[Canadá] Ativistas roubam US$ 3.000 em alimentos de um supermercado para redistribuí-los gratuitamente

Um grupo chamado “Robins des ruelles” reivindicou o roubo de milhares de dólares em alimentos, ocorrido em 15 de dezembro em um supermercado Metro na rua Laurier, em Montreal.

O grupo autônomo e anônimo divulgou imagens de pessoas vestidas de Papai Noel e duendes em um supermercado no bairro de Plateau-Mont-Royal.

Os “Robins des ruelles” também publicaram uma foto dos alimentos em sacolas de Natal, sob a árvore da praça Valois, com um cartaz indicando “O Natal é caro!” e “comida de graça”.

O restante teria sido distribuído nas “inúmeras geladeiras comunitárias da cidade”, de acordo com um comunicado publicado pela conta do Instagram “Les Soulèvements du Fleuve”, que compartilha as ações de grupos autônomos.

As autoridades confirmaram que um furto em loja envolvendo várias pessoas mascaradas e fantasiadas ocorreu no dia 15 de dezembro às 21h40 em um hipermercado na rua Laurier. Os indivíduos teriam saído do estabelecimento com os alimentos sem pagar. Não houve feridos nem prisões.

“Eles são os bandidos”

Em um comunicado, os “Robins des ruelles” explicam suas motivações por trás da ação direta que chamaram de “la grande guignolée”.

“Trabalhamos cada vez mais, apenas para poder comprar o que comer em redes de supermercados que se aproveitam da inflação para obter lucros recordes”, pode-se ler no comunicado.

“Não há outra maneira de dizer: um punhado de empresas mantém nossas necessidades vitais como reféns. Elas continuam sufocando a população, para sugar o máximo de dinheiro possível. Para nós, isso é roubo e eles são os bandidos”, afirmam os “Robins des ruelles”.

Eles consideram esses roubos como “um apelo para nos organizarmos juntos contra a máfia alimentar e a agroindústria”.

agência de notícias anarquistas-ana

Ação direta: o faço
é mais verdadeiro que
o prometo vazio.

Liberto Herrera

Dinamarca: Contradição capitalista e radicalidade, viagem a Christiania

Mais ou menos tolerada há mais de 50 anos pelo governo dinamarquês, Christiania é um bairro autônomo de Copenhague. Nos últimos anos, ela luta para manter suas linhas políticas.

A comuna livre de Christiania é um bairro de Copenhague que se rebelou em 1971 contra a sociedade burguesa e conservadora dinamarquesa. No início, um grupo de jovens provos [1] decidiu ocupar o bairro do antigo quartel de Bådsmandsstræde, destruindo suas barreiras: a comuna livre nasceu. Inicialmente, era um local de habitação autogerido, mas também um espaço de experimentação artística e política: ateliês de artistas, cantinas autogeridas… Hoje, ela conta com cerca de 800 habitantes.

A comuna livre resistiu por muito tempo ao governo dinamarquês, como uma ZAD urbana onde as convenções sociais burguesas seriam abolidas. Isso não impede que certas regras estejam presentes em Christiania, como a proibição da violência, bem como a presença de drogas pesadas e gangues de motociclistas, fortemente ligadas ao tráfico. Após vários meses de batalha entre os “cristianitas” e a polícia, o Estado dinamarquês acabou por reconhecer um estatuto especial de “local de experimentação social”, o que permitiu não entregar o bairro aos promotores imobiliários e manter um status quo em torno da sua existência.

Infelizmente, no início dos anos 2000, um novo primeiro-ministro dinamarquês decidiu acabar com Christiania, acusando-a de ser um bairro de tráfico de drogas. É verdade que, até 2023, a famosa Pusherstreet – literalmente “rua dos traficantes” – era um local de venda de cannabis, prática que sempre foi tolerada em Christiania. Uma tentativa de demolir o bairro com escavadoras não teve sucesso, pois as noites de tumultos que se seguiram à destruição de uma casa foram intensas. Os cristianitas se reuniram para comprar suas próprias casas do Estado, o que permitiu salvar a comuna livre.

O fechamento da Pusherstreet cristaliza hoje muitas contradições. Desde os anos 70, essa rua era um local de venda de cannabis, inicialmente vendida pelos próprios moradores, mas aos poucos a venda caiu nas mãos de gangues vindas de outros bairros de Copenhague. Às vezes, havia brigas muito violentas entre traficantes, que levavam a tiroteios. Os moradores, sobrecarregados por esse nível de violência, acabaram por recorrer à polícia, sendo totalmente incapazes de se defender contra essas gangues.

A Pusherstreet foi então fechada para preservar o bairro e também para garantir a segurança dos turistas. De fato, as características únicas do bairro fazem dele hoje uma atração turística que atrai cerca de um milhão de visitantes por ano.

Christiania enfrenta hoje contradições muito importantes: manter viva a radicalidade do bairro, continuar lutando pela sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, receber turistas para garantir uma renda aos cristianitas, o que, em um país campeão da “flexisegurança”, é uma questão de sobrevivência. Infelizmente, o aspecto político de Christiania nem sempre está no centro desse turismo, pois alguns veem o bairro principalmente como um bairro de hippies com casas de arquitetura incomum.

Mas a Comuna Livre ainda está lá, apesar da revogação de seu estatuto especial e, sobretudo, apesar das contradições que a atravessam, entre radicalismo, repressão e tentações reformistas. Bevar Christiania! [2]

Thomas Puppy Meinhof (UCL Alsácia)

[1] O movimento Provo é um grupo anarquista ecologista, antimonarquista e anti-imperialista ativo na Holanda de 1965 até a década de 1970.

[2] “Preservemos Christiania!” em dinamarquês.

Thomas Puppy Meinhof (UCL Alsace)

Fonte: https://www.unioncommunistelibertaire.org/?Danemark-Contradiction-capitaliste-et-radicalite-voyage-a-Christiania

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Toda a beleza
do muro verde da montanha
traz saudade

David Rodrigues

[França] Um ativista antifascista enfrenta extradição e até 21 anos de prisão por se opor a neonazistas.

Acusado pela Hungria de Viktor Orbán de violência contra uma marcha neonazista em Budapeste, o ativista antifascista Gino voltou a ser alvo de um mandado de prisão europeu. Ele foi detido na região de Paris.

Em 16 de dezembro, o ativista antifascista Rexhino Abazaj, nascido na Albânia e conhecido como Gino, foi preso e detido na região de Paris. A prisão, efetuada por agentes da Subdireção Antiterrorista da Polícia Judiciária (SDAT), ocorreu em resposta a um mandado de prisão europeu emitido pela Alemanha contra o ativista.

Ele está sendo processado na Hungria por atos de violência supostamente cometidos contra neonazistas em Budapeste. Após um mandado de prisão europeu inicial emitido pela Hungria, Gino já havia sido detido na França de novembro de 2024 a fevereiro de 2025. Ele é acusado – juntamente com cerca de outras dez pessoas – de ter participado de atos de violência contra neonazistas em 2023, durante uma marcha de extrema-direita organizada anualmente na capital húngara: o “Dia da Honra”, que reúne cerca de quinhentos participantes e comemora a aliança entre soldados da Waffen-SS e soldados húngaros durante o cerco de Budapeste pelo Exército Vermelho no inverno de 1945 (a ditadura húngara era então aliada de Hitler).

