[Espanha] Nova edição: Durruti na Revolução Espanhola, de Abel Paz.

Buenaventura Durruti é uma das principais figuras do anarquismo espanhol, o que equivale a dizer dos últimos cento e cinquenta anos da nossa história. Porque, apesar das tentativas de subestimar, desprezar, quando não ignorar, a extensão, persistência e enraizamento das ideias anarquistas em nossa sociedade, qualquer observador que se aproxime do nosso passado mais recente não poderá deixar de notar a presença de mulheres e homens que, a partir de diferentes organizações e abordagens, defenderam as ideias libertárias.

Esta biografia não pretende mitificar o militante ácrata, nem elevá-lo ao panteão dos filhos ilustres mortos pela pátria ou pela revolução.

Mas isso não significa que devemos jogar no esquecimento personagens que, por suas qualidades pessoais ou pelas circunstâncias concretas que lhes coube viver, podem representar outros milhares de homens e mulheres anônimos e sintetizar acontecimentos que devem ser lembrados além da história oficial, daquela elaborada pelo Poder. Como instrumento de luta, como elemento de resistência à desinformação imperante, reedita-se “Durruti na Revolução Espanhola”.

DURRUTI en la Revolución Española

Abel Paz

Madrid, 2025

ISBN: 978-84-127509-9-7

773 págs (+ 5 cadernos interiores com fotografias). PVP: 28 euros

fal.cnt.es

agência de notícias anarquistas-ana

Órgãos sem Estado,
prazer sem fronteiras—o corpo
é território livre.

Liberto Herrera

[Grécia] Vídeo | “Para Alexis, por Exarchia”: Ataques simultâneos e sucessivos a todas as unidades da polícia de choque

Os vídeos foram coletados por fotojornalistas, moradores e frequentadores que estavam em diferentes pontos de Exarchia, em Atenas, nas primeiras horas da manhã de sábado, 20 de dezembro de 2025, pouco depois da meia-noite.

Segundo testemunhas, os ataques às unidades de choque da MAT e da OPKE ocorreram simultaneamente e, em alguns casos, em ondas nas ruas Tzavella e Themistokleous, Metaxa, Tsamadou, Metaxa e Messolongiou, Themistokleous e Koletti, enquanto relatos também mencionam um ataque com pedras às unidades que guardam os escritórios do PASOK (Movimento Socialista Pan-helênico – partido político grego de esquerda) na rua Charilaou Trikoupi.

Os ataques de sábado em Exarchia ocorreram após cerca de um mês de tensão por parte da polícia no bairro, após a dissolução violenta de 2 marchas, uma em 1º de novembro de 2025 na marcha em memória do anarquista Kyriakos Xymitiris e outra em 6 de dezembro de 2025 na marcha em memória do estudante anarquista Alexis Grigoropoulos.

Indicativo do motivo dos ataques é o fato de que em um vídeo-documentário dos locais dos confrontos, ouvem-se os reunidos gritando: “Para Alexis, por Exarchia”.

Observação: o carro que está pegando fogo na rua Stournari é um veículo da OPKE.

>> Veja o vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=DvW-go_rNVA

agência de notícias anarquistas-ana

No clube burguês,
o champanhe tem gosto
de suor alheio.

Liberto Herrera

[Espanha] Todo por Hacer encerra um ciclo de 15 anos de imprensa anarquista

Já se passaram mais de quinze anos desde que a primeira edição do Todo por Hacer – um monográfico sobre a greve geral de setembro de 2010 – viu a luz. Alguns meses depois (em fevereiro de 2011), decidimos embarcar na aventura de começar a publicar um novo jornal a cada mês, que, como escrevemos em nossa apresentação, era fruto da “ilusão e do esforço de várias companheiras para levar adiante um projeto autogestionado que contribuísse para dar visibilidade às nossas posições em um formato – o papel – que, longe de ter se tornado obsoleto e anacrônico, sentimos que tem suas próprias vantagens: uma certa durabilidade, a difusão ‘de mão em mão’, a presença física na rua, etc.

Naquela época, muitas anarquistas madrilenhas víamos que nossas ideias e ações não encontravam eco entre as pessoas fora do nosso círculo e que, embora fosse um momento de variada e boa contrainformação na rede, entendíamos que era necessário dar um passo a mais e nos dirigir a um público mais amplo. Por isso fundamos um jornal gratuito, no qual o dinheiro não fosse um impedimento para nos conhecermos, que fosse encontrado em nossos locais de referência (centros sociais, sindicatos, manifestações, etc), mas que também estivesse em bares, no metrô, em bibliotecas, associações de bairro… com o objetivo de alcançar o maior número possível de pessoas.

Desde então, levamos adiante 179 edições – incluindo algumas que, por causa da pandemia de 2020, não pudemos imprimir – repletas de artigos de análise e de opinião, tratando neles “de dar difusão a notícias que fossem além de uma mera manchete, que nos inspirassem e mantivessem seu vigor mesmo com o passar das semanas“. E é agora, com muita tristeza, que anunciamos que este projeto está chegando ao fim.

Um dos motivos pelos quais decidimos fechar – talvez o principal – se deve ao cansaço que carregamos. O Todo por Hacer é formado por um pequeno grupo de amigas que todos os meses brigamos com os elementos para arrancar tempo da nossa vida pessoal, familiar, laboral e de militância para encontrar tempo para escrever artigos, buscar fotos, diagramar a edição, levá-la aos nossos pontos de distribuição habituais, distribuí-los em manifestações ou outros eventos, enviá-los pelo correio às nossas assinantes e divulgar o conteúdo pelas redes sociais. Nos últimos quinze anos, nossas circunstâncias vitais mudaram em muitos sentidos – tivemos filhos, entramos em empregos novos, passamos por várias mudanças, etc – e a cada mês que passa vamos sentindo o esgotamento que isso supõe. Simplesmente, não vemos como sustentável continuar com o mesmo ritmo. E é que precisamente, embora o fato de sermos “um pequeno grupo de amigas” próximas e afins seja uma das razões pelas quais conseguimos chegar até aqui, também tem sido uma faca de dois gumes que dificultou a incorporação de novas pessoas ao projeto de forma duradoura, ficando sem uma renovação natural para o projeto.

