Pausa. Voltamos dia 03 de fevereiro de 2025.

[Canadá] Mude o Mundo: Divirta-se, Seja Criativo

De Fifth Estate, nº 415, Verão de 2024

Por Norman Nawrocki

Imagine se mais pessoas acreditassem no poder e na magia da criatividade coletiva, que novo e maravilhoso mundo anarquista poderíamos construir. Sob o capitalismo, qualquer forma de criatividade geralmente é vista como uma busca individual, o domínio dos ricos, da elite e dos artistas. É algo a ser comodificado, reembalado e vendido de volta aos outros na forma de cultura pop a ser consumida. As pessoas aceitam que devem assinar plataformas para assistir filmes ou ouvir música a fim de satisfazer suas necessidades culturais. Para a pessoa comum, os altos custos de frequentar apresentações de teatro ou dança ao vivo costumam ser proibitivos.

Quem então imaginaria que pessoas comuns, com pouca experiência, poderiam acessar e aproveitar sua própria criatividade e imaginação, usando seus próprios poderes de expressão junto a outros para criar uma arte não comercial com um propósito político? Uma obra artística que também pode ser usada como uma ferramenta de organização? E fazer isso em uma atmosfera coletiva, de apoio, sem julgamento, juntos a outros que compartilham o mesmo desejo de mudança social radical? Quando as pessoas têm a oportunidade e o objetivo de dançar, desenhar, pintar, cantar, gritar, atuar e planejar uma maneira de alcançar as mentes e os corações de um público inesperado, isso tudo pode acontecer. E, pode ser divertido.

Usando minhas décadas de experiência como artista anarquista multidisciplinar, ensino Resistência Criativa (RC): como usar as artes, música, dança, teatro, poesia, arte visual, arte digital, etc., para abordar questões críticas e trabalhar na criação de um mundo mais sensato. E, como usar essa abordagem para um ativismo comunitário mais eficaz e uma mudança social radical. O palco pode ser universidades e faculdades, mas também pode ser nas comunidades com ativistas de direitos à moradia ou que lutam contra a crise climática, organizadores trabalhistas, grupos LGBTQ2S e anarquistas. Os participantes são, na maioria, pessoas sem prática artística, sem experiência em apresentações, que nunca imaginaram como as artes poderiam ser úteis em seus trabalhos.

Em um workshop de RC sobre direitos à moradia, realizado por um grupo de anarquistas e simpatizantes em Kelowna, uma pequena cidade na Colúmbia Britânica, onde o turismo é uma atividade econômica importante, os participantes foram convidados a nomear e resumir os problemas locais e possíveis soluções em respostas curtas. A lista se transformou em material para slogans, cartazes e esquetes. Por Exemplo:

“Falta de direitos dos inquilinos: é preciso advogar!”
“Imóveis como investimento de capital: A moradia é um direito humano!”
“Casas de férias vazias: Encham-nas com ocupantes!”
“Aluguéis de curto prazo para turistas: Proíbam os Air B’n’Bs!”
“O estigma prejudica pessoas sem casa ou em situação de insegurança: Educação!”

Cada grupo de trabalho escolheu um tema, fez uma sessão de brainstorming para criar uma representação criativa e teatral desse tema e dramatizou tanto o problema quanto a solução. O resultado: esquetes de teatro anarquista de guerrilha improvisadas, contundentes e de fácil compreensão, que poderiam ser apresentadas em qualquer lugar público. Eles também adicionaram acompanhamento musical ao vivo improvisado, cantaram cânticos e desenharam obras de arte simples, mas poderosas, para segurar atrás e ao lado das performances. Durante um workshop de duas horas, conseguiram fazer tudo isso em menos de trinta minutos com um rápido ensaio de dez minutos. O restante do tempo foi dedicado a aprender os princípios e a teoria da RC e as práticas recomendadas em outros lugares.

O próximo passo foi retornar aos seus grupos comunitários para compartilhar as novas habilidades, incluindo como trabalhar com a população local de pessoas sem casa, algumas das quais haviam manifestado interesse em usar o teatro para avançar suas demandas por moradia acessível.

Em St. John’s, Newfoundland, alguns anos atrás, um grupo de estudantes queria montar uma campanha para enfrentar o problema das drogas de estupro em bares. Como resultado de um workshop de RC, eles criaram uma série de esquetes improvisadas sobre experiências reais em bares, que mais tarde refinariam, filmariam e, com a cooperação dos bares locais, exibiriam nas TVs dos estabelecimentos como anúncios de serviço público. Uma das participantes do workshop escreveu: “Saí cheia de ideias, funcionando a todo vapor! Muito do que você disse era muito prático e extremamente útil. Algumas de suas palavras se repetem na minha cabeça todos os dias: por exemplo, ‘Você não pode fazer esse tipo de trabalho criativo sozinha, sentada em frente a uma tela de computador.'”

Em Regina, Saskatchewan, alguns anos atrás, jovens sindicalistas planejaram uma campanha de apoio público a baristas que estavam tentando organizar as filiais de uma cadeia local de cafeterias. A equipe de RC fez um brainstorming e encenou não apenas esquetes de teatro agitprop a serem apresentadas na rua em frente e dentro das lojas, mas também criou porta-copos impressos com mensagens de apoio aos trabalhadores. Eles até reescreveram as letras de músicas pop para incentivar o público a pressionar a administração e a reconhecer o sindicato e os direitos dos empregados por melhores condições de trabalho. De acordo com um dos ativistas: “Seu workshop me fez perceber que, embora nossa paixão pela justiça social seja uma batalha séria pela qual lutamos todos os dias, nossa visão parece mais alcançável quando nos concentramos em construir uma cultura de resistência por meio da criatividade, ação coletiva e diversão!”

No início deste ano, trabalhei online com membros de um grupo ambiental que desejam permanecer anônimos, combatendo o financiamento de oleodutos pelo Royal Bank of Canada. Os participantes criaram toda uma estratégia de ações de RC usando teatro improvisado, realizado em saguões de bancos, durante reuniões de acionistas e nas ruas durante essas reuniões. As ações incluíam tudo, desde derramar tinta preta para representar óleo na propriedade do banco até se vestir como acionistas, invadir reuniões e tomar os microfones exigindo responsabilização, ou se vestir como caixas eletrônicos convidando o público a colocar dinheiro, para depois alguém derramar óleo/tinta preta na máquina. Um participante escreveu depois: “Seu workshop nos deixou animados e prontos para planejar uma nova campanha baseada em ações de Resistência Criativa.”

Como um anarquista de carteirinha, com bandeira preta tremulando, todos os participantes dos meus workshops de RC são incentivados a seguir os princípios anarquistas — sem líderes, sem estrelas. Todos têm um papel igual a desempenhar. O consenso é fundamental. Contestando a autoridade, as narrativas dominantes e as crenças hegemônicas. Trabalhamos coletivamente, adotamos abordagens de grupos de afinidade e aprimoramos práticas de autossuficiência e autogestão do grupo. Nunca esquecemos da importância de brincar, de ter a liberdade de explorar nossa própria natureza brincalhona, de nos soltar e experimentar a alegria da auto expressão. Porque a luta nem sempre precisa ser chata.

Após um workshop ou aula de RC cheio de energia, os participantes se sentem empoderados. Sabem que agora têm uma nova ferramenta de organização e ativismo. Uma ferramenta para ajudar a se pensar, imaginar, planejar e criar campanhas visíveis e ações mais eficazes. Eles descobrem talvez habilidades criativas nunca antes reconhecidas que revelam o palhaço, cantor ou ator oculto dentro de si mesmos e ouvem o poder de suas próprias vozes em uma formação grupal dinâmica e diferente, cantando, atuando ou gritando juntos. Experimentam a emoção de criar coletivamente algo possivelmente selvagem e artístico para abordar questões sociais e imaginar soluções potenciais.

E percebem que conseguiram isso se dedicando em um curto período de tempo. É uma alternativa nova ao ativismo geralmente monótono que negligencia as práticas criativas. Uma abordagem para ajudar a reiniciar imaginações e inspirar, informar e empoderar a si mesmos e aos outros. Um meio de engajar pessoas de formas novas e divertidas. Provocar questionamentos. Alcançar um público mais amplo cansado de protestos tradicionais. Comunicar ideias de forma mais eficaz. E atrair mais atenção da mídia. Os participantes sempre afirmam que saem dos workshops energizados e prontos para ir às ruas.