Os riscos de um julgamento injusto

Se extraditado para a Hungria de Viktor Orbán, Gino pode enfrentar até 21 anos de prisão. Em fevereiro de 2025, o Tribunal de Apelação de Paris negou sua extradição, considerando os riscos de um julgamento injusto e de más condições de detenção muito elevados. O ativista foi, portanto, libertado sob supervisão judicial. Entre os outros indivíduos que receberam mandados de prisão semelhantes neste caso, a eurodeputada italiana Ilaria Salis foi libertada em junho de 2024, após sua eleição para o Parlamento Europeu. Maja T., cidadã alemã, foi extraditada pela Alemanha para a Hungria no verão de 2024.

Gino conta com o apoio de diversos coletivos que denunciam as políticas repressivas húngaras. Entre eles, o Comitê de Solidariedade de Budapeste, fundado após sua primeira prisão em novembro de 2024, também defende outros casos semelhantes, notadamente o de Zaid, um ativista antifascista de origem síria, e o de Maja, que está detida na Hungria há mais de um ano e aguarda julgamento, ao final do qual ambos podem ser condenados a até 24 anos de prisão.

Se a extradição, desta vez para a Alemanha, for confirmada em 24 de dezembro, Gino corre o risco de ser entregue às autoridades húngaras, como aconteceu com Maja. A situação é particularmente alarmante, dadas as condições prisionais do país. Em um relatório publicado em 16 de dezembro de 2025, o Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e de Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) expressou grave preocupação com as condições de detenção nas prisões húngaras, especialmente em Tiszalök.

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Fundo de quintal…
Silêncio. No velho muro,
uns cacos de sol…

Jorge Fonseca Jr.

[França] O exílio cubano, entre a peste e a cólera

por Floréal | 15 de dezembro de 2025

Assim que se soube o resultado das eleições presidenciais no Chile, que viram a vitória do candidato de extrema direita José Antonio Kast, muitos exilados cubanos, especialmente nos Estados Unidos, comemoraram publicamente, assim como haviam comemorado anteriormente a eleição de Trump para a Casa Branca. Embora alguns deles tenham se mostrado um pouco decepcionados com este último, de quem esperavam uma política muito mais hostil ao regime comunista da ilha, isso obviamente não os levou a posições mais moderadas.

Quando se denuncia, com razão, as inúmeras violações dos direitos humanos cometidas pelo regime castrista e sua sinistra polícia política, há algo de francamente lamentável em exibir a alegria de ver eleito um admirador de Pinochet, principal responsável pela morte de 3.200 pessoas e pela detenção ilegal de quase 30.000 outras, com tudo o que isso implicava em termos de humilhação e tortura. Em matéria de violações dos direitos humanos, denunciar uns e esquecer voluntariamente outros não é moralmente nem humanamente sustentável. É uma pena que muitos exilados cubanos não estejam manifestamente convencidos disso. Na verdade, muito poucos deles se interessam realmente pelo perfil político desses candidatos de direita, moderados ou extremistas. Eles se limitam a uma visão “cubano-centrada”, perguntando-se em que medida um país não governado pela esquerda poderá prejudicar a ditadura cubana. Isso lhes basta.

O ódio ao comunismo à maneira castrista, amplamente justificado tendo em conta o que esses cubanos viveram e o que os seus compatriotas continuam a viver no país, faz com que, infelizmente, se voltem com demasiada frequência para a extrema direita, que também sabe muito bem como suprimir muitas liberdades individuais ou coletivas. Quando a opção que a política impõe se limita a escolher entre a peste e a cólera, é porque o mundo está decididamente muito mal, e, portanto, ninguém é obrigado a fazer uma escolha.

florealanar.wordpress.com

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a lua na rua:
um gato lentamente
torna-se minguante.

André Ricardo Aguiar

[EUA] Tudo o que eu quero para o Natal | Rumo à abolição do Natal

Tudo o que eu quero para o Natal é a abolição do Natal.

Não apenas neste ano, 5784, ou no chamado 2023, mas especialmente neste ano.

Não há como separar o Natal e seus símbolos da supremacia cristã branca, do cristofascismo e do sionismo cristão, entre outros nomes para uma lógica que remodelou brutalmente o mundo inteiro desde 1492.

É uma supremacia tão poderosa, tão hegemônica, que pode parecer invisível. Ela estrutura tudo e, ao mesmo tempo, faz-se passar pelo ar que “nós” respiramos, ou como se partes dela pudessem ser benignas ou usadas em solidariedade para promover “boa vontade e paz” entre aqueles que ela despojou, deslocou, assassinou/genocidou e apagou das terras às línguas, calendários, rituais, culturas e corpos. Nem mesmo os mortos encontram boa vontade ou paz.

É uma supremacia inseparável das histórias do colonialismo e do capitalismo, do antissemitismo e da islamofobia, do patriarcado e da heteronormatividade. E que, no total, talvez tenha massacrado bilhões de pessoas a mais do que qualquer outro regime, povos indígenas, povos negros e racializados, muçulmanos e judeus, pessoas queer e mulheres, e a contagem de mortos poderia continuar.

Talvez exista um “Natal” que pudesse ser redimido, muito depois da abolição da supremacia cristã e de sua sede fascista por sangue, muito depois da abolição da “temporada de festas” e de “Cristo nosso salvador”, e de Jesus como qualquer coisa além de um entre bilhões de meros mortais que foram e são forragem para o culto da morte de uma ordem social supremacista cristã branca; muito depois de nossa memória corporal ter esquecido as ondas de assassinato perpetradas pela supremacia cristã neste ano em Gaza e, em anos anteriores, contra outros, como quando nós, judeus, tínhamos de nos esconder no Natal para evitar um destino semelhante.

Estamos muito longe desse tempo, como o genocídio contra os palestinos neste momento deixa dolorosamente claro.

O que temos, em vez disso, são e devem ser nossos #RituaisDeResistência milenares, que a supremacia cristã tentou com tanto empenho roubar, perverter e esmagar; nossas formas de solidariedade para além e sem a necessidade de Estados e fronteiras, padres ou papas, onde quer que estejamos na diáspora; e nossos espíritos rebeldes, que não buscam salvador algum.

Cindy Milstein

Tradução > Contrafatual

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Cigarras em coro
Ecoam no cemitério
Quebrando o silêncio.

Neide Rocha Portugal

Breve declaração sobre a insurreição na Indonésia e a repressão subsequente

A seguinte declaração do Palang Hitam / ABC Indonésia foi transmitida ao vivo na segunda-feira, 9 de dezembro, entre 11h e 13h (CET), na Rádio Blackout. O nome do programa é “bello come una prigione che brucia” (Bonito como uma prisão em chamas), um programa transmitido há 20 anos contra prisões, repressão, vigilância, tecnologias militares e IA. A Rádio Blackout é uma rádio autônoma (FM em Turim, Itália, e streaming em outros lugares), fundada em 1992 como um projeto comum autogerido por ocupações locais, centros sociais e diversos coletivos e indivíduos (antifascistas, antiautoritários, anticapitalistas, anti muitas coisas, com camaradas de diferentes vertentes do anarquismo e do comunismo).

De agosto ao início de setembro de 2025, a Indonésia foi atingida por manifestações e tumultos desencadeados pela indignação pública diante de políticas governamentais consideradas prejudiciais ao povo. Os principais gatilhos desses protestos foram aumentos drásticos no custo de vida, incluindo os preços dos alimentos e os custos da educação, bem como demissões em massa que afetaram muitos trabalhadores. Além disso, aumentos nos impostos sobre terras e edificações, impostos por governos locais em decorrência de cortes de financiamento do governo central, agravaram ainda mais a situação. A frustração pública atingiu o auge quando surgiram propostas para aumentar os auxílios e salários dos membros da Câmara dos Representantes (DPR), o que pareceu ignorar o sofrimento da população.