Por outro lado, o contexto em que nasceu este projeto mudou radicalmente. No final de 2010 e início de 2011, estávamos imersas em uma grande crise econômica e se respirava inquietude nas ruas, a raiva contra o sistema político e financeiro supurava e parecia que a qualquer momento poderia ocorrer uma grande explosão social. Alguns meses depois, começaria o 15-M, ocorreriam manifestações massivas e duas greves gerais e, com isso, sentíamos que de alguma forma a classe trabalhadora poderia superar o sistema tradicional de democracia representativa parlamentar. É neste contexto que concentramos nossos esforços em nos dirigir às pessoas que não se identificavam necessariamente como anarquistas, mas que participavam dos movimentos sociais da época, para mostrar-lhes o que a organização coletiva, horizontal e assemblearia poderia conseguir à margem dos representantes públicos. Em outras palavras, nossa intenção não era fazer um jornal de anarquistas para anarquistas (o que teria estado mais centrado na teoria ou no debate interno), mas sim gerar uma ferramenta para que nossas ideias ou interpretação da atualidade pudessem ser visíveis em uma manifestação pela saúde pública, no mercado do bairro ou em nosso local de trabalho, tudo isso para contribuir para a formação de ideias antiautoritárias, críticas e transformadoras.

No entanto, três lustros depois, com exceção de alguns movimentos como o pró-palestino, o feminismo e, de vez em quando, o de moradia, em geral os movimentos sociais estão em declínio e a receptividade às nossas ideias, também. O assentamento das ideias da extrema-direita no senso comum coletivo, as apostas institucionais de experimentos fracassados como o Podemos e o Sumar que desmobilizaram o assemblearismo horizontal, a repressão aos movimentos em geral e ao anarquismo em particular e a erradicação de espaços como centros sociais ocupados, associações de bairro cedidas, bibliotecas populares, etc. reduziram consideravelmente nosso âmbito de influência.

É um fato que cada vez menos gente nos lê. Em nossa “época dourada”, a tiragem de nossas edições em papel podia chegar a 3.500 exemplares em alguns meses e os artigos de nossa página web tinham cerca de 6.000 leitores (números que, além disso, dispararam durante os meses que durou a pandemia e estávamos confinadas). No entanto, a forma de acessar notícias – ou mesmo se pode falar em consumi-las – mudou drasticamente nos últimos anos e cada vez se lê menos. Os podcasts e os vídeos nas redes estão deslocando os artigos na internet e, em maior medida, no papel. Por esta razão (unida talvez a uma deterioração na qualidade de nossos artigos e uma diminuição de nossa atividade nas redes), atualmente nossa tiragem em papel é de 1.500 unidades e nossos artigos recebem no máximo 300 visitas. Não é tanto que pensemos que o formato papel tenha ficado obsoleto (embora talvez para grande parte da geração mais jovem esteja), pelo contrário, acreditamos que ainda tem seu lugar. No entanto, o esforço requerido hoje para difundir o projeto e fazer a publicação chegar a mais gente é maior do que há alguns anos (a nível de redes sociais, por exemplo) e nossas forças e nossa rede de apoio diminuíram: estamos nos aproximando dos 40 anos e estamos cada vez mais desconectadas dos movimentos e coletivos mais jovens e de seus espaços. Além disso, as manifestações multitudinárias nas quais distribuíamos o jornal todos os meses, agora não são tão frequentes. Por tudo isso, queremos dar passo a uma nova geração que pode comunicar ideias antiautoritárias de formas diferentes, alcançando um público mais amplo, através dos formatos que considerarem oportunos.

Apesar de tudo, não queremos ser derrotistas e pensar que não tem nenhum eco tudo o que fizemos até agora. Ainda assim, hoje em dia continuam sendo muitas as pessoas e coletivos que apoiam o Todo por Hacer de muitas maneiras: escrevendo ou propondo artigos, enviando-nos resenhas, distribuindo o jornal, doando dinheiro… Depois de passar anos suando a camisa para conseguir grana fazendo shows, rifas e o que nos ocorresse, finalmente conseguimos que o projeto se autofinanciasse por meio das assinaturas, que além disso fizeram com que a distribuição de mais da metade da tiragem saísse por esta via, e que continuaram somando espaços de distribuição até o último momento, com mais de 30 espaços de todo tipo onde se pode encontrá-lo fora de Madri (centros sociais, livrarias, bibliotecas, bares, comércios, etc). Gente que continua nos escrevendo para agradecer, para rebater, para contribuir… Muita gente e muitos projetos sem os quais nunca teríamos conseguido esta constância e que continuaram ali até o último momento. Um enorme OBRIGADO não é suficiente para transmitir as forças que vocês nos deram e o que nos fizeram sentir. Quando pensamos em quem nos ajudou a levar adiante este projeto nos vem à mente uma letra do cantor Producto Interior Bruto: “Eu os vi se esforçarem por aquilo em que acreditam, e que com o passar do tempo ali permanecem. Eu os vejo dando voltas em como melhorar, pensando em certos temas que realmente lhes preocupam. […] Eu os vi criando aquilo que querem criar, ou pelo menos tentando com força e vontade. […] E sei que tenho sorte de tê-los perto; não encontro beleza naqueles que nunca se rebelam“.