Essa liberdade de criar e se expressar dentro de uma estrutura política é algo com o qual os anarquistas sempre se identificaram. Desde críticas ao Estado e à ordem social burguesa até visões de um novo mundo, artistas e simpatizantes anarquistas sempre usaram marionetes, poesia, canções e teatro para espalhar a Ideia.

Cabarés anarquistas animados prosperaram pela Europa no final do século XIX. Dezenas de grupos de teatro anarquista existiram mundialmente no início do século XX. Protestos anarquistas ao estilo de carnaval, desde os anos 1970, sempre tiveram um componente artístico. O Festival Internacional de Teatro Anarquista de Montreal, onde o público pode ver o melhor do teatro anarquista contemporâneo, continua essa tradição, assim como os cabarés do Anarchist Writers Bloc (Bloco de escritores anarquistas), também em Montreal.

Artistas anarquistas estão especialmente conscientes das conexões entre a autoexpressão criativa, o poder das artes de agitar a mente das pessoas e o trabalhar pela Revolução Social.

Todo poder à imaginação.

Norman Nawrocki é comediante, educador sexual, artista de cabaré, músico, autor, ator, produtor e compositor baseado em Montreal. Seu mais novo livro é o Red Squared Montreal (Black Rose Books, 2023). normannawrocki.com

Tradução > Alma

agência de notícias anarquistas-ana

Quietude na sala
Apenas rompida
Pelo perfume da rosa.

Ignez Hokumura

[Canadá] Malcolm Archibald: 50 anos de Black Cat Press

Nesta entrevista, o fundador da editora de Edmonton rememora seu legado

por Sean Patterson

Nas últimas cinco décadas, a Black Cat Press (BCP), em Edmonton, Canadá, tem servido como um centro local para a comunidade radical da cidade e como uma importante editora de material anarquista. Ao longo dos anos, a BCP produziu muitos títulos notáveis, incluindo as primeiras traduções para o inglês das obras coletadas do anarquista ucraniano Nestor Makhno em cinco volumes. Outros trabalhos de destaque da BCP incluem The Dossier of Subject No. 1218 [“O Dossiê do Sujeito n. 1218”, em tradução livre], as memórias traduzidas do anarquista búlgaro Alexander Nakov; The Russian Anarchist Movement in North America [“O Movimento Anarquista Russo na América do Norte”], de Lazar Lipotkin, um manuscrito inédito mantido no Instituto Internacional de História Social de Amsterdã; e Kronstadt Diary [“Diário de Kronstadt”], uma seleção dos registros originais do diário que Alexander Berkman escreveu em 1921.

Entre reimpressões de obras clássicas de autores como Kropotkin, Bakunin e William Morris, a BCP também destacou o trabalho de pesquisadores anarquistas de todo o mundo, incluindo Kropotkin and Canada [“Kropotkin e o Canadá”], de Alexey Ivanov, Anarcho-Syndicalism in the 20th Century [“Anarcossindicalismo no Século XX”], de Vadim Damier, The Tyranny of Theory [“A Tirania da Teoria”], de Ronald Tabor, e a obra Atamansha: The Story of Maria Nikiforova, the Anarchist Joan of Arc [“Atamansha: A História de Maria Nikiforova, a Joana D’Arc Anarquista”], do próprio Archibald.

Infelizmente, a Black Cat Press fechou suas portas em 2022, vítima econômica da pandemia de Covid. Quaisquer esperanças futuras de reviver a editora foram posteriormente destruídas na esteira de uma segunda tragédia. Em 26 de junho de 2024, um incêndio doméstico criminoso durante a madrugada destruiu os equipamentos e o estoque restantes da BCP. A perda da BCP é dolorosa não apenas localmente, em Edmonton, mas nacionalmente como uma das poucas editoras anarquistas do Canadá. Esperamos que o compartilhamento da história de cinco décadas da BCP inspire outras pessoas a seguir o legado da BCP e a tradição mais ampla de pequenas editoras anarquistas.

Neste mês, o fundador da BCP Malcolm Archibald sentou-se com a Freedom News para refletir sobre toda uma vida de publicação e sua jornada pessoal pelo anarquismo através dos anos.

Você está envolvido com a comunidade anarquista há muitos anos. Pode nos contar um pouco sobre sua formação e como começou a se interessar pelo anarquismo?

Tendo crescido em Halifax, Nova Escócia, durante a Guerra Fria, certamente não tive contato com o anarquismo. Minha família também não tinha nenhuma predileção por políticas de esquerda. O único livro sobre socialismo na biblioteca pública era History of Socialist Thought, de G. D. H. Cole, que eu devorava. Em 1958, aos 15 anos, participei de uma convenção provincial da CCF (Cooperative Commonwealth Federation – Federação Cooperativa da Comunidade de Nações do Reino Unido) como delegado jovem. A CCF na Nova Escócia era um partido proletário com forte base nos distritos de mineração de carvão. Depois disso, a política de esquerda me pegou de jeito.

Interessei-me pelo anarquismo ao ler livros sobre a Guerra Civil Espanhola. O primeiro anarquista de verdade que conheci foi Murray Bookchin, numa conferência em Ann Arbor em 1969. Bookchin entendeu que muitos estudantes radicais eram anarquistas na prática, mesmo que se autodenominassem marxistas, por isso enfatizou os elementos libertários de Marx em sua propaganda.

Com quais organizações/grupos anarquistas você se envolveu ao longo dos anos?

Como pós-graduando na Universidade de Illinois em Champaign-Urbana, fiz parte de jornais clandestinos, incluindo um tabloide anarquista, The Walrus [“A Morsa”]. Mais tarde, ajudei a fundar uma revista anarquista em Edmonton chamada News from Nowhere [“Notícias de Lugar Nenhum”] (impressa pela Black Cat Press). Em Edmonton, nos anos 70, tínhamos uma filial da Social-Revolutionary Anarchist Federation (“Federação Anarquista Social-Revolucionária” – SRAF), mas a maior parte da atividade anarquista estava centrada na IWW, na Black Cat Press e na Erewhon Books. Os anarquistas também estavam envolvidos nos jornais Poundmaker (“Trapeiro”) (com circulação de 19.000 exemplares!) e Prairie Star (“Estrela das Pradarias”). Em 1979, foi criada a North American Anarchist Communist Federation (“Federação Anarquista Comunista Norte-Americana” – NAACF, mais tarde simplificada para ACF), e eu participei ativamente de duas de suas filiais por vários anos, mas não consegui fortalecer muito a organização em Edmonton.

Quando você começou a Black Cat Press e como ela evoluiu ao longo do tempo? Quais são alguns momentos importantes da história da editora que você gostaria de compartilhar com os nossos leitores?

A Black Cat Press começou quando comprei uma impressora offset e uma câmera de cópia em 1972. O proprietário anterior havia tentado ganhar a vida com esse equipamento e acabou sendo internado em um hospício, o que não foi nada auspicioso. A BCP tornou-se uma “gráfica do movimento” em Edmonton, usada por quase todos os grupos e causas de esquerda. Em 1979, a BCP se tornou a gráfica não oficial da ACF e imprimiu vários panfletos para essa organização.

De 1989 a 2001, a BCP dividiu espaço com o Boyle McCauley News, o jornal mensal do centro de Edmonton, com uma equipe totalmente voluntária. O jornal geralmente tentava publicar notícias positivas sobre a comunidade, mas uma exceção era a questão da prostituição juvenil, uma praga até que começamos a publicar histórias sobre ela e as autoridades finalmente tomaram providências.

Em 1994, a gráfica do governo onde eu trabalhava foi fechada e a BCP começou a operar em tempo integral com três sócios que haviam sido demitidos na mesma época. Nossa base de clientes incluía agências sociais próximas à nossa loja no centro da cidade de Edmonton, além de vários sindicatos. Em 2003, comprei uma máquina de encadernação perfeita e pude começar a imprimir livros. Nosso primeiro livro foi A Moral Anarquista, de Kropotkin, um eterno favorito. Por fim, foram impressos cerca de 30 títulos, que foram distribuídos pela AK Press, livrarias independentes e mesas de literatura em feiras de livros anarquistas.

Como você começou a traduzir textos radicais e anarquistas do russo?