Inicialmente, a indignação pública se manifestou apenas nas redes sociais, com apelos pela dissolução da Câmara dos Representantes. No entanto, a resposta de membros da Câmara, especialmente Ahmad Sahroni, que chamou os críticos de “as pessoas mais estúpidas do mundo”, apenas piorou a situação. Em 25 de agosto, a raiva explodiu na forma de uma grande manifestação em frente ao prédio da Câmara dos Representantes, que terminou em caos, com confrontos entre manifestantes e a polícia.

Essa primeira manifestação contou com a participação de diversos setores da sociedade, como motoristas de aplicativos de mototáxi, estudantes de escolas técnicas e membros do público em geral não vinculados a nenhuma organização específica. Embora os cartazes produzidos por eles tenham sido ridicularizados por alguns ativistas pró-democracia por serem mal elaborados e, portanto, supostamente “feitos por agentes de inteligência”, os protestos continuaram. Suas reivindicações se concentravam na eliminação dos auxílios aos membros da Câmara dos Representantes, considerados excessivamente dispendiosos, na aprovação do Projeto de Lei de Confisco de Ativos e na rejeição de uma série de outros projetos de lei controversos.

Nos dias 26 e 27 de agosto, as manifestações continuaram, apesar da diminuição do número de participantes. Muitos estudantes passaram a realizar debates abertos, indicando que a questão da Câmara dos Representantes estava ganhando atenção pública. No entanto, novos tumultos eclodiram em 28 de agosto, quando manifestações trabalhistas em várias grandes cidades exigiram aumento do salário mínimo, a abolição do sistema de terceirização e mudanças na Lei do Trabalho. Em Jacarta, os protestos trabalhistas em frente ao prédio da Câmara dos Representantes e ao Palácio do Estado terminaram em confrontos, que se intensificaram após a morte de um motorista de mototáxi por aplicativo chamado Affan Kurniawan, atingido por um veículo blindado da polícia em Pejompongan, Jacarta Central. O incidente foi registrado em vídeo e viralizou, provocando ainda mais indignação.

Desde o início de 29 de agosto, motoristas de mototáxi por aplicativo se reuniram na sede da Brigada Móvel de Kwitang, exigindo justiça pela morte de Affan e responsabilização da polícia pela violência contra os manifestantes. A multidão cresceu, com a adesão de estudantes, e a manifestação se deslocou para delegacias de polícia e prédios governamentais. No entanto, apesar das negociações, o público ficou insatisfeito com os resultados, e novos tumultos eclodiram, paralisando o transporte público e levando ao fechamento de várias estações.

Os tumultos se espalharam para diversas grandes cidades fora de Jacarta. Houve outros 34 focos de conflito fora da capital, onde instalações públicas, delegacias de polícia e prédios de conselhos locais foram incendiados pela multidão. Nos dias 30 e 31 de agosto, as tensões se intensificaram após a revelação de que vários membros da Câmara dos Representantes, incluindo Ahmad Sahroni, estavam no exterior. Essa notícia alimentou ainda mais a raiva popular, levando à invasão das casas de Sahroni e de vários outros membros da Câmara, bem como de autoridades governamentais como a ministra das Finanças, Sri Mulyani. Suas residências foram saqueadas por uma multidão que já não conseguia conter sua fúria.

Naquela noite, houve queda de energia nas imediações da sede da Brigada Móvel, e as forças policiais mobilizadas para controlar os distúrbios utilizaram gás lacrimogêneo e disparos de arma de fogo para dispersar a multidão. As forças armadas e a polícia realizaram operações de varredura em diversas áreas para reprimir os envolvidos nos tumultos. Essa repressão continuou nos dias seguintes, elevando as tensões em toda a Indonésia. O governo indonésio passou a rotular os manifestantes com acusações que iam de terrorismo a traição. Em vez de atender às reivindicações apresentadas durante as manifestações, o governo respondeu com repressão contínua e um recuo no processo de democratização.

Essa revolta popular foi essencialmente impulsionada por pessoas comuns, em particular estudantes do ensino médio, desempregados e a comunidade de mototáxis por aplicativo, forças que haviam sido subestimadas e consideradas “politicamente inconscientes” por ativistas de classe média e pela maioria da esquerda. Esses rebeldes não são pessoas que agem a partir da leitura de livros marxistas ou anarquistas. Eles estão nas ruas porque as informações que circulam nas redes sociais provocaram sua raiva; uma raiva que, em seguida, é moderada pela classe média que grita “não destruam equipamentos públicos”, “não sejam anarquistas”, “não se deixem provocar” e, por fim, formula uma série de demandas longas e prolixas chamadas “17+8”, em 1º de setembro, apenas para apagar o fogo e a indignação (as demandas “17+8”, que nunca foram concretizadas até hoje). É verdade que a multidão ainda carece de inteligência prática. Mas, evidentemente, isso não é culpa dela. Trata-se de pessoas que sempre foram sacrificadas pelo Estado e até mesmo pelas elites da oposição que se autodenominam “revolucionárias”, cresceram com a compreensão de que a raiva precisa encontrar uma válvula de escape.

Então, quando os incêndios cessaram em todos os lugares, quando governantes e elites políticas se desculparam publicamente, ninguém pôde dizer com certeza como tudo havia começado. Houve muita articulação, discussão, criação de redes entre diferentes ideologias, campanhas políticas etc.; mas o que aconteceu em agosto de 2025 foi um festival de insurreição que ninguém poderia ter previsto. Mesmo quando as manifestações começaram, até a morte de Affan Kurniawan como ponto de ebulição da raiva pública, esses protestos ainda eram vistos como “manifestações encenadas” em benefício dos que detêm o poder, o que, ironicamente, foi amplamente promovido pela maioria dos ativistas pró-democracia de classe média e seus seguidores.

Agora, após os tumultos, a polícia prendeu muitas pessoas, incluindo anarquistas egoístas/niilistas, mas a maioria delas são vítimas de prisões arbitrárias que sequer participaram das manifestações. Elas são acusadas de serem mentores, provocadores, atores intelectuais e rotuladas como “grupos de estrelas do caos”. Enquanto isso, membros da DPR como Ahmad Sahroni, que desencadearam a indignação pública, permanecem em seus cargos e não foram destituídos. Recentemente, a DPR aprovou uma revisão do Código de Processo Penal que permite à polícia prender pessoas sem provas e realizar escutas telefônicas secretas, bem como gravar e adulterar dispositivos digitais.

Palang Hitam / ABC Indonésia

Fonte: https://darknights.noblogs.org/post/2025/12/08/brief-statement-about-the-insurrection-in-indonesia-and-the-subsequent-repression/

Tradução > Contrafatual

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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/12/17/indonesia-oito-detidos-anarquistas-do-caso-chaos-star-foram-transferidos-apos-audiencia/

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O jantar chique: máscaras
de prata sobre a podridão
do lucro fácil.

Liberto Herrera

[Alemanha] ACAB-Day | Manifestação em Berlim contra a violência policial reúne milhares de pessoas

Berlim.1312. Cerca de 3 mil pessoas marcharam por Friedrichshain em 13 de dezembro de 2025, sob o lema “Guerra ao Sistema – ACAB”, contra a violência policial, a guerra e em solidariedade a Gaza.