O fato de estarmos dando um passo atrás não quer dizer que não estejamos orgulhosas de tudo o que fizemos ao publicar, de forma ininterrupta, 179 edições de nossa publicação, nas quais abordamos debates importantes, informamos sobre lutas sociais, colaboramos com campanhas urgentes e proporcionamos um alto-falante a assembleias de moradia, a sindicatos de base, a sindicatos de bairro, a assembleias de vizinhança, a coletivos contra a gentrificação, a organizações feministas, antirracistas, de defesa dos direitos LGTBIQ+ e das pessoas trans, antifascistas, a grupos antirrepressivos e anticarcerários, etc. Tudo isso escrevendo artigos que bebiam de influências muito diversas, com estilos e ideologias distintas e com as quais podemos ter nossas diferenças, mas com os quais encontramos espaços comuns – como o antifascismo, a solidariedade contra a repressão, o feminismo, a defesa dos direitos conquistados, etc – para trabalhar de forma coletiva e horizontal para dar respostas coletivas aos problemas mais graves de nossos ambientes (despejos, demissões, batidas racistas, repressão policial, etc).

Com o orgulho de tê-lo feito da melhor maneira que soubemos, anunciamos o iminente fim deste projeto. Não queríamos fechá-lo sem avisar previamente, uma vez que não gostamos de finais abruptos; pensamos que é preferível avisar com um mínimo de antecedência e informar sobre nosso processo interno. Publicaremos nossa última edição (que será a de número 180) no próximo mês de janeiro, quando completaremos exatamente quinze anos. Assim nos despedimos com um número redondo. Gostaríamos de ter chegado aos 200, mas isso suporia aguentar quase dois anos mais e não temos vida para isso.

Talvez este adeus não seja totalmente definitivo. Não nos vemos capazes de continuar com o ritmo da publicação mensal, mas nossa intenção é ir publicando, de vez em quando, algumas edições monográficas dedicadas a temas relevantes. E, em qualquer caso, continuaremos nos vendo nas ruas e em nossos espaços próximos.

Quando publicamos a edição número 150 do Todo por Hacer em julho de 2023, escrevemos que “para que qualquer projeto surja e sobreviva, é necessário acreditar nele e ir adiante com constância e dedicação. Também, e para evitar o pessimismo e a sensação de inutilidade ou de derrota, acreditamos que é importante sermos conscientes de que as lutas e as militâncias têm ciclos, momentos de explosão e de refluxo e que com isso devemos conviver e nos adaptar, tratando de seguir vivas nos momentos em que parece que não temos incidência para estar sempre preparadas para quando chegar nosso momento“. Como já dissemos, já não temos forças para continuar com a mesma constância e dedicação de antes, mas adoraríamos que surgisse outro projeto similar ao nosso e continuasse com este trabalho. Porque insistir e insistir, criar laços solidários com outros projetos e pessoas e traçar objetivos que sejam realizáveis no curto prazo, mas belos e motivadores no horizonte, pode ajudar a que nossos projetos sejam duradouros e que possam ser um exemplo de que uma sociedade livre e igualitária é possível.

www.todoporhacer.org

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Vejo o tempo
que passa.
Cabelos grisalhos.

Aprendiz

[EUA] Alternativas às Vidas de Miséria

por Rui Preti

Fifth Estate #417, Inverno de 2025

Uma resenha de Jobs, Jive, & Joy: An Argument for the Utopian Spirit, de Bernard Marszalek (Ztangi Press e Charles H. Kerr, 2024)

Certamente, enfrentar a catástrofe climática e o colapso da civilização exige uma revolução cultural à altura da devastação diante de nós.” – Bernard Marszalek

Os estresses ambientais, de saúde, sociais, econômicos e políticos das últimas décadas impulsionaram a formação de um número crescente de grupos de ajuda mútua voltados ao compartilhamento de recursos e solidariedade. Especialmente desde o surgimento da pandemia de Covid, muitas pessoas vêm refletindo sobre como mover suas vidas para além dos empregos humilhantes, entediantes e insalubres do mundo atual.

Não é, portanto, surpreendente que cada vez mais pessoas busquem inspiração nos sonhos de sociedades melhores e mais socialmente gratificantes que floresceram em tempos difíceis ao longo dos séculos.

Bernard Marszalek, autor de Jobs, Jive, & Joy, tem uma longa trajetória de exploração e defesa do espírito utópico na vida cotidiana. Participante da insurgência global anarquista/antiautoritária das bases nos anos 1960, ele foi um dos fundadores da Solidarity Bookshop, em Chicago, em 1964. Junto a seus camaradas, lia, compartilhava e discutia com entusiasmo publicações e ideias de anarquistas de várias partes do mundo, bem como dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW) e do movimento surrealista.

Como parte dessa exploração, Marszalek colaborou na reedição em inglês de O Direito à Preguiça, de Paul Lafargue, anteriormente publicado em 1907 pela Charles Kerr & Co. Embora Lafargue fosse genro e aliado de Marx durante os debates da Primeira Internacional, nesse livro ele divergia da visão marxiana de que o trabalho seria uma dimensão positiva da não alienação e expressão da essência humana. O Direito à Preguiça ridiculariza com orgulho a ética burguesa moderna do trabalho.

Lafargue escreveu:

Uma estranha ilusão possui as classes trabalhadoras das nações onde a civilização capitalista exerce seu domínio. Essa ilusão arrasta consigo os males individuais e sociais que, há dois séculos, torturam a triste humanidade. Essa ilusão é o amor ao trabalho: a furiosa paixão pelo trabalho, levada até a exaustão da força vital do indivíduo e de sua descendência.

