Há 100 anos, em junho de 1917, acontecia a primeira greve geral do Brasil. Nesse contexto, a “ANA” fez cinco perguntas a Alexandre Samis, historiador e membro do Instituo de Estudos Libertários (IEL).
Agência de Notícias Anarquistas > O que foi a greve geral de 1917? Foi um movimento provocado pelos anarquistas?
Alexandre Samis < A greve geral de 1917, em São Paulo, segundo vejo, foi um movimento cujo protagonismo operário é inegável. As demandas como a redução da jornada de trabalho, reajustes salariais, direito de associação e controle da carestia eram tipicamente sindicais, de resistência. Os anarquistas, de resto, também operários, eram talvez a força política mais claramente organizada. Não há duvida de que a greve insere-se na estratégia geral do sindicalismo revolucionário, o mesmo que inspirou os congressos operários de 1906 e 1913, nos quais se destacaram também os operários anarquistas.
Por outra parte, dizer que a greve foi anarquista seria desprezar um dado importante da realidade, uma vez que os anarquistas não eram maioria numérica. É possível afirmar, sem negligenciar ou subestimar o papel das minorias ativas de libertários no processo, que o evento foi uma articulação entre sindicatos de resistência e as formas organizativas anarquistas. Sem subordinação de qualquer parte a outra, o que se verificou foi a mútua potencialização, a reciproca colaboração entre esferas complementares. Talvez o efeito mais objetivo disso tenha sido a formação do Comitê de Defesa Proletária.
Mas a greve geral de 1917 ficou longe de materializar o projeto mais radical de greve geral revolucionária, do tipo pregado pelo sindicalismo revolucionário europeu. Ainda que bastante forte, ela não foi capaz de desencadear um processo irreversível de expropriação de fábricas e oficinas, menos ainda de por abaixo o Estado. Ela foi um movimento mais que tudo reivindicativo, o que não é pouca coisa a julgar pelo que se tinha assistido até então no Brasil. Penso que ela deve ser compreendida mais pela sua extensão, organização e resultados possíveis, que pela promessa do que se convencionava entender por greve geral naquela época entre os anarquistas.
ANA > As mulheres tiveram uma participação contundente neste movimento, paralisação, não?
Samis < As mulheres são fundamentais em todos os movimentos, principalmente de rua. Nesse caso não foi diferente.
O que a greve geral de 1917 pode ensinar para hoje?
Samis < A memória de uma greve geral deve inspirar novas lutas. Sem esse componente ela é simples nostalgia, suscita apenas saudades e justifica a melancolia. Dessa forma, a greve de 1917 é antes mais importante pelo que foi capaz de produzir em seu tempo, com as forças que conseguiu reunir e a organização que logrou empreender. É um movimento único porque se autoinstituiu, se inventou, foi mais além das anteriores em vários aspectos. No meu entender, a sua principal “lição” é a de que todo o movimento deve se entender único nas suas potencialidades e capaz de engendrar o novo. Em assim sendo, prestará homenagem aos que passaram e poderá inspirar os que virão. Só é possível ser um legítimo sucessor de um grande movimento, aquele que tiver a audácia de dar passos largos mais adiante. A genealogia das greves exige mais rupturas que continuidades.
O ensinamento é sempre mais o exemplo que propriamente o legado de um modelo. É impossível reproduzir uma prática em conjuntura histórica distinta. A novidade é sempre o melhor elemento surpresa contra as estratégias de desmobilização de governos e patrões. A repetição é o corolário da falta de imaginação, ela coloca sobre os ombros daqueles que realizaram no passado as responsabilidades do presente. Nesse sentido a greve geral deve ser sempre projeto e não um modelo.
ANA > Quais as principais diferenças entre aquela e a greve geral realizada no Brasil no dia 28 de abril passado?
Samis < A Greve Geral do dia 28 de abril foi, na verdade, de apenas alguns setores. Seus pontos de pauta, se comparados aos de 1917, na proporção de tempo e espaço, foram bastante acanhados. No dia 28 de abril havia um protocolo político que ajudou a levar para as ruas forças que se sedentarizaram nos últimos 12 anos. A agenda de 2017 é bastante mais política que social. Não há sequer a pretensão de expropriação, autogestão das fábricas e campos, ou ainda da derrubada do Estado. As greves de 2017 são eminentemente defensivas, não romperam ainda com essa dimensão. A greve de 28 de abril foi contra reformas, não teve caráter radical algum.
Mas a despeito disso, foi possível encontrar nas manifestações de rua o espirito de 1917. Ainda que como luta contra as reformas trabalhista e previdenciária, alguma vida autônoma brotou desse movimento. Pode-se dizer que segmentos de categorias já perceberam os limites da via institucional, da democracia representativa e dos partidos políticos. A ideia da ação direta tem, sob formas variadas, se disseminado e vem, no nosso entender, substituindo as mediações tradicionais. A ineficiência das formas politicas até aqui preponderantes é mais que evidente. Os escândalos de corrupção são apenas uma evidencia a mais.
ANA > Atualmente, você vê possível a construção de um sindicalismo libertário vigoroso para além das centrais sindicais “pelegas”?
Samis < Mais que possibilidade, é uma necessidade. Razões para a elaboração de um projeto coletivo, autônomo e horizontal não faltam. É mais que evidente o acelerado grau de burocratização de sindicatos e centrais. Em certa medida, os organismos sindicais, depois de terem sido sistematicamente aparelhados pelos partidos políticos, formaram com eles um bloco burocrático. Uniram-se na miséria politica.
A luta contra tal fenômeno deve passar pela sistemática potencialização de organismos de base, sua disseminação e fortalecimento. Deve retomar a ideia de sindicatos livres da ascendência e tutela partidárias. Precisa iniciar o trabalho nas instâncias locais, no “chão da fábrica”, na ação cotidiana e determinada da delegação e não da representação. Buscar, pelo compromisso, o comprometimento dos trabalhadores com as suas próprias causas. Ir mais além das formalidades e criar uma verdadeira cultura política de participação.
Qualquer coisa consistente só poderá vir disso. Pensar em uma central sindical revolucionária antes disso, é mistificação e charlatanismo. A nova central deverá ser o efeito de uma renovação desde baixo e não sua causadora. Inverter essa polaridade é apenas fortalecer as vociferantes seitas demagógicas e prepara o terreno para que a burocracia retorne com outra fisionomia, tanto mais danosa quanto alienante.
Penso que esse trabalho não deve se realizar apenas nos ambientes sindicais, acho até que, sozinhos, os sindicatos são incapazes de empreende-lo. Acredito que, sem uma aliança consistente com os movimentos populares, pouco se avançará no sentido aqui proposto. O sindicalismo perdeu muito nesse longo processo histórico. Sem os seus aliados populares dificilmente conseguirá recobrar sua memória de lutas, sem eles é possível que continue transformando memória em nostalgia.
Instituo de Estudos Libertários (IEL): ielibertarios.wordpress.com
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