A polícia estava presente em grande número, com mais de 500 policiais. A manifestação começou pouco antes das 20h na Helsingforser Platz e seguiu pela Marchlewskistraße, entre outras ruas. O protesto também passou pela delegacia de Wedekind, onde foram relatados repetidos casos de violência policial, houve gritos e fogos de artifício. Neste momento a polícia interrompeu temporariamente a manifestação.

Mais tarde, na rua Rigaer Straße, a polícia interrompeu a manifestação novamente e, sem provocação, atacou brutalmente a frente da marcha, dispersando o protesto. Vinte pessoas foram presas sob a acusação de usar símbolos de organizações inconstitucionais e resistir à prisão. Apesar da dispersão, foi, no geral, uma manifestação ruidosa e impactante, repetidamente recebida com fogos de artifício de telhados e ruas laterais.

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Pichação no muro:
a tinta é verbo, o muro
é a página do povo.

Liberto Herrera

[Espanha] ESPORAS: uma revista libertária de crítica de livros

Em pleno século XXI, lançar uma revista em papel pode parecer um gesto absolutamente anacrônico. No entanto, para nós, também pode ser um ato de resistência e uma afirmação da leitura crítica frente à mercantilização da cultura. Esporas surge com um propósito claro: reivindicar o trabalho autônomo e emancipatório das editoras libertárias, visibilizar as propostas do mundo libertário e para o mundo libertário, e contribuir para a construção de uma memória coletiva.

Esporas não nasce do nada. Surge das cinzas, de projetos que não chegaram a iniciar, e também da distância: dos que, ainda que geograficamente dispersos, sabem que estão perto em ideias e afetos. Após diversos encontros informais, sentimos a necessidade de manter vínculos, fortalecer redes e normalizar as relações geradas em feiras, encontros e outros espaços de sociabilidade do livro libertário.

A revista, cujo primeiro número já viu a luz, se apresenta em formato A5 a cores. É gratuita, coletiva e horizontal: funciona mediante assembleia e reúne escritoras, historiadoras, filólogas, eletricistas, editoras, corretoras e bibliotecárias, com um ponto em comum: o compromisso com a difusão de ideias libertárias e a paixão pelo mundo do livro.

Estrutura-se em várias seções, que poderão variar em futuros números: resenhas longas, entrevistas e crônicas, olhares fugazes (resenhas breves), agenda de encontros e listas de publicação. Seu objetivo é mostrar a riqueza e vitalidade de um tecido editorial vivo, que surge, aparece e desaparece, e oferecer sugestões que ajudem a ler, pensar e organizar-se criticamente. Esporas quer visibilizar livros libertários atuais ou aqueles cuja perspectiva aporte um olhar antiautoritário. Também busca fortalecer redes locais e internacionais, incluindo colaborações com iniciativas na América e a edição conjunta de livros.

A revista está aberta: quem deseje participar, enviar propostas ou colaborar são bem vindos. A ampliação e conexão contínuas são uma prioridade, porque cremos que a circulação de ideias e experiências fortalece a autonomia e a organização coletiva. Esporas não é um círculo de leitores, nem um espaço de venda de livros, nem um lugar de autorrepresentação. É um projeto de memória, autoafirmação e cooperação: um espaço para fortalecer a lucidez, a autonomia e a colaboração em um contexto no qual estas seguem sendo mais necessárias do que nunca.

Definitivamente, a revista é uma ferramenta para ler, pensar, organizar-se e tecer redes; um espaço aberto que convida a somar vozes, propostas e experiências, manter viva a cultura libertária e fortalecer os vínculos que nos permitem resistir e criar coletivamente.

Assembleia Esporas

P.S.: O número 01 já pode ser baixado em nossa web:

Tradução > Sol de Abril

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A ética nasce
do apoio mútuo, não
de tábuas de pedra.

Liberto Herrera

[Itália] Eu venho te devolver um pouco do teu terror, da tua desordem, do teu barulho.

Com um pensamento aos nossos companheiros e companheiras no cárcere e em prisão domiciliar, com um pensamento a quem continua lutando dentro e fora das prisões, a dizer que a prisão é uma merda e que o 41-bis é tortura. E a reafirmar que, apesar de tentarem quebrar a solidariedade, apesar de suas tentativas de nos isolar, nos assustar, nos separar dos nossos afetos mais queridos, tentando nos apertar na mordaça da tristeza e da repressão; apesar dos anos de prisão com os quais gostariam de enterrar vivos os nossos companheiros e companheiras, nós estamos e estaremos sempre ao lado deles, nas ruas, nas praças, debaixo das prisões. Que a solidariedade derrube esses muros infames.

ATÉ QUE DE CADA PRISÃO NÃO RESTEM SENÃO ESCOMBROS

ALE, BAK, LUIGI LIVRE

TODOS E TODAS LIVRES

Fonte: https://brughiere.noblogs.org/post/2025/12/15/io-vengo-a-restituirti-un-po-del-tuo-terrore-del-tuo-disordine-del-tuo-rumore/

agência de notícias anarquistas-ana

O pudor, um véu
para esconder o terror
da hipocrisia.

Liberto Herrera

[Espanha] Novidade editorial: “Solidaridad Internacional Antifascista (SIA) en la Guerra Civil Española”, de Anna Pastor Roldán

Com o nascimento da Solidaridad Internacional Antifascista (SIA) em 1.937, se concretizaram duas realidades: uma, a solidariedade internacional entre anarquistas foi sempre um imperativo moral do anarquismo, e, dois, era manifesta a necessidade de criar um organismo que velasse pelos interesses dos filhos e filhas da militância libertária em plena guerra; em um momento, ademais, em que as conquistas revolucionárias estavam sendo atacadas sistematicamente desde diversos âmbitos de poder hostis ao movimento libertário e suas organizações.

Este ensaio é uma aproximação histórica ao papel político e os projetos de melhoramento social que motivaram o trabalho humanitário, a retórica e a ação revolucionária da SIA. Também é uma reflexão desde o presente, pois pretende compreender por que a solidariedade é um valor do qual jamais devemos nos desprender. A necessitaram na ocasião, a necessitamos agora. Nela vivem os últimos lampejos de nossa humanidade.

Anna Pastor Roldán (L’Hospitalet de Llobregat, 1993). Graduada em Humanidades e mestre em História Contemporânea. Orienta suas investigações a projetos de recuperação de memória histórica e valorização do legado libertário na Espanha. Explora propostas pedagógicas que contribuam a construir um relato da memória antifascista e revolucionária desde a educação não formal.

Solidaridad Internacional Antifascista (SIA) en la Guerra Civil Española

Autor: Anna Pastor Roldán

ISBN: 979-13-990905-1-2

Medidas: 195 mm. x 125 mm.

Páginas: 163

2025

14,00 € IVA incluido

piedrapapellibros.com

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Ruído de chinelos
No quintal do lado –
Mas que calor…

Paulo Franchetti

A Justiça da Bolívia encerra caso Caza & Safari: não investigará mais a empresa argentina que promovia a caça de jaguares

Por Iván Paredes Tamayo | 16/12/2025

A Justiça da Bolívia encerrou o caso Caza & Safari, no qual se investigava uma empresa argentina que vendia pacotes turísticos para viajar à Bolívia e matar jaguares na região do Pantanal. Os demandantes acusam a Promotoria de Santa Cruz de não revisar as provas apresentadas e de evitar dar informação sobre o processo.