Marszalek continuou essa investigação ao longo dos anos. Jobs, Jive, & Joy é um exame ricamente detalhado de parte do pensamento utópico mais significativo dos últimos três séculos. No livro, ele destaca perspectivas alternativas que rejeitam a ética do trabalho e a mercantilização dos seres humanos e de outras criaturas vivas, bem como negam a inevitabilidade das hierarquias e da exploração pelas elites.

Ele explora as diferenças de paradigma que ajudaram a criar as condições culturais e políticas prevalecentes em diferentes sociedades. Por exemplo, o tempo foi compreendido e medido de formas muito distintas em eras passadas e na modernidade. Nas sociedades pré-industriais, o tempo era geralmente entendido em termos da duração das tarefas realizadas por indivíduos ou grupos. Artesãos e camponeses medievais não calculavam horas gastas, mas pensavam em termos de resultados de qualidade adequada.

As épocas do ano não eram medidas em unidades abstratas de tempo, mas marcadas pelas estações, pelas fases da lua e pelos rituais religiosos, sinalizados por sinos, cornetas ou cantos altos.

Na sociedade moderna, o tempo é compreendido em função da exploração monetária do trabalhador e do lucro dos donos da indústria. Foram necessárias várias décadas para que os trabalhadores esquecessem o tempo pré-industrial e internalizassem, ainda que a contragosto, os horários de trabalho impostos pelos empregadores, aceitando-os como justos e vendo o “trabalhar duro” como virtude moral. Essa mudança de paradigma foi o que possibilitou o desenvolvimento da moderna ética do trabalho.

Hoje, está claro que as perspectivas utópicas são as únicas capazes de desafiar de modo abrangente as contradições da sociedade industrial, entre a necessidade do trabalho e o desejo por uma vida prazerosa e plena.

Marszalek entrelaça discussões sobre aspirações e projetos utópicos do passado com experiências de trabalho próprias, de sua mãe e de outras pessoas. Ele ressalta que, embora nenhum exemplo histórico ou contemporâneo ofereça soluções definitivas para os impasses atuais, as situações em que as pessoas têm controle sobre suas próprias atividades são as mais satisfatórias e as que mais favorecem a criatividade.

Ao mergulhar no legado de diversos utopistas, Marszalek incentiva o leitor a refletir sobre quais aspectos ainda podem ser relevantes hoje. Esses utopistas afirmavam a força da imaginação e da criatividade apaixonada das pessoas como forças transformadoras da vida cotidiana.

Por exemplo, Charles Fourier, escrevendo antes das grandes consolidações industriais e agrícolas do século XIX, compreendia que alcançar a liberdade individual e social autêntica exigiria abolir a escravidão econômica e a necessidade de trabalhar para sobreviver. Só então as pessoas poderiam contribuir para o bem comum nas formas em que fossem mais capazes.

Fourier também reconhecia que a experiência e a compreensão do trabalho são moldadas pelo contexto social. O labor útil pode ser gratificante quando quem o realiza é reconhecido e valorizado como contribuinte para o grupo, e quando o trabalho é compreendido como meio para um fim prazeroso. Para ele, as relações entre liberdade, trabalho e prazer precisavam ser entendidas como uma totalidade, firmemente entrelaçadas.

O livro de Marszalek também explora as ideias de William Morris, que enfatizava a relação entre liberdade e trabalho satisfatório. Na segunda metade do século XIX, Morris testemunhou e se opôs à centralização e mecanização da indústria, ao empobrecimento da vida pessoal e à crescente degradação ambiental gerada pela produção diária.

Morris via o capitalismo e o lucro como forças corrosivas da autoexpressão e da cooperação. Argumentava que uma sociedade verdadeiramente livre deveria basear-se na alegria, na criatividade e no respeito mútuo, compartilhando arte e cultivando o equilíbrio com a natureza.

No final do século XIX, alguns progressistas começaram a defender programas estatais de bem-estar social que garantissem as necessidades básicas em troca da aceitação de uma regimentação centralizada e eficiente. Um deles foi Edward Bellamy, autor do popular romance utópico Looking Backward, que idealizava tal sociedade. Morris respondeu com uma crítica direta, escrevendo seu próprio romance utópico, News from Nowhere.

Morris acolhia a mecanização de tarefas tediosas e cansativas, mas ficava horrorizado com a natureza destrutiva da tecnologia moderna e a brutal organização hierárquica da vida que ela engendrava. Recusava-se a aceitar a engenharia mecânica como a expressão máxima da realização humana, e muito menos como razão para abdicar da autonomia.

Hoje, alguns dos piores aspectos do autoritarismo moderno estão empurrando o mundo para o desastre e é preciso convocar os mais altos sentimentos de solidariedade e ajuda mútua para enfrentá-los.

Marszalek examina diversas propostas de solução para o impasse atual, denuncia algumas como engodos e demonstra esperança em outras. No conjunto, o livro presta um serviço valioso ao lembrar a grande variedade de perspectivas utópicas alternativas que rejeitam o autoritarismo e as relações sociais capitalistas.

Como afirma Bernard Marszalek com precisão:

O ímpeto de superar a miséria da vida cotidiana, para que as expectativas diárias de deleite possam ser vividas, é a base de toda futura atividade social transformadora.

Rui Preti é amigo de longa data do Fifth Estate e grande defensor do valor do questionamento contínuo dos paradigmas culturais.

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

Dança da mulher molhada
Ao vento o galho
Orvalho nas pétalas.

Silvia Mera

[Espanha] Entrevistas | Francisco Cuevas Noa | Autor de Anarquismo e educação. A proposta sociopolítica da pedagogia libertária

Anarquismo e educação tornou-se um pequeno clássico da literatura pedagógica de caráter ácrata. Que motivações te levaram a escrever o livro na época?


