira se encontra gravemente enferma, cresceu no Brasil infelizmente os grupos de extrema direita com um vies fascista,
    O Povo Brasileiro sofre muito com a carestia de vida, tudo aumenta nos Supermercados, nosso povo esta atordoado e sem rumo, pois os Partidos Politicos deixama desejar e a qualidade de vida vai se deteriorando nas grandes cidades do Brasil. A vida vai ficando muitas vezes sem sentido e sem rumo, falta uma bussola. O povo deveria usar mais as redes sociais e as ruas para se manifestar a favor da Vacina para todos, a favor da liberdade e contra os aumentos da cesta basica.
    Nossas autoridades governamentais pensam apenas em si mesmas, infelizmente.