O dono da companhia Caza & Safari, Jorge Néstor Noya, é acusado na Argentina de ser o principal artífice do maior caso de tráfico de fauna silvestre desse país.

O jaguar é uma espécie protegida na região. Estima-se que na Bolívia só restam um pouco mais de 3000 indivíduos, segundo o biólogo Huáscar Bustillos. A lei proíbe sua caça e os especialistas pedem que se mude sua categoria de vulnerável para em perigo.

Na Bolívia, Noya levou clientes de maneira irregular para caçar jaguares na zona oriental desse país. O fez durante mais de 30 oportunidades desde a década de 1980. Noya foi processado em seu país e a investigação teve relevância regional, já que o negócio deste caçador também chegou ao Paraguai, Brasil e inclusive alguns países da África.

Rodrigo Herrera, advogado boliviano que levou o caso com a parte demandante, que é a ativista Lisa Mirella Corti e o guarda parque Marcos Uzquiano, explicou a Mongabay Latam que na Bolívia se introduziu uma demanda penal em dezembro de 2024 e que logo se formou uma comissão de investigação formada pela Promotoria do município de San Matías (fronteira com o Brasil), a Promotoria especializada em delitos ambientais de Santa Cruz e a Promotoria Geral, que tem sede na cidade de Sucre.

“Todo este tempo, como parte demandante, apresentamos à Promotoria muitas provas, muitas evidências e também se remeteu o informe oficial da promotoria argentina no qual se mostra informação coletada do telefone celular do senhor Noya que confirmava que ele estava na Bolívia em novembro de 2023 realizando a caça ilegal do jaguar”, detalhou Herrera.

O advogado acrescentou que esperaram a resposta da Promotoria boliviana e que em julho deste ano o processo já não se encontrava no sistema digital do Ministério Público da Bolívia. “Na Promotoria de Santa Cruz nos disseram que o promotor de San Matías havia encerrado o caso por insuficientes provas”, disse. Herrera disse que não foram notificados na data com a extinção do processo e afirmou que seguirão insistindo em um julgamento contra Noya na Bolívia.

No marco deste caso, na Argentina se fizeram 12 buscas na província de Buenos Aires, na cidade de Buenos Aires e na província de Santiago del Estero. Também embargaram 37 veículos automotores, os quais eram propriedade dos acusados, vários deles de alta gama. Embargou-se também um imóvel de grande valor situado na costa atlântica argentina que era propriedade de um dos supostos chefes da organização e também foram embargados os três terrenos de caça nos quais se haviam feito as caçadas ilegais.

Esse processo se instalou na Promotoria Federal 1 de Lomas de Zamora, que é a que instruiu a investigação, e também interveio o Tribunal Federal 2 de Lomas de Zamora. Neste caso, segundo a investigação, também se apreenderam 44 armas de fogo, que haviam sido utilizadas para entregá-las aos clientes estrangeiros do argentino Noya, com as quais haviam realizado as atividades cinegéticas (técnicas e mecanismos para caçar) ilegais.

A provisão de armas de fogo aos clientes de Noya se fazia – segundo a investigação – sem que estes tivessem permissões para caçar nem tampouco permissões para usar armas de fogo na Argentina e na Bolívia.

Os “troféus”

Durante os operativos se apreenderam 7951 taxidermias, quer dizer, animais dissecados para conservá-los com aparência de seres vivos. Este processo de taxidermia se realizava – segundo a investigação – em oficinas ilegais na Argentina e logo esses “troféus” eram enviados aos países dos clientes caçadores.

Na investigação incluem-se detalhes das viagens e clientes de Noya. O caçador argentino recebia seus clientes, a maioria de nacionalidade estadunidense e espanhóis, na Argentina. Desde ali, os levava até a cidade de São Paulo e logo a Cuiabá, perto da fronteira com Bolívia. Desde Cuiabá ingressava com os caçadores em pequeno avião a vários destinos do oriente boliviano, onde buscavam jaguares para matá-los.

Lisa Mirella Corti, que é uma das denunciantes do caso na Bolívia e parte do coletivo El llanto del Jaguar, explicou a Mongabay Latam que na Bolívia a demanda se apresentou em dezembro de 2024, após conhecer os atos que havia cometido Noya na Bolívia, principalmente na Área Natural de Manejo Integrado (ANMI) San Matías, que é a segunda maior reserva da Bolívia.

“Admitiu-se a denúncia, mas no processo de investigação a rejeitaram. Nos tiraram do sistema digital faz uns meses e agora não podemos acessar a informação do caso. Nos disseram que rejeitaram o caso porque o promotor de San Matías disse que não há provas suficientes, mas isso é incorreto, já que apresentamos todas as provas, como uma foto de Noya com um jaguar morto na Bolívia”, disse Mirella Corti.

A ativista acrescentou que na Bolívia não se fez nenhuma busca e que não se gastaram recursos econômicos para levar adiante a investigação. “Este é um crime transnacional. Nós vamos reativar o caso e queremos que se impute Noya para pedir sua extradição”, ressaltou Mirella Corti.

Mongabay Latam contatou com a Promotoria de Santa Cruz para pedir informação e confirmou que esse caso foi encerrado pela Promotoria de San Matías. Esta última dependência evitou dar declarações sobre o tema.

A Promotoria de Santa Cruz explicou a este meio que no marco desta investigação pediu-se, por exemplo, informação ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA) para determinar se o prédio onde ocorreram os delitos é um imóvel particular ou é uma reserva nacional. Ademais, esta instância detalhou que separado de Noya se investigava um cidadão espanhol, que ingressou na Bolívia com o empresário argentino para matar jaguares.

Segundo detalhou Mirella Corti, a parte demandante apresentou fotografias que são profundamente indignantes e cruéis: se vê Noya posando com seus clientes com os jaguares abatidos. Há felinos mortos pendurados em árvores e ao lado dos caçadores lançando sorrisos.

A investigação argentina confiscou os telefones dos imputados, especialmente o de Noya. Em uma das comunicações, os chefes da organização conversam com um cliente panamenho que queria caçar um “bicho que come cavalos”, referindo-se ao jaguar. As datas não estão claras na investigação, mas essa caçada pode ter sido em julho de 2024. O panamenho nunca pôde caçar um jaguar em seu percurso pela Argentina e seu sonho era ter um troféu desta espécie. Como não conseguiu seu intento em solo argentino, Noya convidou o caçador panamenho para ir caçar na Bolívia sem nenhum custo.

A rota de Noya

Para conseguir esse objetivo na Bolívia, Noya primeiro tomou um vôo da Argentina para o Brasil e desde ali um pequeno avião para a Bolívia. O vôo desse avião era ilegal porque não se registrou sua passagem na fronteira do Brasil à Bolívia. Noya fez saber que a caça se realizaria no oriente boliviano. Até aí chegaram com o cliente panamenho e se desconhece se o caçador conseguiu levar seu “troféu” a seu país.

Noya oferecia alojamento na Argentina e diversos tipos de caças. Seus clientes chegavam a pagar muito dinheiro por cada “troféu”: quanto mais raro, mais difícil de ver ou mais escasso era o animal a caçar, se considerava mais valioso. A caça de um jaguar na Bolívia chegou a custar até 50.000 dólares. Os clientes de Noya seriam personagens reconhecidos em seus países.

Um deles é um destacado médico espanhol que tem inclusive um Museu da Fauna Selvagem na Espanha. Era o segundo estrangeiro investigado na Bolívia.