O livro foi fruto de uma pesquisa pessoal que iniciei na minha época de estudante na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Sevilha, no final da década de 1990. A busca por modelos pedagógicos alternativos me levou, junto a um grupo de colegas, a convidar professores ativistas da época, e até criamos um Seminário de Pedagogia Libertária que funcionou por uns 3 ou 4 anos. Nossa principal referência era a Escola Paideia, em Mérida, mas também Summerhill e o legado de Paulo Freire.


Ao concluir a graduação, propus-me a fazer uma tese de doutorado nesse campo; cheguei a apresentar a dissertação (que foi o texto-base do livro), mas nunca concluí a tese — embora o aprendizado e a pesquisa tenham sido enormes.


O resultado foi um texto simples e organizado (segundo me dizem), que teve sucesso em sua difusão graças ao trabalho editorial da Fundação Anselmo Lorenzo.

O livro se tornou uma porta de entrada para debates sobre modelos pedagógicos para muitas pessoas interessadas no tema. Considerando tua experiência como autor, acreditas que as editoras do meio libertário podem contribuir para ampliar esses debates além dos círculos militantes interessados na questão?


Acredito que sim, que nossas editoras podem se conectar com esse campo de debate, embora isso possa ser difícil, já que normalmente não se movem nesse ambiente. As libertárias perderam conexão com o mundo estudantil e acadêmico, e ainda mais com as profissionais da educação.


As experiências de educação libertária diminuíram muito; pouquíssimas sobrevivem, e nem mesmo as teorias anarquistas da educação inspiram educadores e educadoras.


Seria necessário repensar como recomeçar um trabalho de difusão e diálogo com os setores sensíveis a essas questões — setores que talvez hoje estejam mais atentos a propostas amplas de pedagogia antifascista, mas que quase esqueceram o discurso libertário.

Já se passou muito tempo desde a publicação, mas os debates sobre pedagogias alternativas continuam despertando interesse entre docentes e militantes da esquerda política e sindical. Achas que o debate sobre os modelos de escola ganhou mais vigor nos últimos anos?


Acredito que não, ou pelo menos não tanto em nosso contexto. A maioria dos docentes e professores mal questiona o modelo escolar; talvez o debate tenha ficado restrito à dicotomia público–privado, que ganhou força com o movimento “Marea Verde”, mas em geral não se vai além disso.


Talvez na América Latina esse debate esteja mais vivo, com o peso da chamada Educação Popular; porém, na Europa, com um sistema estatal bastante consolidado e acomodado, também se gerou uma acomodação entre os profissionais e a esquerda — que, insisto, luta pela Escola Pública, mas raramente se aprofunda em outros aspectos.


Por outro lado, observo grande interesse por questões metodológicas (aprendizagens ativas, etc.) e por áreas como a educação emocional — mas muitas vezes descontextualizadas de fatores como classe social e contexto cultural.


Será que nossos jovens dos bairros operários periféricos podem realmente praticar “coaching emocional” com base na psicologia norte-americana? Ou suas emoções — e, sobretudo, sua expressão — não teriam direito de ser diferentes e de se desenvolver com aceitação nas escolas?

Considerando as óbvias dificuldades para generalizar a prática da pedagogia libertária em uma sociedade capitalista como a atual, qual é o papel que atribuis aos sindicatos, ateneus e outros espaços de cultura libertária na construção de uma alternativa formativa de caráter contra-hegemônico?


O papel continua sendo fundamental — ainda mais diante da emergência social —, pois a dissolução dos espaços comunitários se acelerou muito. É vital que nossos “redutos” de luta continuem tendo projetos educativos que proponham nos “deseducar” de tantas coisas que deturparam nossa essência livre e comunalista.


Se na escola convencional não aprendemos outras coisas e de outras formas — e se nela tampouco se trabalha minimamente a capacidade crítica —, só nos restam os momentos de convivência e luta no sindicato, no ateneu, no centro social etc.


São espaços nos quais ainda podemos contar com garantias mínimas de autonomia, independência e autogestão — e isso é vital para desenvolver projetos de educação anarquista.

Sabemos que os debates pedagógicos raramente penetram entre as famílias das classes populares. Que maneiras te ocorrem para suscitar esses debates entre as famílias da classe trabalhadora?


Uff, aí o trabalho é árduo. Submersas no esforço pela sobrevivência, poucas famílias têm serenidade para refletir sobre que tipo de educação querem para seus filhos e filhas.


Penso que, voltando à questão anterior, os sindicatos e centros culturais poderiam criar espaços de encontro e debate onde se possa conversar com calma sobre o modelo educativo de que precisamos.


Porque evidentemente não basta estender a escolarização às classes populares — precisamos de uma educação útil (funcional à classe trabalhadora), que nos permita alcançar autonomia e caminhar para uma maior justiça social.


Nesse sentido, o debate sobre a Escola Pública é positivo, mas devemos ir além: discutir também a qualidade (os “bons” estudos continuam sendo acessíveis apenas aos ricos) e as possibilidades de autogestão nos contextos escolares.

Tu és docente e, nos últimos anos, tens visto como as administrações vêm deteriorando a escola pública de forma gradual. Sabemos que é uma pergunta ampla, mas gostaríamos de saber tua opinião sobre o papel que a escola pública deve desempenhar em sociedades ameaçadas pelas consequências da mudança climática.


Se considerarmos a escola pública tal como o Poder atual a concebe, ela já cumpre sua função. Trata-se, na verdade, de uma escola estatal, que “acolhe” as crianças e as prepara lentamente para posições subalternas no mundo produtivo (para as posições hegemônicas já existem a escola particular e a conveniada). E faz isso com cada vez menos investimento e mais desânimo.
Agora, se a considerarmos a partir de nosso ponto de vista, a escola pública deveria centrar-se numa ação educativa que sensibilize para outro tipo de relação socioeconômica, distante do extrativismo capitalista — em geral, uma educação “verde”.