Estudei russo na universidade e depois fiz cursos noturnos de alemão, francês, ucraniano e polonês. Fiquei sabendo de Nestor Makhno pela primeira vez na década de 1960 por meio de um livro do historiador britânico David Footman. Quando cheguei a Edmonton, descobri que a Biblioteca da Universidade de Alberta tinha quatro livros de Nestor Makhno, raridades bibliográficas.

Fico constantemente surpreso com a riqueza da tradição anarquista no Império Russo e na URSS. Por muitos anos, The Russian Anarchists (“Os Anarquistas Russos”), de Paul Avrich, era o único trabalho de pesquisa sobre o assunto, mas recentemente surgiram duas histórias na Rússia e uma na Ucrânia. É uma medida da profundidade do movimento o fato de essas histórias serem praticamente independentes umas das outras e quase não darem atenção a Avrich.

Meus primeiros trabalhos de tradução do russo foram artigos de física, que não dão muito espaço para a originalidade. Ao traduzir textos históricos, a maior parte do esforço não vai para a tradução propriamente dita, mas para a pesquisa de nomes de lugares, pessoas etc. e para anotações. Tento fornecer ao leitor mapas, gráficos e índices que facilitam a compreensão do texto.

Embora eu geralmente não trabalhe com textos literários, traduzi alguns poemas de Nestor Makhno. Ele escreveu um poema de nome The Summons (“Os Chamados”) enquanto estava na prisão em 1912. Uma busca em sua cela em 1914 descobriu esse poema, o que o deixou numa cela de castigo por uma semana. Enquanto estava nessa cela, ele compôs outro poema, que escreveu assim que foi autorizado a voltar para sua cela regular. Mas outra pesquisa descobriu o segundo poema (mais sanguinário que o primeiro), e ele acabou na cela de castigo novamente. Portanto, não era fácil ser um poeta anarquista!

Algumas de suas principais contribuições para os estudos anarquistas são as traduções de fontes primárias russas e ucranianas. Em particular, você traduziu e publicou a primeira edição em inglês dos três volumes das memórias de Nestor Makhno. Poderia descrever esse projeto de tradução?

A biblioteca da Universidade de Alberta possui cópias das memórias de Makhno, incluindo as versões em francês e russo do primeiro volume. Comecei a traduzir essas memórias já em 1979, quando a BCP publicou um panfleto intitulado My Visit to the Kremlin (“Minha visita ao Kremlin”), uma tradução de dois capítulos do segundo volume. Esse panfleto acabou sendo publicado em muitos outros idiomas.

A maior parte do trabalho envolvido na preparação das traduções das obras de Makhno foi a pesquisa sobre as pessoas e os lugares que ele menciona. Foi feito um esforço para fornecer material suficiente na forma de notas e mapas para tornar a narrativa inteligível para o leitor.

A Black Cat Press recentemente fechou suas portas após cinquenta anos de atividade. O ambiente econômico para a publicação está cada vez mais difícil em geral, e especialmente para as pequenas editoras anarquistas. Qual é a sua opinião sobre as perspectivas atuais da publicação anarquista e que mudanças podem ter que ser feitas para manter sua viabilidade a longo prazo?

A maioria das editoras anarquistas têm que encomendar uma tiragem substancial e depois esperar vender os livros em um período (esperamos) não muito longo. A BCP estava à frente de seu tempo ao usar um modelo de impressão sob demanda em que os estoques eram mantidos baixos para que o capital não ficasse preso a um estoque que não estava em movimento. O braço editorial da BCP não foi muito afetado pela pandemia; em vez disso, foi a impressão de trabalhos que sofreu, forçando o fechamento.

Como você viu o anarquismo (especialmente no Canadá) mudar ao longo das décadas? O Canadá raramente viu um movimento anarquista organizado como alguns grupos na Europa ou nos Estados Unidos. Por que você acha que isso acontece, e você vê alguma esperança de um movimento canadense organizado no futuro?

Quando me tornei ativo no movimento anarquista no Canadá, na década de 1970, os anarquistas eram todos pobres, tentando sobreviver com empregos de salário mínimo. A geração seguinte estava em situação muito melhor e tinha muito dinheiro para gastar. Agora, a geração atual voltou a ser pobre de novo, sem os recursos para causar impacto. Mas acho que as perspectivas para o futuro são boas porque (a) a velha esquerda (comunistas, trotskistas, ou seja, a brigada da sopa de letrinhas) está intelectual e moralmente falida e (b) o New Democratic Party (“Novo Partido Democrata”) (em Alberta, pelo menos) é ambientalmente irresponsável. Isso deixa muito espaço na esquerda para que os anarquistas estabeleçam seu território e atraiam os jovens para o movimento.

Agradecimentos a Kandis Friesen por compartilhar materiais usados nesta entrevista que foram obtidos previamente.

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2024/10/31/interview-malcolm-archibald-of-black-cat-press/

Tradução > anarcademia

agência de notícias anarquistas-ana

Uma árvore nua
aponta o céu. Numa ponta
brota um fruto. A lua?

Guilherme de Almeida

[França] Como alguém pode viver livremente à sombra de uma prisão?

Existem certos momentos, como hoje na Síria, em que só podemos nos alegrar. Ver as estátuas de Bashar e seus parentes saqueadas, as multidões nas ruas, as portas das prisões abertas. Esses momentos nos lembram que todos os regimes, até os mais autoritários, podem cair.

Se há uma constante em revoluções, é a libertação de prisioneiros. Símbolo de poder, de quem pode decidir a liberdade de seus súditos, a prisão é um dos pontos sobre onde repousa a submissão ao Estado e a aceitação das normas sociais.

Uma das piores prisões do mundo, Sednaya, aparentemente foi completamente esvaziada de seus prisioneiros, permitindo que as pessoas revissem seus parentes dos quais não tinham notícias há muitos anos ou até mesmo que os encontrassem pela primeira vez. Mas não nos enganemos, enquanto os “rebeldes” esvaziam as prisões do regime caído, aquelas sob seu controle já estão cheias de opositores.

Revolucionários já caíram antes na armadilha de apoiar organizações pró-Estado, a favor do terceiro-mundismo, contra o imperialismo, seduzidos pelo comunalismo curdo ou o romantismo da guerrilha. Infelizmente, trata-se muito mais de uma aliança religiosa, desejando dar direção à “vontade do povo”, do que dos insurgentes na Síria que conseguiram derrubar o regime. Estruturas como essas, que utilizam práticas militares, nunca serão desejáveis. Queremos carregar uma solidariedade antiautoritária e sem fronteiras para com os revoltados na Síria, porque nossas esperanças na revolução síria vão além da perpetuação de uma sociedade mantida pelas armas, submetida a um poder celeste e terreno, que exige que as prisões existam.

Enquanto celebramos a libertação dos sírios das algemas do clã Assad, só podemos esperar que o que estava em germinação durante as insurreições de 2011 possa ir ainda mais longe, rumo a uma autorganização de todas as esferas da vida cotidiana, ataque e total questionamento ao poder e a propriedade.

Tanto aqui como lá, muito ainda existe para ser destruído. Prisões, Religiões, Estados.

Felicidade ao reencontro dos libertados, força àqueles aprisionados em todo o mundo!

Anarquistas, confiantes e cautelosos,
França, 9 de dezembro de 2024

Tradução > Alma

agência de notícias anarquistas-ana

Flor esta
De pura sensação
Floresta.

Kleber Costa

Um chamado à arte revolucionária! Solidariedade com Rojava

Por Internationalist Commune | 18 de dezembro de 2024

A Revolução de Rojava é também uma Revolução cultural. Se uma sociedade perde a sua cultura, perde a sua identidade. A cultura exprime os valores, a história e a linguagem da sociedade. Para manter a sociedade viva, ela precisa representar e expressar a sua própria cultura, e é por isso que um dos ataques mais profundos do sistema é o ataque à cultura.

A Revolução de Rojava abriu caminho para um renascimento cultural do povo. Desde o início da Revolução, floresceram milhares de canções, poemas e desenhos que exprimem os desejos e as esperanças do povo. As expressões e os desenvolvimentos culturais em Rojava tornaram-se uma inspiração para todo o Oriente Médio e não só.