A rota que realizava Noya e seus clientes para chegar à Bolívia tinha duas escalas no Brasil. Saiam de Buenos Aires para São Paulo e daí chegavam a Cuiabá, que está muito perto do ANMI San Matías. Todas essas rotas a faziam em vôos comerciais, segundo a investigação. Desde Cuiabá, muitas vezes ingressavam ilegalmente em pequenos aviões. Esse espaço aéreo é dominado pelas máfias do narcotráfico. Outras vezes realizavam viagens pela via terrestre, também, violando os controles migratórios, já que na investigação boliviana não existe um registro migratório oficial de entrada e saída por parte do empresário argentino.

Na investigação argentina se confirmou que Noya viajou a Bolívia com seus clientes e inclusive com as fotografias tomadas com o telefone celular de Noya se verificou com aplicações digitais que essas imagens foram realizadas em território boliviano. Mongabay Latam contatou com o advogado de Noya, mas o jurista não respondeu os requerimentos.

Fonte: https://es.mongabay.com/2025/12/bolivia-cierra-caso-caza-safari-empresa-argentina-caza-jaguares/

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

chuva na rua
lágrimas nos olhos
orvalho da dor…

Carlos Seabra

[Belém-PA] Ecologia Libertária na Amazônia: o papel do CCLA

Entre a memória da Cabanagem e o espetáculo da COP em Belém, a Amazônia continua sendo palco de resistências que não cabem nos discursos oficiais. O CCLA nasce nesse entremeio: reivindicando a insurreição popular como inspiração e denunciando a farsa do capitalismo verde. Nossa ecologia é libertária, feita de solidariedade concreta com povos indígenas, migrantes e comunidades diversas, e não de promessas vazias em palcos internacionais.

A memória insurgente da Cabanagem

A história da Amazônia não pode ser contada sem a lembrança da Cabanagem, insurreição popular que explodiu em 1835 e que marcou profundamente o Pará. Mais do que um episódio isolado, a Cabanagem foi a expressão de uma revolta contra a brutal concentração de riquezas e poder nas mãos de elites coloniais e imperiais, que mantinham a maioria da população amazônica em condições de miséria e subjugação. O levante cabano, ainda que fragmentado e atravessado por contradições, carregava um viés libertário ao reivindicar autonomia popular e desafiar a ordem estabelecida. Ao escolher o 7 de janeiro — data de início da revolta — como marco de sua fundação, o CCLA inscreve-se nessa tradição de resistência, reivindicando a memória cabana como inspiração para uma prática libertária contemporânea. Essa escolha não é mero simbolismo: é a afirmação de que a luta popular, quando enraizada na história, pode iluminar os caminhos da emancipação presente.

A Cabanagem e a COP: duas faces da mesma lógica de dominação

A Cabanagem foi marcada pela revolta contra a concentração de riquezas e pela recusa em aceitar que a Amazônia fosse apenas território de exploração. Hoje, quase dois séculos depois, a COP30 em Belém expõe outra forma dessa mesma lógica: a gestão capitalista da catástrofe climática. Em vez de enfrentar as causas estruturais da destruição ambiental — o extrativismo, o agronegócio, a mineração — o espetáculo internacional legitima governos e corporações que lucram com a crise. Assim como na Cabanagem, o que está em jogo é a luta dos povos organizados contra a apropriação de seus territórios e vidas. O CCLA, ao se colocar como referência atual nessas frentes de luta ecológica, retoma o fio libertário da insurreição cabana: não aceitar que a Amazônia seja palco de exploração e marketing, mas afirmar que ela é território de resistência, solidariedade e liberdade.

O espetáculo da COP e o “capitalismo verde”

Belém, palco da COP30, tornou-se vitrine de discursos oficiais sobre sustentabilidade e preservação. Mas por trás das promessas e dos palcos internacionais, o que se vê é a continuidade da devastação: avanço do agronegócio, mineração predatória, expulsão de comunidades tradicionais. O “capitalismo verde” transforma a Amazônia em cenário de marketing, enquanto os povos que a habitam seguem sendo marginalizados. Para nós, anarquistas, a COP não é espaço de emancipação, mas de cooptação. É o espetáculo que legitima governos e corporações, enquanto silencia as vozes insurgentes. Denunciar essa farsa é parte essencial da tarefa libertária: mostrar que não há ecologia verdadeira sem ruptura com o Estado e com o capital.

Povo Ka’apor: resistência na floresta

Entre as lutas que o CCLA acompanha, destaca-se a dos Ka’apor, povo indígena que enfrenta diariamente invasões de madeireiros e pressões de grandes projetos. Sua resistência não se dá apenas em discursos, mas em práticas concretas de defesa territorial, de vigilância comunitária e de afirmação cultural. Os Ka’apor mostram que a ecologia não é uma abstração, mas uma prática de sobrevivência e dignidade. Ao lado deles, aprendemos que solidariedade libertária significa apoiar sem tutelar, caminhar junto sem impor agendas. A luta Ka’apor é exemplo vivo de que a Amazônia não precisa de salvadores externos, mas de aliados que reconheçam sua autonomia.

Povo Warao: migração e dignidade

Outro eixo de nossa prática é a solidariedade com os Warao, povo indígena oriundo da Venezuela que, em razão da crise e da perseguição, migrou para o Brasil. Em Belém e em outras cidades amazônicas, os Warao enfrentam condições precárias, discriminação e invisibilidade. O CCLA acompanha suas demandas por moradia, alimentação e respeito cultural, buscando construir pontes de solidariedade. A presença dos Warao nos lembra que a Amazônia é também espaço de migração e de encontro, e que a ecologia libertária deve incluir a luta contra fronteiras e nacionalismos. Apoiar os Warao é afirmar que nenhum ser humano é ilegal, e que a dignidade não pode ser condicionada por documentos ou por políticas de Estado.

Bookchin e a ecologia social

As leituras de Murray Bookchin têm sido fundamentais para nossas reflexões. Sua proposta de ecologia social mostra que a crise ambiental não pode ser separada da crise social: a dominação da natureza é reflexo da dominação entre seres humanos. Inspirados por Bookchin, entendemos que a luta ecológica deve ser também luta contra hierarquias, contra o patriarcado, contra o racismo e contra todas as formas de opressão. A ecologia libertária que buscamos não é apenas preservação de florestas, mas construção de comunidades autônomas, horizontais e solidárias. Ao trazer Bookchin para nossas rodas de leitura e debates, buscamos traduzir sua teoria em prática amazônica, conectando pensamento crítico com ação militante.

Práticas libertárias cotidianas

O CCLA não se limita a denunciar: organiza cineclubes, debates, traduções de textos libertários, ações de solidariedade com povos indígenas e migrantes, e práticas de alimentação vegana em nossas atividades. Essas ações, aparentemente pequenas, são sementes de uma ecologia libertária. Ao cozinhar coletivamente, ao traduzir textos, ao debater filmes, estamos construindo espaços de autonomia e de cultura crítica. A solidariedade com a comunidade LGBTQIA+ e com movimentos populares reforça que nossa luta é interseccional, que não há emancipação parcial. Cada gesto cotidiano é parte de uma resistência maior, que se opõe ao espetáculo da COP e às promessas vazias do Estado.