Os anos de escolarização são decisivos para que nossas crianças desenvolvam essa sensibilidade ecológica e de reconexão com os ciclos da Terra.

Por fim, podes recomendar três livros que consideres imprescindíveis para se aproximar dos debates sobre pedagogias alternativas?


Para começar, não podemos esquecer um clássico: Tina Tomassi, Breviario del pensamiento educativo libertario (Nossa y Jara editores, 1988), que esclarece as ideias e situa muito bem o contexto histórico da elaboração gradual das propostas educativas anarquistas, fortemente vinculadas ao pensamento dos teóricos do anarquismo do fim do século XIX.


Outro clássico é Jesús Palacios, La cuestión escolar (Laia, 1989), uma obra muito completa sobre as transformações educacionais ao longo da história, recorrendo aos seus textos fundamentais de referência. Tanto este livro quanto o anterior podem parecer um pouco “antigos”, mas nos oferecem uma visão trans-histórica essencial para entender que o que temos hoje é fruto de grandes esforços coletivos e de contribuições maravilhosas que foram aceitas e generalizadas.


E, por último, algo mais atual: Enrique Javier Díez Gutiérrez, Pedagogía antifascista (Octaedro, 2024), que, embora se situe em parâmetros marxistas, oferece diretrizes imprescindíveis para resistir, desde a escola, à generalização da agenda reacionária.

Anarquismo e educação. A proposta sociopolítica da pedagogia libertária foi escrito por Francisco Cuevas Noa e reeditado pela Fundação Anselmo Lorenzo em 2024.

Fonte: https://fal.cnt.es/entrevista-a-jose-cuevas-noa-autor-de-anarquismo-y-educacion/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

velho haicai
séculos depois
o mesmo frescor

Alexandre Brito

[Reino Unido] Revisão de livro: Memórias da prisão de uma mulher japonesa

Anarquista com princípios, Fumiko Kaneko encarou a morte com bravura e é um modelo de desafio inabalável diante de adversidades esmagadoras

Jay Arachnid ~

Fumiko Kaneko não é uma figura bem conhecida na história japonesa, principalmente pela sua adesão ao anarquismo; Ela também não é uma figura bem conhecida na história anarquista, principalmente pela adesão à tendência mais niilista. Memórias da prisão é a autobiografia incompleta, solicitada pelo juiz presidente no seu julgamento por traição; ele queria saber o que levou à sua rejeição total, não apenas do processo judicial, mas de todo o Sistema do Imperador.

O resultado é um livro de memórias dos seus anos de formação, começando como não pessoa na burocracia do Período Meiji; os pais não eram casados na época em que nasceu, e só foi oficialmente registrada como filha da sua tia (então morando na Coréia recentemente ocupada) aos 9 anos de idade. O abuso físico e emocional por parte da tia e dos avós foi acompanhado por uma penúria forçada que poderia ser descrita como dickensiana. A opressão que sentiu quando criança foi reforçada dentro e fora da casa pelos maus-tratos da família aos coreanos que encontraram, bem como pelos maus-tratos dos ocupantes japoneses aos coreanos em geral.

Digo que a autobiografia está incompleta porque é apenas nas trinta páginas finais que a parte emocionante começa, quando, após breve período como devota do Exército de Salvação, ela se envolve com anarquistas coreanos em Tóquio. As mais de duzentas páginas anteriores são uma narrativa fascinante das diferenças de classe, da pobreza e da pretensão da classe média, o sistema rigidamente hierárquico do imperador e como tudo se entrelaça para esmagar os anseios e desejos de uma criança e uma jovem claramente inteligentes. Ela escreve: “Porém, enquanto levava essa vida sem objetivo e apática, nunca abandonei os meus verdadeiros objetivos e esperanças. Quais eram? Ler todos os tipos de livros, adquirir todos os tipos de conhecimento e viver a vida ao máximo”.

Entretanto, não esmagaram Fumiko, eles só a machucaram. As suas experiências de pobreza e opressão hierárquica (como criança do sexo feminino, como bastarda, como companheira de coreanos) claramente a prepararam para uma atração pelas ideias anarquistas. Ela diz: “O socialismo não tinha nada de particularmente novo para me ensinar; no entanto, me forneceu a teoria para verificar o que eu já sabia emocionalmente desde o meu próprio passado… o sentimento, quase como por um camarada, em relação ao pobre cachorro que meus avós mantinham; e a simpatia ilimitada que senti por todos os coreanos oprimidos, maltratados e explorados sobre os quais não escrevi aqui, mas que vi na casa da minha avó – todos eram expressões disso. A ideologia socialista só me deu a chama que acendeu esse antagonismo e essa simpatia, há muito latente no meu coração. Uma história clássica de amadurecimento anarquista, semelhante a tantas outras (cf., Paul Goodman, Emma Goldman e outros).

Quando encontrou o seu lugar entre outras pessoas com ideias semelhantes, ela foi capaz de ler tudo o que pôde pôr as mãos. Ela menciona as influências de Bergson e Hegel, mas os livros que tiveram maior influência sobre ela “foram os dos niilistas. Foi nessa época que aprendi sobre pessoas como Stirner, Artsybashev e Nietzsche.” Uma verdadeira galeria de ladinos! É de admirar que ela diga mais tarde: “O que é revolução, então, senão a substituição de um poder por outro?”

As memórias terminam com o início de seu relacionamento com o anarquista-niilista coreano Pak Yeol, com quem foi levada a julgamento. Infelizmente, para os leitores interessados nas especificidades das inclinações políticas de Fumiko, ou no movimento anarquista japonês da década de 1920 em geral, não há nada nas memórias sobre o julgamento, o absurdo das acusações ou os pogroms anticoreanos que ocorreram após o Grande Terremoto de Kanto de 1923. Fumiko e Pak foram presos junto com centenas de outros radicais coreanos e japoneses após o poderoso tremor.