Preservar e divulgar a cultura dos povos que resistem é um dever e uma responsabilidade de todos os artistas do mundo. Em todas as revoluções e resistências, a arte sempre desempenhou um papel decisivo. Na resistência contra os ataques da Turquia que visam liquidar a Revolução de Rojava, este papel é uma tarefa de todos nós. Temos de criar cultura e arte e transformá-las na voz e nas cores da resistência.

Por isso, fazemos um chamado à todos os artistas para que criem arte revolucionária, como grafites, pinturas, música, cartazes ilustrados, esculturas, etc.

Envie o seu trabalho artístico para: internationalistcommune@riseup.net

agência de notícias anarquistas-ana

Bailando ao vento
margaridas nos contemplam
e se tornam haicais.

Franciela Silva

[Reino Unido] Anarquia é amor – Carne Ross

Eu costumava pensar que o anarquismo era  uma filosofia política. Eu estava errado. É muito, muito mais que isso.

Por filosofia política me refiro a uma forma de pensar sobre a política, as instituições e a tomada de decisões. Como as pessoas decidem assuntos entre si, teorias de governo – ou de autogoverno – ou a abolição de toda hierarquia. Eu gostava de resumir o anarquismo em algumas frases concisas como “o anarquismo significa ninguém ter poder sobre ninguém”.

Eu não estava errado. O anarquismo se trata de todas essas coisas. É uma filosofia política. Trata-se de como as pessoas tomam decisões conjuntamente e gerem seus assuntos de forma coletiva. Mas eu acreditava que esta era sua filosofia em sua totalidade, que não havia nada além disso. Que era uma forma de pensar separada de nossas realidades interiores. Que era uma filosofia externa, acima de tudo sobre como nos comportamentos uns em relação aos outros.

Essas ideias levam longe na análise da situação política e econômica atual e na elaboração de como reformá-la e substituí-la. No lugar de um sistema de governo de cima para baixo, precisamos de um sistema em que as decisões sejam tomadas pela massa, incluindo a todos os interessados. No lugar de um sistema econômico controlado por poucos com enorme riqueza concentrada, precisamos de um em que as partes sejam iguais, tanto em termos de riqueza quanto em termos de agência, no qual todos possam opinar sobre os assuntos econômicos que lhes afetam, seja no local de trabalho ou na sociedade em geral. O indivíduo e a sociedade estão no centro desta ideia. Os indivíduos devem ser livres para atuar como queiram, mas sempre tendo em conta as necessidades dos demais: uma negociação justa e igualitária (esta não é, é claro, a forma mais puramente libertária de anarquismo, e sim o socialismo libertário).

Mas quem é esse indivíduo e como pensa? Os anarquistas são céticos em relação à religião formal, já que a consideram outra forma de controle social em que se nega a capacidade de ação do indivíduo em favor de uma ortodoxia rígida imposta hierarquicamente, na maioria das vezes por homens. A afirmação de que Deus existe é vista como um véu, utilizado para ocultar muitos males e injustiças humanas, permitido como bálsamo e explicação universais. O anarquismo rechaça a religião: nem deuses, nem amos.

Por isso eu desconfiava de quem às vezes se chamava “anarquista espiritual”. O que é o espiritualismo se não outro tipo de religião que nos confunde e nos aliena de nossas realidades terrenas? Eu via o que se pode chamar de espiritualismo como algo narcisista e egoísta, centrado na alma individual e em suas necessidades e expressões. Alguns que ouvi discutindo o espiritualismo se retiraram do campo de batalha da sociedade rumo às drogas e outras formas de refúgio, tanto físico quanto mental. A batalha está em nossas cidades e ruas, aqui e agora, argumentei com reticência.

Mas esses mesmos espiritualistas me diziam que não era possível haver uma revolução de toda a sociedade sem revolucionar a forma como os indivíduos pensam dentro dela. Não se podia esperar que a sociedade adotasse práticas de igualdade, respeito e inclusão a menos que nós mesmos nos transformássemos para além do racionalismo e do pensamento analítico que a tudo vê como estrutura ou transação. O interior também precisa ser reformado. Não pode haver revolução em um âmbito sem revolução no outro.

Tenho pensado que pode ser que tenham razão.

No coração de todo anarquismo está a maneira como tratamos os outros. O anarquismo exige que esse trato seja sempre respeitoso e igualitário: ninguém pode coagir o outro, seja por meios abertos ou sutis. O meu tipo de anarquismo exige que tratemos aos demais como eles querem, não como nós queremos (o que é, por certo, uma subversão explícita da chamada ‘regra de ouro’, segundo a qual tratamos os demais como gostaríamos que os demais tratassem a nós. Em vez disso, devemos atender ao que eles dizem que querem, não ao que nós imaginamos que eles querem). Devemos renunciar a toda noção de dominação, de influência e de conseguir que os outros façam o que queremos. Devemos renunciar a todo poder.

Uma vez trabalhei para o governo. O poder me entusiasmava, eu estava convencido que era parte de uma elite que entendia as necessidades da sociedade – no meu caso, na política exterior e na diplomacia – melhor do que a sociedade entendia a si mesma. Isso nutriu meu ego e estruturou a minha vida em torno da carreira e do status. Tem sido um duro caminho abandonar esses pilares do sentido que dei ao valor e ao “eu”. Se não tenho poder, o que sou? Se não posso dizer aos outros o que eles têm que fazer, que valor têm minhas ideias e meus desejos? Se eu sou só eu mesmo, o que sou?

Descobri que preciso acreditar em algo. Não sei ao certo o nome disso. Mas suspeito que meus amigos espiritualistas chamariam isso de necessidade espiritual. É a crença de que existem valores e significados fora de nós, mas que animam e inspiram nossas realidades interiores. As religiões poderiam chamar isso de deus, expressando-o em litanias. Mas a minha litania é o anarquismo, e não estou disposto a chamar de deus esse espírito guia. É algo mais terreno, mais humano.

Identifico-o observando o núcleo da prática anarquista: a interação com os demais. Como tratamos os outros. No anarquismo, essa interação deve estar guiada pela consideração e pelo cuidado, a equiparação das necessidades dos outros com as nossas. Pelo menos: na sua versão mais extrema, trata-se do desaparecimento do ego. Lao Tzu fala disso no Dao te Ching. É o poder que se tem ao renunciar a todo poder. Ele chegou a essa conclusão há milhares de anos. É uma harmonia entre como vemos e tratamos os outros e como tratamos a nós mesmos. Existe uma palavra para esta prática: amor.

Sem esse núcleo espiritual, o anarquismo não tem sentido. Julgada nos termos da cultura capitalista atual, essa prática não é necessariamente mais eficiente ou produtiva: não produz necessariamente mais bens ou faz mais dinheiro. O que consegue, de fato, é um valor infinito: a beleza dos seres humanos que vivem uns com os outros em amor, em respeito e igualdade. São coisas abstratas, inefáveis, que não podem ser medidas em euros, libras ou dólares. De fato, isso está para além da própria linguagem – daí a dificuldade de colocar isso em palavras. Isso está em um plano acima de tudo isso. E se você quiser chamar esse plano de uma dimensão espiritual, OK. O que ocorre no espírito ou na alma importa, porque também importa para a realidade exterior. Aquilo em que acreditamos no que tange a nós mesmos é intrínseco à forma como nos relacionamos com o mundo. Um não funciona sem o outro.

Carne Ross é um ex-diplomata britânico, autor de The Leaderless Revolution: How ordinary people will take power and change politics in the 21st century [“A Revolução Sem Líderes: como pessoas comuns tomarão o poder e mudarão a política no século 21”, em tradução livre] e protagonista do filme Accidental Anarchist [“Anarquista Acidental”, em tradução livre].

Fonte: https://www.dopemag.org/issue26

Tradução > anarcademia

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agência de notícias anarquistas-ana

No extremo vazio
do mais oco, sopro sons:
flauta de bambu.

Urhacy Faustino

[Espanha] Cinco elementos estratégicos para o anarco-sindicalismo

Artigo publicado no “Rojo y Negro” nº 393, outubro de 2024

Vivemos em um mundo turbulento e em rápida transformação. Ao nosso redor, a realidade está mudando rapidamente. A tecnologia se desenvolve, a ciência se expande, as sociedades se tornam mais complexas e diversificadas, o ecossistema entra em uma deriva sem precedentes. Bifurcações caóticas estão ocorrendo, cada vez mais rapidamente, na geopolítica, na economia, no meio ambiente e na cultura social.