Belém periférica e vulnerável após a COP

Belém recebeu a COP30 no mês passado, e o saldo para as populações marginalizadas e periferizadas foi de agravamento das dificuldades cotidianas. As obras realizadas para o evento, muitas vezes marcadas por suspeitas de desvio de recursos públicos e pela destruição de áreas verdes urbanas, deixaram cicatrizes profundas no território. Enquanto o centro foi maquiado para o espetáculo internacional, as periferias continuaram expostas ao acúmulo de lixo não tratado, à poluição dos rios e igarapés e ao avanço desordenado de atividades comerciais e industriais. Nessas áreas, a vulnerabilidade às doenças aumentou, os serviços públicos seguiram precários e a promessa de “sustentabilidade” revelou-se uma farsa cruel. A cidade que se vendeu ao mundo como vitrine da preservação ambiental expõe, em suas margens, a contradição mais brutal: a vida das maiorias sacrificada em nome de um espetáculo que já passou, mas cujas consequências permanecem.

Entre memória e horizonte

O artigo que propomos aqui é, portanto, uma ponte: entre a memória da Cabanagem e o horizonte de uma Amazônia libertária. Entre a denúncia do espetáculo verde e a afirmação de práticas concretas de solidariedade. Entre a teoria de Bookchin e a luta dos Ka’apor e dos Warao. Essa ponte não é linear nem fácil, mas é necessária. Ao escrever e publicar, queremos afirmar que a Amazônia não é apenas território de exploração, mas também de resistência e de criação. Queremos mostrar que o anarquismo não é utopia distante, mas prática viva, enraizada em comunidades e em solidariedades reais.

Caminhos abertos da ecologia libertária

Em tempos de discursos oficiais e promessas de sustentabilidade, reafirmamos que a verdadeira ecologia nasce da insurgência. Nasce da memória cabana, da resistência Ka’apor, da dignidade Warao, das leituras de Bookchin e das práticas cotidianas de solidariedade. O CCLA é parte dessa trama, não como protagonista, mas como aliado. Nosso papel é dar visibilidade, construir pontes, fortalecer redes. A Amazônia não precisa de palcos internacionais: precisa de autonomia, de solidariedade e de liberdade. É nesse horizonte que seguimos caminhando, entre memórias e práticas, entre resistências e criações, tecendo uma ecologia libertária que não se encerra aqui, mas que se reinventa a cada encontro e a cada gesto coletivo.

Centro de Cultura Libertária da Amazônia – CCLA

Rua Bruno de Menezes (antiga Gen. Gurjão), 301. Campina. Belém, Pará, Brasil.

Site: cclamazonia.noblogs.org

Instagram: @cclabelem

Conteúdo relacionado:

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/11/27/belem-pa-encerramento-da-cop30-avaliacao-do-ccla/

agência de notícias anarquistas-ana

Floresce a ameixeira
e canta o rouxinol
mas estou só

Kobayashi Issa

[Espanha] Lançamento: “Viaje a través de Utopía”. Marie Louise Berneri.

Ilustrações: Walter Crane. Tradução: Ana Muiña.

’Viaje a través de Utopía’ é um atlas de lugares e sociedades imaginárias. A terra de Utopia, a comunidade ideal, pode-se encontrar em uma ilha ou em um continente imaginário, em algum planeta distante, no passado ou no futuro.


Marie Louise Berneri, a lúcida autora deste livro de referência, traduzido e publicado pela primeira vez na Espanha pela La Linterna Sorda, examina, com uma análise crítica e detalhada, as utopias na literatura, começando por ‘La República‘ de Platão e por Aristófanes. Além de incluir os textos mais conhecidos de Thomas More, Campanella, Winstanley e William Morris, se detêm em outras Utopias como ‘Christianopolis‘ de Andreae, ‘La abadía de Thelema‘ de Rebelais, ‘Aventuras de Jacques Sadeur en La Tierra Austral‘ de Foigny, ‘Suplemento al viaje de Bougainville‘ de Diderot, ‘Viaje por Icaria‘ de Cabet, ‘El año 2000‘ de Bellamy, ‘La raza del porvenir‘ de Lytton, para finalizar citando as distopias de Zamiatin, H. G. Wells, George Orwell e Aldous Huxley, entre outros.


Esta obra não só é de interesse acadêmico. Mostra, com notável clareza, a relação entre o pensamento utópico e a realidade social. Seu foco nos leva ao presente: o autoritarismo avançando em todo o mundo, com a única esperança da humanidade posta na tirania tecnológica, enquanto que o único planeta que conhecemos está sendo convertido em inabitável para todos os seres vivos. Urge situar no centro a comunidade e a potência criadora de cada pessoa. Berneri sustenta que o pensamento utópico ao longo da história expressou duas orientações. “Uma tende à felicidade humana através do bem estar material, a imersão do indivíduo no grupo e na grandeza do Estado. A outra, ainda que exija certo bem estar material, crê que a felicidade é consequência da livre expressão da personalidade”.

Como veterano estudioso das utopias, sinto um respeito especial por ‘Viaje a través de Utopía’ de Marie Louise Berneri, porque é o estudo mais exaustivo e perspicaz dessa terra ideal, que encontro escrito em qualquer idioma. Como trabalho de erudição é superior a meu ensaio e ao de Hertzler, mas o que lhe confere um mérito especial é que este livro só pôde ser escrito por alguém dotada de uma inteligência audaz e um espírito ardente; alguém que se opõe a todas as forças que degradam o ser humano à condição de autômato servil e alguém que se posiciona a favor de tudo o que fomenta a liberdade e a expressão criadora“. – Lewis Mumford

Marie Louise Berneri nasceu na Itália, em 1.918 e morreu em Londres, junto com seu bebê durante o parto, em abril de 1.949. Seu parceiro era o fotógrafo e jornalista Vernon Richards.

Berneri foi uma escritora, jornalista e divulgadora anarquista. Filha mais velha de Camillo Berneri e de Giovannina Caleffi, ela e sua família se exilaram na França em 1.926 por sua militância antifascista contra Mussolini. Maria Luisa Berneri tomou a versão francesa de seu nome, Marie Louise, e estudou e se graduou em Psicologia na Universidade da Sorbonne na década de 1.930. Durante a guerra de Espanha, visitou Barcelona em duas ocasiões, a segunda vez após o assassinato de seu pai nos acontecimento de maio de 1.937, afundando-a em uma depressão. Coeditou o diário ‘Spain and the World‘ e ‘Revolt!‘ Viveu a maior parte de sua vida em seu país de adoção, Inglaterra. Escreveu prolificamente para os jornais libertários ingleses: ‘War Commentary‘ e o prestigiado ‘Freedom‘.

Viaje a través de Utopía. Marie Louise Berneri. Ilustraciones: Walter Crane. Traducción: Ana Muiña.

Colección Guardianes del sueño, 23
Contem imagens
416 páginas
Preço 23 €
ISBN: 978-84-126464-9-8

lalinternasorda.com

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Luzes piscantes
Dançam em noites escuras –
Show de vagalumes.

P. Nohamá

[Itália] De Carrara: “Coisas velhas, de outro século?” Fora Alfredo Cospito do 41-bis!

Divulgamos o panfleto “Coisas velhas, de outro século?”, centrado no encarceramento do companheiro Alfredo Cospito sob o regime do 41-bis. O texto foi distribuído em Carrara por ocasião da inauguração da exposição “Anarquistas”, com 25 obras de Flavio Costantini sobre companheiros e ações ocorridas entre o final do século XIX e o início do século XX.

COISAS VELHAS, DE OUTRO SÉCULO?