Naturalmente, foram considerados culpados de traição e condenados à morte. A chamada misericórdia do imperador levou à sua sentença ser comutada para prisão perpétua. Seu desafio durante o processo judicial – bem recriado no filme Anarquista da Colônia – lembra outros anarquistas famosos que desafiaram juízes, como Louise Michel (“Eu terminei; se você não é covarde, mate-me.”) e Louis Lingg (“Desprezo a sua autoridade apoiada pela força. Enforque-me por isso!). Essa rejeição e desprezo continuaram quando ela recebeu a carta de comutação: ela a rasgou em pedaços na frente de seus carcereiros.

Fumiko Kaneko foi encontrada morta na cela em 1926. Ela havia escrito um manuscrito de quase 700 páginas, mas não deixou nenhuma nota de suicídio. E não houve autópsia. A introdução da tradução para o inglês, escrita por Mikiso Hane, afirma categoricamente que ela se enforcou em uma corda que fez na oficina da prisão, mas isso parece um conto conveniente contado por um historiador nomeado para o Conselho Nacional de Humanidades pelo primeiro presidente Bush. Independentemente da verdade, permanece o fato de que Fumiko Kaneko foi um exemplo de anarquista de princípios que enfrentou a morte com bravura e profundo desprezo pelo Estado e todas as suas instituições. A sua história, tanto as Memórias da Prisão quanto o contexto mais amplo do anarquismo asiático do início do século 20, merece ser mais amplamente conhecida entre os anarquistas contemporâneos. Não como nota de rodapé de derrota, mas como modelo de desafio inabalável diante de adversidades esmagadoras.

Prison Memoirs of a Japanese Woman, by Fumiko Kaneko. Detritus Books, 2025

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/11/05/book-review-prison-memoirs-of-a-japanese-woman/

Tradução > CF Puig

agência de notícias anarquistas-ana

Sobre o telhado
um gato se perfila:
lua cheia!

Maria Santamarina

[Espanha] Lançamento: “Anarquismos y archivos. Experiencias de investigación y reflexiones en torno al oficio de la Historia en América Latina y España”

Anarquismos e arquivos. Experiências de investigação e reflexões em torno do ofício da História na América Latina e Espanha

Os arquivos são fundamentais para o desenvolvimento de qualquer trabalho histórico. No caso do estudo do anarquismo, sua vinculação resulta estreita por dois motivos fundamentais. Por um lado, a riqueza de sua produção cultural (jornais, revistas, livros, etc.), parte constitutiva do amplo projeto político-rupturista e de transformação radical da sociedade que sustentou historicamente. Por outro, a importância atual que tem os arquivos na preservação da memória histórica do anarquismo e em seu estudo, os quais, em muitos casos, foram constituindo-se deliberadamente por seus próprios militantes…

2025 – 274 p. 21×14 cm

11/2025

979-13-991244-0-8

18,00 €

calumnia.sumupstore.com

agência de notícias anarquistas-ana

chuva lá fora –
os pássaros, molhados,
oram embora

Carlos Seabra

Métodos de repressão na Bielorrússia: Perseguição de pais de presos anarquistas

Na Bielorrússia, não só é criminalizado expressar qualquer forma de dissidência. Demonstrar solidariedade com presos políticos também pode ser punido, mesmo quando a ajuda vem de seus pais.

Nos três exemplos seguintes, você poderá ver como essa repressão acontece no caso de pessoas anarquistas.

Prendendo parentes para pressionar ativistas em exílio

No dia 26 de novembro de 2021, a polícia, armada, invadiu a casa de Gayane Akhtiyan, a mãe do exilado anarquista Roman Halilov. A mulher foi filmada, de joelhos, e supostamente admitindo sua participação em protestos. O vídeo foi circulado por policiais num canal do Telegram chamado Anarquistas da Bielorrússia com a legenda “Pais responsabilizados por suas crianças”, com a evidente intenção de pressionar Roman Halilov.

Gayane foi colocada em detenção e mais tarde condenada a restrição de liberdade em um centro de detenção semi-aberto. Ela eventualmente deixou a Bielorrússia.

Condenando parentes por apoiar seus filhos presos

Tatiana Frantskevich é a mãe de Aleksandr Frantskevich, que foi condenado a 18 anos de prisão como líder de uma “organização criminosa anarquista internacional”. Em 19 de julho de 2024, ela e sua irmã foram detidas e depois condenadas a 3 anos e 3 meses de prisão por “apoiar atividade extremista”.

Atualmente, ninguém pode apoiar Aleksandr, já que apenas parentes próximos têm permissão para enviar pacotes de ajuda, fazer visitas e trocar correspondência com prisioneiros na Bielorrússia.

Colocando parentes numa lista internacional de procurados

Em outubro de 2025, a lista de pessoas procuradas mantida pela Federação Russa foi atualizada para incluir Anastasia Yemelyanova, a mãe de Nikita Yemelyanov, anarquista que está na prisão desde 2019 e cuja condenação original foi prolongada duas vezes.

A mãe de Nikita agora também vive exilada.

Esses casos não são isolados, e esse tipo de pressão não é aplicado apenas a anarquistas. Cinco anos depois do levante de 2020, a Bielorrússia ainda mantém milhares de pessoas na prisão e condena centenas todos os meses.