Em meio a esse turbilhão, o anarco-sindicalismo não pode permanecer imóvel, inalterado, paralisado. O sistema de produção está mudando a toda velocidade. As empresas estão mudando seus modelos de negócios e suas ferramentas para a exploração da classe trabalhadora. O sindicalismo revolucionário precisa se revolucionar para, sem abandonar seus princípios fundamentais, adaptar-se a esse século vertiginoso de grandes mutações sociais.

A realidade em transformação ao nosso redor desafia o anarco-sindicalismo. A adaptação de nossas organizações aos novos campos de batalha da luta de classes é uma necessidade inegável. Neste texto, apresentaremos cinco elementos estratégicos para essa adaptação. Essa é uma proposta provisória que deve ser aprimorada, completada e problematizada pelo trabalho sindical coletivo da militância anarco-sindicalista nos locais de trabalho, na construção cultural e na prefiguração de um novo mundo.

O primeiro elemento é a necessidade de uma profunda renovação sindical, adaptando nossas organizações aos novos desafios de um aparato produtivo transformado e em constante mudança. Terceirização, teletrabalho, plataformas digitais, a inexistente desconexão digital, cadeias de valor transnacionais, empresas de multisserviços… Todos esses são marcos de um novo cenário que devemos analisar e ao qual devemos reagir com a mente aberta e com o impulso de novos experimentos de resistência sindical.

Além disso, nossas organizações precisam ser capazes de se expandir em uma sociedade que é muito mais complexa do que aquela em que nasceram. A classe trabalhadora está cada vez mais plural e diversificada. A imigração, o feminismo, a dissidência sexual e até mesmo a diversidade de experiências culturais em uma sociedade fragmentada em “bolhas” de todos os tipos são fatos da realidade diante dos quais o sindicato deve agir, respeitando e aproveitando o que há de enriquecedor nas diferenças e construindo uma proposta geral aceitável para a classe trabalhadora como um todo.

E isso nos leva ao segundo elemento estratégico que propomos: a abertura. O sindicato tem de ser uma organização aberta e porosa, que saiba captar as necessidades da classe trabalhadora e suas várias formas de luta e resistência. Estourar os canos que limitam a troca de informações internas e abrir as janelas para que as propostas dos movimentos sociais e as análises de intelectuais comprometidos entrem.

O sindicato precisa debater com a sociedade, com a classe trabalhadora como um todo e com todas as pessoas de boa vontade que desejam superar a realidade de injustiça e opressão que nos cerca. Sem abandonar seus princípios fundamentais, sem abrir mão de sua própria voz, sem deixar de analisar o mundo por si mesmo. Mas também abandonando a persistente obsessão pela nostalgia e pelos espaços fechados que podem transformar o anarco-sindicalismo em um beco sem saída.

O terceiro elemento que propomos é o respeito pelas decisões coletivas. Um cuidado rigoroso com a responsabilidade que vem com o cumprimento das regras que democraticamente estabelecemos para nós mesmos.

O anarco-sindicalismo incorpora um enorme legado de normas coletivas, criadas e adotadas para construir uma organização que tenta prefigurar um mundo sem exploração e opressão. Normas que outras famílias políticas muitas vezes tentaram imitar (federalismo, revogabilidade de cargos, autonomia dos partidos políticos, etc.). Normas que são o produto da experiência coletiva e da análise de gerações de militância. Devemos agir com responsabilidade diante desse legado e das inovações que coletivamente incorporamos a ele, criando uma cultura sindical de respeito às decisões tomadas e de cuidado com a convivência no sindicato.

O quarto elemento é a importância decisiva da formação e da construção do conhecimento. Temos de criar uma cultura sindical voltada para o futuro. Sindicatos que são salas de aula sem paredes, onde o conhecimento é compartilhado e a alegria de aprender é coletivizada. Organizações que debatem e multiplicam as oportunidades para que todos participem da criação do discurso coletivo e da análise da situação atual.

E o quinto elemento, finalmente, é a primazia dos trabalhadores sobre qualquer abstração ideológica ou teórica. As mulheres trabalhadoras em primeiro lugar. Não devemos infligir nenhuma violência (fora ou dentro do sindicato) em nome da ideologia, da pureza ou do patriotismo organizacional. As pessoas vêm em primeiro lugar. A classe trabalhadora é formada por pessoas reais e concretas, com corações e mãos, anseios coletivos e sonhos pessoais. Essas pessoas são a razão da existência do sindicato. Bíblias e mandamentos, para os padres. Nós preferimos as pessoas.

Apresentamos estas cinco propostas para o debate coletivo. Falar sobre algo é dar a esse algo um nome e uma existência no mundo real. É iluminar aspectos da realidade que, de outra forma, permaneceriam na obscuridade e no esquecimento. Vamos falar sobre o anarco-sindicalismo. O anarco-sindicalismo para o mundo turbulento de hoje.

José Luis Carretero Miramar

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Sombra no mato
passarinho assovia —
avencas ao vento.

Mô Schnepfleitner

[Espanha] Congresso “Sentido comunal” em Vic (Catalunha)

Desde Research & Degrowth e Fundació Emprius – com a colaboração de Ecologistes en Acció, THECO e Rebelión Científica –, organizamos o congresso “Sentido comunal. Comunalismos e decrescimentos”.

Terá lugar no sábado 25 de janeiro de 2025 em Vic (Catalunha), em La Reciclària.

Será um espaço de encontro, intercâmbio e reflexão entre pessoas de diferentes territórios do Estado espanhol que defendemos o comunalismo e o decrescimento como vias de transformação social desejáveis e necessárias, que podem apontar na direção de solucionar muitas das graves problemáticas e males que sofremos e enfrentamos.

Haverá quatro blocos temáticos ao longo do dia: “Comunalismos e decrescimentos“, “Comunalismos na história“, “Subsistência e autonomia: uma alternativa ao extrativismo” e “Comunalismos em ação: desafios e oportunidades“. Com pessoas oradoras vindas de diferentes territórios e com espaço de participação do público.

Informativo com o programa e formulário para inscrever-se:

degrowth.org/congreso

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Já anoiteceu
Rompe-se o silêncio
A coruja pia.

Ana Roseli Valenga Bonete

Gatos Negros de Liberdade

Na noite escura, sem dono nem lei,

os gatos negros vagam, livres como o vento,

com olhos de fogo e um espírito rebelde,

desafiam a ordem, sem medo nem lamento.

.

Seus passos são suaves, seu olhar intenso,

em cada rincão, sua presença é essência,

não seguem normas, nem deuses, nem amos,

são símbolos vivos de um mundo sem setores.

.

Em seus miados, um canto de anarquia,

em seus saltos, a dança da autonomia,

gatos negros, guardiões da noite,

em sua liberdade, encontramos o prazer.

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agência de notícias anarquistas-ana

Chuva de primavera –
Uma criança
Ensina o gato a dançar.

Issa

[Espanha] O que aconteceu com a luta de classes?

Atribui-se a Marx, mas o conceito da luta de classes como motor histórico, ao que parece e como tantos outros fatores, já tinha sido esboçado anteriormente ao ilustre autor de O Capital. Seja como for, que diabos restou hoje, nesta época que tantos denominam pós-moderna, desse conflito entre possuidores e despossuídos. Vamos deixar de lado o chamado materialismo histórico, quer dizer, todo esse tema de desenvolvimento das forças produtivas, que seriam as determinantes das classes sociais, o qual levaria paulatinamente ao progresso, se passaria do capitalismo ao socialismo ditadura do proletariado como meio para, finalmente, chegar à sociedade comunista. Sem negar a importância filosófica de Marx (e de Engels), ainda que extremamente crítico com a práxis política à qual deu lugar seu pensamento, há que dizer que me parece difícil crer que, nos dias de hoje, ainda haja quem creia de maneira rígida nessa visão finalista da história (mas, eles existem, e seguem decifrando o hieróglifo marxista para encontrar alguma esperança em não sei muito bem o quê). Alguns sensatos consideram que o marxismo não continha exatamente uma visão teleológica da história (signifique o que signifique isso), mas não se pode pensar em um herdeiro melhor da escatologia cristã: promessas de um paraíso final, que não chega, nem nesta vida nem na outra.