Ravachol, Émile Henry, Malatesta, Lucetti, Ferrer são anarquistas que, na história, uniram pensamento e ação, lutando em primeira pessoa pela anarquia. Flavio Costantini retratou alguns momentos dessa nossa história, e uma exposição sobre eles encontra espaço no Palazzo del Medico.

Cerca de cem anos depois, Alfredo Cospito também decidiu unir pensamento e ação. O diretor-presidente da Ansaldo Nucleare foi ferido a tiros em Gênova, em 2012. Uma mensagem contra os produtores de morte, os responsáveis pelo desastre nuclear que virá. Em seguida, uma vez preso, não deixou de lutar, de se expressar a favor da ação direta e revolucionária. Por isso, depois de quase 10 anos, foi transferido para o regime do 41-bis, com o objetivo de silenciá-lo.

Também naquele momento continuou lutando, junto a milhares de companheirxs (e não), contra esse regime de detenção e contra a prisão perpétua “ostativa”, levando adiante uma greve de fome que durou 181 dias. Dentro e fora das prisões, foi apoiado por uma maré de ações, iniciativas e manifestações. Com a luta, impedimos uma condenação à prisão perpétua e colocamos obstáculos na engrenagem da repressão estatal que diz respeito a todxs nós.

Na primavera será discutida a renovação desse regime em relação a Alfredo. Ninguém merece estar na prisão, ninguém merece a tortura do 41-bis.

Dentro e fora das fronteiras, nos convocam a massacrar e destruir os “inimigos”, como já começaram a fazer na Ucrânia, Palestina, Sudão… Prisões, regimes especiais e repressão são o horizonte que o Estado apresenta a quem quiser desertar e não respeitar a censura e as mais amplas políticas de guerra.

As ações dos anarquistas não são coisas de outros tempos. Sejam elas distantes ou próximas, parecem suspensas em um tempo próprio, iluminando também as injustiças de hoje. Desde a época da propaganda pelos fatos até hoje, “fazem parte de um contínuo histórico que não desaparecerá; apesar de nos condenarem a décadas de reclusão, e mesmo que nos matassem, sempre haverá indivíduos e grupos de indivíduos dispostos a responder à brutalidade do Estado e do capitalismo: isso é inevitável” (Francisco Solar, 2023).

Contra a guerra e a repressão, são necessárias escolhas e ações claras como razões de vida.

Carrara, 13 de dezembro de 2025
Círculo Cultural Anarquista “Gogliardo Fiaschi”

Fonte: https://ilrovescio.info/2025/12/15/da-carrara-cose-vecchie-dellaltro-secolo-fuori-alfredo-cospito-dal-41-bis/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Borboletas e
aves agitam voo:
nuvem de flores.

Bashô

Indócil, o romance rebelde de Laura Gómez Ortiz: feminismo, anarquismo e lutas sociais em Buenos Aires

Por Josep Masanés | 03/10/2025

Indócil. Laura Gómez Ortiz. Editorial Barrett

Indócil, de Laura Gómez Ortiz (Bogotá, 1986) é uma incursão na literatura social e experimental. Após sua estreia com um livro de contos e um diário no qual relata seu retorno à Colômbia depois de morar por alguns anos na Argentina, Gómez Ortiz situa seu primeiro romance na turbulenta Buenos Aires de 1907, onde a greve de inquilinos (ou “greve das vassouras”) serve como pano de fundo para uma história de resistência. A obra narra o desafio de um grupo de mulheres anarquistas que decide parar de pagar o aluguel, mas o faz a partir de uma perspectiva formal arriscada: a voz principal da história é a da casa em que os personagens vivem.

A história é estruturada por meio de pequenos monólogos e uma prosa poética e bela que flui com facilidade. A história concentra-se inicialmente em duas protagonistas, as imigrantes ucranianas Vira e Olena, inquilinas da casa. Elas encarnam um mundo feminino, triste e torturado, confrontado com o mundo masculino, representado pelo proprietário, o médico Demetrio Núñez Ortega, um homem que aparece como selvagem, ímpio e maligno. A dicotomia é brutal: a classe operária e a imigração, representadas por essas mulheres que se sentem furiosas, irritadas e perdidas, são vítimas de um sistema incapaz de aliviar seu sofrimento.

O romance é um texto hiperbólico, carregado de excessos verbais e emocionais. Os personagens, que frequentemente parecem extremistas ideológicos, se expressam por meio de frases lapidares que se acumulam sem conjunções, criando um efeito de adjetivação e substantivação muito floreada. O romance se torna uma grande fonte surrealista e barroca, um mundo estranho, poético e uterino. O elemento onírico e a atmosfera líquida e amniótica reforçam uma sensação claustrofóbica e explosiva.

O coração do romance reside em seus múltiplos narradores, destacando-se pela extensão e importância a casa rebelde e indócil. Este espaço não é apenas uma testemunha, mas um pequeno deus, poderoso, sábio e forte, a quem ninguém pode vencer. A casa não apenas narra, mas age: estoura os canos para forçar a saída dos proprietários, permitindo que fiquem no comando as empregadas domésticas, que enchem o lugar de “gente de má vida”. A casa vive as mudanças em seu interior como um ser vivo, refletindo a carga política da história: o direito à propriedade, o problema da moradia e da imigração, o feminismo e a violência policial. O romance, que começa com o anarquismo operário, conclui com um salto temporal que nos leva até a figura de Norma Beatriz Gimiel de Pla, ativista dos direitos dos aposentados nos anos 90, fechando um círculo sobre as lutas sociais na Argentina.

Indócil é uma obra ambiciosa que consegue fundir a experimentação formal com as ideias políticas. A multiplicidade de narradores constitui uma grande conquista, no entanto, seu maior triunfo é a criação de um espaço (a casa) que simboliza a capacidade de resistência do movimento operário feminino. Trata-se de um romance que gosta e busca manter o feminino como eixo, entregando um texto corajoso, vibrante e com uma tese política bem definida. Embora a hiperbolização e os excessos emocionais possam ser intensos, são necessários para refletir a raiva e a paixão de seus personagens. Uma leitura fundamental para quem busca uma literatura que, como a casa, se recusa a se submeter ao status quo.

Aqui deixo um vídeo explicativo sobre A Greve das Vassouras:

https://www.youtube.com/watch?v=-PbFDhKFlWg&embeds_referring_euri=https%3A%2F%2Ffanfan.es%2F&source_ve_path=MjM4NTE

Fonte: https://fanfan.es/indocil-laura-gomez-ortiz-novela-anarquista/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Pássaros em silêncio.
Noturna chave
tranca o dia.

Yeda Prates Bernis

Kalinov Most. Publicação Anarquista Internacional #12

Neste número poderás encontrar:

– Editorial

– A faceta socialdemocrata do domínio: O governo de Gabriel Boric

– Que anarquia do sul?

– Breves considerações sobre a reestruturação do poder e o atuar anarquista”

– A guerrilha dos sentimentos? Emoções, cárceres mentais e “saúde mental”.

Aportes externos:

– Essa guerra está perdida

– Sobre reducionismos guerrilheiros

Este e outros números podes encontrar no Chile (Editorial Memoria Negra), Argentina (Expandiendo La Revuelta), Uruguai (Ediciones Orsini), México (Konspiración Iconoclasta) e outros lugares…

www.kalinovmost.wordpress.com

kalinovmost@riseup.net

agência de notícias anarquistas-ana

Pelos fios do poder,
os pardais tecem ninhos
de desobediência.

Liberto Herrera