Um deles, claro, fica com os anarquistas que, aceitando evidentemente a existência e o conflito entre classes, sua luta contra toda forma de opressão (não só a econômica) fez com que tivessem uma visão mais ampla, pragmática e, se queremos chamá-la assim, também realista. Onde uns asseguravam que seria o proletariado o sujeito revolucionário protagonista da sociedade futura, os libertários asseguravam que teria que dar voz a todos os oprimidos (incluídos os que alguns chamavam desclassificados). De acordo, mas isso foi no desenvolvimento da modernidade, que alguns consideram obsoleta (eu, não necessariamente), vemos o que ocorre na aparentemente desesperançada sociedade pós-moderna. Creio que na maior parte do imaginário coletivo, contaminado pelas visões liberais mais mesquinhas, desgraçadamente, não há apenas lugar para dito confronto entre classes. E não me refiro a intelectualóides visões de desenvolvimento histórico, mas a o que observamos no dia a dia nos chamados, de forma muito irônica, países avançados; uma enorme classe média ou cinzenta, com múltiplos problemas, mas com a ilusão de uma vida acomodada e aspirante inclusive a subir um pouquinho no escalão social, à qual não estranha muito que haja pessoas atiradas nas ruas provenientes do terceiro e quarto mundo (o segundo creio que ficou já na lembrança).

Mas, tenhamos fé e esperança (perdão pela retórica religiosa). Aos anarquistas, e estou certo de que somos mais do que pensamos, não sei muito bem se seguimos crendo na luta de classes (noção contaminada, efetivamente, pela visão marxista), mas nos repugna ver outro ser humano passando necessidade e quero pensar que trabalhamos por uma sociedade, aceitando sua diversidade (sobretudo, que não esteja uniformizada em sua mesquinhez), na qual esse sentimento esteja o mais difundido possível. Hoje por hoje, há toda sorte de justificativas ao ver que alguém esteja dormindo na cidade entre papelões ou se olha para o outro lado quando tantas pessoas arriscam a vida cruzando fronteiras buscando uma vida melhor. Em outras palavras, se aceita de uma maneira ou outra os piores problemas na humanidade como irresolúveis ou talvez se pense ainda nessa ilusão do progresso como algo abstrato. A realidade é que há gente que, nestes momentos, está sofrendo e morrendo por causas que são perfeitamente solucionáveis se a ética não estivesse totalmente distanciada da política e da economia; ao capitalismo, que se assinalou como o principal perpetrador da divisão de classes sociais, se unem em conivência os interesses da classe política dirigente. Tudo classes e mais classes para mantermos as pessoas atomizadas sem um verdadeiro sentimento fraternal e solidário. Mas, seguiremos trabalhando para que emerja algo melhor, e o ser humano demonstrou em ocasiões ter traços autenticamente louváveis, frente a toda essa aparência atual de ruindade e mediocridade. Chamemo-las como queiramos.

Fonte: https://exabruptospoliticos.wordpress.com/2024/09/29/que-fue-de-la-luta-de-clases/

Tradução > Sol de Abril

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para medir o calor
do dia, olhe o comprimento
do gato que dorme

James W. Hackett

[Espanha] Rádio podcast | A anarquia e a recuperação de nosso tempo

21/10/2024

As graves crises econômicas com que se iniciou este século XXI, que redundaram em um crescente questionamento das estruturas de poder estatais e econômicas, foram reavaliados e atualizados por alguns dos movimentos sociais e políticos que lutam pela igualdade entre os cidadãos. Um de tais movimentos é o anarquismo. A crítica anarquista do capitalismo e da propriedade privada, como expôs Emma Goldman, segue sendo relevante em um momento de extremo consumismo e precariedade laboral. Carlos Javier González Serrano reflete com Simón Royo Hernández, doutor em Filosofia e escritor, em resposta à pergunta: Que formas de vida fundadas nos princípios anarquistas poderiam ser viáveis hoje para enfrentar os desafios que temos pela frente?

>> Para ouvir o podcast, clique aqui:

https://www.rtve.es/play/audios/a-la-luz-del-pensar/anarquia-recuperacion-nuestro-tiempo/

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Mata devastada
Vence a luta pela vida
Cachos do Ipê roxo

Kiyomi

Notícias do Front: As Reflexões de um Anarquista Russo em Rojava

Sobre o colapso de Assad, o futuro da Rússia e a iminente invasão apoiada pela Turquia

A derrubada do regime de Bashar al-Assad na Síria estava atrasada há muitos anos. No entanto, as tragédias na Síria não acabaram. Israel bombardeou centenas de locais ao redor do país e tomou controle de uma quantidade considerável de terra no sudoeste, enquanto as forças turcas estão ameaçando atacar o nordeste da Síria para realizar limpeza étnica. Assim como em 2019, quando Donald Trump deu ao presidente turco Recep Tayyip Erdoğan luz verde para invadir o país, apelamos às pessoas ao redor do mundo para se envolverem em ações de solidariedade para desencorajar as potências mundiais de permitir que isso aconteça.

Para humanizar pelo menos uma das inúmeras pessoas cujas vidas estão em jogo aqui, oferecemos as reflexões de um voluntário anarquista russo no nordeste da Síria que participou do experimento revolucionário em Rojava por muitos anos. Ele observa os mercenários russos saírem deste país onde eles infligiram tanto mal, esperando que um dia ele possa ver os mesmos soldados deporem suas armas em sua terra natal, assim como os mercenários de Assad fizeram.

Para mais atualizações sobre a situação no norte da Síria de internacionalistas anarquistas no local, você pode seguir este canal de Telegram em russo ou consultar o site do Tekoşîna Anarşîst.

>> Para ler o texto na íntegra, clique aqui:

https://pt.crimethinc.com/2024/12/23/noticias-do-front-as-reflexoes-de-um-anarquista-russo-em-rojava-sobre-o-colapso-de-assad-o-futuro-da-russia-e-a-iminente-invasao-apoiada-pela-turquia

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cultivando ao silêncio
plantei aos prantos
meu próprios gritos.

Kola

[Chile] Crônicas de ações diretas revolucionárias: Francisco Solar, preso político anarquista

Como introdução

Solidariedade contra toda autoridade

Alguns aspectos permanentes na luta anarquista são a solidariedade com os companheiros na prisão e a crítica ao cárcere como instituição e peça fundamental do modelo social de opressão imperante. Por outro lado, entendemos a prisão como um território de luta, isto implica reconhecer nossos companheiros encarcerados como sujeitos ativos que continuam combatendo atrás das grades. É por isso que desde o anarquismo historicamente mantemos o chamado a continuar fazendo da solidariedade nas prisões uma prática permanente e irrenunciável, assim como na luta contra toda autoridade em cada rincão e aspecto da vida.

Prisão/Tortura política no Chile

Hoje a gendarmeria pretende instaurar um regime de aniquilamento permanente contra o companheiro Francisco Solar, pelo que se torna imperiosa a necessidade de manter uma luta permanente, com os meios a nosso alcance e em qualquer território.

Dentro dos regimes carcerários no Chile, sob o artigo 28 do decreto 518 do regulamento penitenciário, se estabelece a existência de módulos especiais de máxima segurança com um regime carcerário de especial isolamento para os que quebraram as normas internas, seja participando em fugas, motins, brigas internas, agressão a carcereiros etc. Também se aplica a prisioneiros por delitos de alta conotação pública.

Este regime de isolamento consiste em restrições de visita e encomenda, ao menos 21 horas de confinamento, proibição de outras atividades e vigilância permanente. Uma vez que se aplica sobre um prisioneiro este regime de isolamento, aos 60 dias se deveria revisar a continuidade desta medida, depois aos 90 dias e finalmente aos 120 dias. Em casos que se decida manter este regime de isolamento, este será revisado a cada seis meses. Após um período de isolamento, a maioria dos prisioneiros são ingressos em módulos de alta segurança, com restrições, mas longe do isolamento completo que significa um módulo de máxima segurança.

Esta medida foi aplicada para Francisco Solar pelo Diretor Nacional da Gendarmeria ou os Diretores Regionais à luz do que um suposto conselho técnico determinou. Motivados pelo tipo de delito, o governo pretende que de forma excepcional o companheiro cumpra a totalidade de sua condenação sob este infame regime de isolamento.

Atualmente Francisco se encontra no módulo 2 de máxima segurança do Cárcere La Gonzalina de Rancagua cumprindo uma condenação de 86 anos de prisão por diversos ataques explosivos contra poderosos, repressores e símbolos do domínio.

Baixe PDF (12 páginas, 14x22cm):

Leitura: Crônicas de ações diretas revolucionárias

https://lapeste.org/wp-content/uploads/2024/09/Cronicas-de-acciones-directas-revolucionarias.pdf

Impressão: Cronicas-de-acciones-directas-revolucionarias-IMPRESION

https://lapeste.org/wp-content/uploads/2024/09/Cronicas-de-acciones-directas-revolucionarias-IMPRESION.pdf

Fonte: https://lapeste.org/cronicas-de-acciones-directas-revolucionarias-francisco-solar-preso-politico-anarquista/

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Ipê amarelo —
O faxineiro varrendo
sem olhar pra cima…

Tania D’Orfani

[África do Sul – França] Breyten Breytenbach: Anarquista cosmopolita de Boland

Por Andries Bezuidenhout | 28/11/2024

Eu recebi a notícia de que Breyten Breytenbach faleceu no domingo. Naquela noite, saímos de Dikeni (Alice), onde moramos, rumo a Hogsback. Comigo estavam minha esposa Irma e nossa amiga Vangile, que estava visitando de Tshwane.

Enquanto seguíamos o caminho pelas Montanhas Amathole, ouvimos o álbum falado de Breytenbach, Lady One. Seus cantos budistas soavam como se de alguma forma pertencessem às colinas verdes e vilarejos do Cabo Oriental.

Em Hogsback, em um restaurante, pedimos uma boa garrafa de vinho tinto para acompanhar nossa refeição. Breyten era bolandês e apreciava a produção das vinícolas locais. Ao derramar um copo de vinho no chão, recitei um de seus poemas, intitulado 26 de Novembro de 1975.

“Camagu”, respondeu Vangile, usando uma palavra em isiXhosa para honrar os antepassados.

Breytenbach tinha 85 anos. Eu esperava que ele vivesse por muito mais tempo, pois, quando o vi pela última vez na África do Sul, ainda se movia como um rapaz.

Atribuí isso a um vitalício regime de yoga. Não sabia que ele havia sofrido de câncer. Algumas semanas atrás, ele caiu, o que acelerou seu falecimento. Ele morreu em Paris, com sua esposa Huâng Liên Ngo, conhecida por muitos como Yolande, ao seu lado.

De muitas formas, Breyten é um ancestral e um modelo para aqueles de nós que não se encaixam no antigo molde do afrikanerismo. Ele era ferozmente africâner, mas para ele, o africânerismo dizia respeito a todos aqueles que falavam essa língua crioula. Ele era ao mesmo tempo cosmopolita e profundamente enraizado no Boland.

Como artista, sua poesia e suas pinturas são sublimes. Ele é, sem dúvida, um dos maiores poetas da língua africâner, ao lado de Antjie Krog.

Como ativista, teve uma relação complicada e difícil tanto com o regime do apartheid quanto com o movimento de libertação.

Breytenbach nasceu em Bonnievale em 16 de setembro de 1939. Seus pais eram Hans e Kitty Breytenbach, e ele tinha como irmãos Jan, Cloete, Sebastiaan e a irmã Rachel. Breyten foi o último dos irmãos a falecer.

Ele cresceu em Wellington, onde a família administrava uma loja e uma pensão até 1970. Após concluir o ensino médio em 1957, estudou artes plásticas e línguas na Universidade da Cidade do Cabo e na Michaelis.

Em Cape Town, fez amizade com pessoas como Jan Rabie e Marjorie Wallace; Peter Clarke; Ingrid Jonker; Abraham de Vries e Marius Schoon.

Essas amizades moldaram sua vida e se tornaram a espinha dorsal do que mais tarde foi chamado de Sestigers, um grupo de escritores africâneres progressistas que se opunham ao apartheid na própria língua do sistema.

Em 1960, Breytenbach partiu para a Europa de barco, estabelecendo-se em Paris para continuar seus estudos e se firmar como artista visual. Enquanto estudava na Sorbonne, conheceu Yolande, cujos pais vietnamitas trabalhavam em Paris.

Casaram-se em Londres em 1962 e compraram um pequeno apartamento em Paris. Breyten também se envolveu no movimento anti-apartheid.

Nessa época, sua identidade profissional primária era como artista visual, mas após uma intervenção do escritor africâner Chris Barnard, um conjunto de escritos de Breyten foi enviado para publicação na África do Sul.

Em 1964, um livro de poesias, Die Ysterkoei Moet Sweet (a vaca de ferro deve suar), e um livro de contos, Katastrofes (catástrofes), foram publicados. Ambos ganharam prêmios literários, o que trouxe um impulso financeiro necessário em Paris e considerável reconhecimento na África do Sul.

Breytenbach tornou-se uma figura pública influente no establishment da língua africâner, embora como um crítico de fora. Seus escritos foram submetidos à censura do apartheid e ele foi ignorado por prêmios literários como o Prêmio Hertzog, o mais prestigiado prêmio de língua africâner.

De forma polêmica, Breyten e Yolande tiveram os vistos negados para visitar a África do Sul, já que seu casamento era ilegal sob a Lei de Casamentos Mistos de 1949.

Quando, finalmente, Breyten visitou o país em 1973, fez um discurso dizendo que os africâneres eram um “povo bastardo com uma língua bastarda” e que isso era algo belo. Os africâneres tinham que ser o “adubo” que daria vida ao decompor-se.

Isso causou grande ofensa e consternação no establishment nacionalista africâner.

Na França, Breytenbach participou da criação de uma organização chamada Okhela, com outros africâneres anti-apartheid. A organização estava associada de forma vaga ao ANC (Congresso Nacional Africano) no exílio, mas não fazia parte de suas estruturas de comando.

Em 1975, Breytenbach foi para a clandestinidade e visitou a África do Sul com um passaporte falso como “Christian Galaska”, com o objetivo de estabelecer elos entre financiadores europeus e o emergente movimento sindical.

No entanto, ele foi preso e condenado. O poema que recitei em Hogsback foi escrito por ele enquanto o juiz lia a sentença.

A prisão significou dois anos de confinamento solitário, sendo permitido escrever, mas não pintar. Quando sua mãe faleceu em 1978, a permissão para comparecer ao funeral foi negada.

No dia que ele recebeu a notícia de sua morte, seu guarda manteve a luz em sua cela acesa, observando-o pelo olho mágico durante a noite toda.

A poesia que escreveu na prisão ganhou prêmios no exterior, mas foi proibida na África do Sul.

Sua libertação ocorreu em 2 de dezembro de 1982, após pressão do governo francês. Breytenbach retornou a Paris e se tornou cidadão francês em 1983.

Seu livro de memórias escrito na cadeia, Confissões verdadeiras de um terrorista albino (True Confessions of an Albino Terrorist, 1984), ainda é seu livro mais lido globalmente.

Eventualmente, em 1984, Breyten foi premiado com o Prêmio Hertzog, mas recusou-o, dizendo que se recusava a aceitar o prêmio enquanto Nelson Mandela ainda estivesse preso.

No final dos anos 1980, ele teve um papel fundamental, ao lado de pessoas como Frederik van Zyl Slabbert, na criação de uma comunicação não patrocinada pelo Estado entre o ANC e figuras dissidentes africâneres.

Isso culminou no famoso encontro de 1987 em Senegal, chamado pela imprensa africâner hostil de “Safari de Dakar”.

Em 1993, Breytenbach exibiu suas pinturas e esboços na África do Sul pela primeira vez. Em um ensaio de catálogo no livro Painting the Eye, ele escreveu:

“Apenas a anarquia pode nos salvar do caos. Nossa inocência foi acreditar na bondade do espírito humano e na perfeição do intelecto humano. A anarquia que estou propondo tem a ver com a incessante interrogação de todas as formas e exercícios de poder.

“A condição humana, no que me diz respeito, deveria ser esse momento auto-incendiário de insurreição e zombaria no vazio do não-tempo.

“Você tem que trabalhar através das camadas da pintura para atingir a nudez do não-ser. Ao longo do caminho, o ‘eu’ deve ser incessantemente inventado, mesmo que seja apenas para ter um (desintegrado) posto de observação.”

Este ensaio dá uma ideia de como Breytenbach conectava produções criativas à política — ele não era alguém que se submetia à disciplina ou controle político.

Tanto que, nos anos 1990, ele criticou publicamente o novo governo do ANC por tendências autoritárias e corrupção. Também recebeu várias honrarias internacionais, inúmeras para listar.

Mas, mesmo enquanto defendia o africâner como uma língua inclusiva, continuava a causar consternação em seu establishment cultural.

Sua peça, Boklied (canto da cabra), apresentada em 1998, causou um grande tumulto, com Breytenbach jurando nunca mais publicar em africâner.

Como Charl Blignaut escreveu então neste jornal sobre a estreia no Klein Karoo Kunstefees: “Se podia sentir no ar muito antes de o jovem ator negro no palco decidir abandonar seu casaco e o dildo falso e se estabelecer em seu papel como Ritsos … completamente nu. Antes, mesmo, de ele e Isis começarem a explorar o traseiro nu de Tereus, enfiando uma pena nele enquanto a drag king Antoinette Kellerman como Farenj devastava a pequena Grethe Fox, Madonna ao fundo.”

Nesse contexto, quando ele foi premiado novamente com o Prêmio Hertzog em 1999, Mandela telefonou para pedir que ele aceitasse, o que ele fez. No entanto, em 2005, ele recusou um prêmio do então ministro de cultura e artes Pallo Jordan.

Nos anos 2000, ensinou escrita criativa em Nova York e manteve seu envolvimento com o Instituto Goreé em Dakar. Também lançou vários álbuns, com colaborações de palavras faladas com músicos.

Organizou festivais literários, frequentemente com poetas de países onde foram presos e perseguidos. Sua amizade próxima com o poeta palestino Mahmoud Darwish significava que ele adotava uma posição pública e principiada contra Israel.

Em fevereiro de 2007, a casa de infância de Breytenbach em Wellington foi convertida em um centro comunitário e ainda opera como um centro para arte, literatura e artes cênicas.

Na África do Sul, ele é mais conhecido como poeta e ativista, na França como pintor. Seus volumes de poesia frequentemente incluíam imagens e suas pinturas, textos, enquanto seus e-mails liam-se como poemas.

Breytenbach foi um ser humano verdadeiramente excepcional, cuja vida e espírito criativo mostraram que a imaginação artística é por necessidade tanto pessoal quanto política.

Andries Bezuidenhout é acadêmico, poeta, músico e artista.

Fonte: https://mg.co.za/friday/2024-11-28-breyten-breytenbach-cosmopolitan-anarchist-from-the-boland/

Tradução > Alma

agência de notícias anarquistas-ana

Árvore amiga
enfeita meus cabelos
com flores amarelas

Rosalva

Alegria: um ato revolucionário. | Em memória de Giovanni Stifonni

É hoje o dia da alegria, e a tristeza

nem pode pensar em chegar.

G.R.E.S. União da Ilha do Governador

Forte, andar malemolente, sorriso largo no rosto, olhos verdes alumbrados, tranquilamente atravessou o Largo do São Francisco na direção da Assembleia Popular em frente ao IFICS-UFRJ, em 2013. Parou no entorno da roda assembleiaria e de lá seus olhos atentos e curiosos perambulavam pelos corpos, pelos prédios, enquanto seus ouvidos o faziam sorrir dos discursos animados pela luta contra o aumento dos 0,20$ centavos.

Ao fim da assembleia um companheiro anarquista paulistano radicado no Rio nos apresentou. Então fomos a um bar na praça Tiradentes, beber e comer. Ele nos contou da situação social na Itália, na França, na Espanha – especialmente em Madrid, cidade amada por ele -. Estávamos felizes de nos conhecermos. Entre um copo e outro da cerveja brasileira que ele tanto gostava, ele buscava saber mais da situação social no Brasil. Juntaram-se a nós mais companheiros anarquistas que atuavam nas outras assembleias populares na cidade. Brindamos ao internacionalismo, a boa bebida e a boa comida: saúde e anarquia! Desde então, nos tornamos amigos irmãos da anarquia, da vida e da boemia.

Quem era este homem? Para muitos era professor de italiano, biógrafo, economista, historiador. Escolheu este canto do mundo para viver, a cidade do Rio de Janeiro. Aqui produziu dois pós doutorados em história, trabalhou como professor de língua italiana, tradutor, e professor universitário em história contemporânea com temas anarquistas. Mas, a academia não era suficiente. Pois, observava, com seu espírito investigativo e criativo, as correntes que atavam a produção historiográfica e impediam a renovação docente nas universidades. Estudou, trabalhou, pesquisou, proferiu conferências, publicou textos, integrou grupos de pesquisas em várias universidades no Rio e fora do Brasil.

Para nós, um companheiros, um amigo, um irmão oferecido pelo insinuante absurdo da vida. Giovanni apaixonou-se pelo Brasil, apaixonou-se pelo Rio de Janeiro, onde gozava da praia, da cerveja de garrafa e dos petiscos deliciosos dos seus apaixonantes “butecos pé sujo”. Sobreviver não era de seu feitio. Fosse em reuniões, jogos de futebol, assembleias, grupos de trabalho encontros particulares, – era difícil estar na mesa em um restaurante ou bar e não sermos interrompidos por algum conhecido ou amigo dele -, a disposição e disponibilidade para o bem e o bom, para solidariedade e o apoio desinteressado embalava a todos nós e contagiava com alegria inconfundíveis. Comentávamos sempre entre nós: com a alegria a vida vai melhor.

Foi assim que o Giovanni entrou nas nossas vidas e no grupo que fundaria a Liga Anarquista no Rio de Janeiro e em seguida fundaria a Iniciativa Federalista Anarquista no Brasil, hoje União Anarquista Federalista. Trabalhou dando o seu melhor para o nosso Rio de Janeiro Libertário, lutou pela justiça social para um Brasil Anarquista. Sempre leal, um internacionalista, em 05 de novembro de 2024 partiu para uma nova viagem em outro plano. Nos beijou sorrindo a partida, e com seu sopro de vida deixou este mundo prenhe de mais liberdade, de mais justiça e revolucionariamente alegre.

A Liga Anarquista no Rio de Janeiro e União Anarquista Federalista celebram sua vida e memória.

Giovanni, viva companheiro e irmão, que a terra te seja leve.

uafbr.noblogs.org

agência de notícias anarquistas-ana

Noite de silêncio
Uma moça na janela
Contempla a neblina

Tânia Souza

Contra Todo Nacionalismo | O Poder É Maldito | A Sociedade Contra O Estado

Por Carlos Pereira Júnior

|| Contra Todo Nacionalismo ||

Quero queimar na praça

ou descartar na privada

a bandeira nacional.

Não me servirão de nada

as cores da nação.

.

Pois, muito em breve,

sairei sem rumo

pelo mundo a fora

para estar em todos os lugares

e em parte alguma.

.

Serei um errante marinheiro

lendo estradas no céu,

abominando Estados,

pátrias, fronteiras, fascismos

e todas as formas de autoritarismo

e fundamentalismo político.

Minha vocação é ser livre de todo poder soberano.

|| O Poder É Maldito ||

Sempre exercido contra o povo

o poder assujeita, silência e mata

nossa potência individual e coletiva.

.

O poder está dentro e fora do Estado,

é divino e tenebroso.

Sempre parasitário e assassino.

.

Ele cria, destrói e controla

nossos destinos.

É desejado, querido,

buscado e reverenciado

pelos que entre nós

são perversos e autoritários.

.

Mas o poder é sempre maldito

e isso me faz libertário.

|| A Sociedade Contra O Estado ||

Quando algum dia

nossa luta avançar

e ameaçar de morte a ordem vigente,

o Estado, em franca reação,

há de nós prender e eliminar

sob um sol de meio dia.

.

O autoritarismo, afinal,

nunca sai de moda.

Principalmente nos tempos

de duvidosa democracia.

.

O que importará nestes tristes dias vindouros,

será nossa defesa encarniçada da sociedade,

será nossa capacidade de criar liberdades

e afirmar a vontade popular

contra todas as oligarquias,

Estados, deuses e hierarquias.

.

Assim, na contramão dos conformismos,

faremos todo poder desabar

frente a potência de nossa poesia.

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ribeira seca
nem um sopro
as cigarras crepitam

Rogério Martins