Apoie anarquistas bielorrussos presos doando para ABC-Belarus https://abc-belarus.org/donate

Fonte: https://abc-belarus.org/en/2025/12/12/repression-methods-in-belarus-persecution-of-anarchist-prisoners-parents/

Tradução > Caio Forne

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agência de notícias anarquistas-ana

Quebre o cristal fino.
O estrondo é a sinfonia
da nova ética.

Liberto Herrera

[Itália] Anarquismo do século XXI

Síntese da exposição apresentada no Congresso de Carrara (11–12 de outubro de 2025), no 80º aniversário da FAI

Não sendo dotado de visões proféticas, será difícil hipotetizar quais formas o anarquismo assumirá no século XXI, pois isso depende do contexto geográfico, cultural, político, social e temporal. Sem dúvida, as lutas pela ampliação dos espaços de liberdade, de igualdade nas diferenças e de solidariedade — individual e coletiva — (inclusive e sobretudo entre estranhos) constituirão sempre os eixos em torno dos quais girarão as formas especificamente adequadas e as modalidades de conflito conforme os contextos do anarquismo, ou melhor, dos anarquismos.

Deterei-me, de forma sintética, em três cenários globais, de modo algum alternativos entre si, mas sim interseccionados, embora não hierarquicamente derivados, no interior dos quais anarquistas do século XXI se esforçarão para identificar as melhores formas de ação. É evidente que há um quarto cenário, ligado às questões de gênero, mas outros contributos nos apresentarão fisionomias gerais e específicas e objetivos contextuais de luta. Evidentemente, tais cenários não excluem nem reduzem os âmbitos de luta mais comuns, mais cotidianos, talvez mais locais, cuja importância é crucial para o nosso enraizamento nos territórios em que vivemos. Contudo, a meu ver, serão os cenários globais a “sobredeterminar” também os conflitos locais ou tradicionais, alterando-lhes formas e modalidades e imprimindo torções que considero nada irrelevantes.

O primeiro é a mudança climática, que altera as condições de habitabilidade do planeta, colocando em risco a sobrevivência ecossistêmica, com riscos de deflagração de conflitos demográficos, deslocamentos migratórios e apropriação violenta de recursos (terra fértil, água etc.). O nomadismo típico (e até originário) da espécie humana não poderá ser detido por fronteiras estatais ou limites “naturais”; tal será a pressão migratória em busca de melhores condições de vida. Se não se inverter o ritmo de exploração dos recursos úteis à humanidade (terra e água, em primeiro lugar), eclodirão cada vez mais conflitos cruéis, considerando que metade da população mundial está em idade ativa e um quarto dela em contextos rurais onde se concentra 80% da pobreza mundial. Sem contar o trabalho informal, obscuro e invisível, que escapa às estatísticas da OIT ou do Banco Mundial. Nessas condições — que seria indigno definir como “emergenciais”, tamanha é sua natureza endêmica e reiterada pelas dinâmicas de poder e de desigualdade em escala mundial —, a abordagem dos problemas só pode se vincular à auto-organização de base, para mitigar os efeitos destrutivos das atuais políticas climáticas levadas adiante por elites estatais e empresariais sem qualquer escrúpulo. É dessa prática solidária e auto-organizada que se forja um ethos anarquista: uma academia de criatividade na solução horizontal de problemas que, pouco a pouco, se estenderá até a completa reorganização da vida associada segundo práticas e atitudes libertárias. Portanto, é tempo de a habitabilidade do e no nosso planeta entrar com determinação na agenda política do anarquismo social, já que não podemos de modo algum contar com a inclusão no seleto grupo dos supereleitos que migrarão para a Lua ou para Marte ao seguimento de Elon Musk & cia.

O segundo cenário global é o recurso à guerra como disputa pela hegemonia planetária no século XXI, com os riscos de aniquilação nuclear e de extermínio em massa. Já no final do século passado, muitos estudiosos americanos se perguntavam qual seria a potência hegemônica na segunda metade do século XXI, vislumbrando na China e nos países seus aliados (Rússia incluída) o concorrente mais credenciado contra o qual tecer políticas de contenção e de contrabalanço agressivo. Não é difícil imaginar o mesmo na China, apenas que análises e estudos não são facilmente acessíveis nem, ademais, legíveis. De resto, na história nunca houve sucessões de hegemonia global de maneira tranquila e pacífica; muito pelo contrário. Não por acaso, portanto, e não de hoje, assistimos a uma crescente militarização das sociedades que já tem como efeito direto a desagregação de “direitos”, duramente conquistados em seu tempo, ainda que sem perder a ficção da representação (pseudo)democrática, com a redução dos Estados de direito a autocracias eleitorais-parlamentares. Liberdade de ação, de palavra, de expressão, de estilizar a própria vida como melhor se crê, de adotar usos e costumes não conformistas — todas são práticas arrancadas com esforço pelas gerações anteriores e, em alguns casos, pelas gerações atuais. Que estejam constitucionalizadas ou traduzidas em normas jurídicas pouco importa: o direito positivo concede e retira conforme maiorias parlamentares mais ou menos reforçadas. É a rua que fará a diferença.

Por militarização, não devemos nem podemos evocar apenas a presença visível dos signos do poder armado (exército, forças policiais, armamentos, indústrias bélicas etc.). Devemos nos preocupar com a interiorização de uma cultura belicista e belicosa, que arma as consciências desde a mais tenra idade, pressionando-as com modelos violentos de resolução dos problemas cotidianos e de superação dos obstáculos com os quais a vida nos faz deparar a cada passo. Modelos culturais em que a violência é exaltada porque simulada — game over, e recomeça —, a vida como um videogame em que se mata e se morre, mas depois se ressuscita em um combate ilimitado e infinito. Não por acaso, o videogame de entretenimento alimenta e é alimentado, por sua vez, por simulações militares, por armamentos autônomos e automáticos que transformam a guerra em suas formas, anestesiando suas feridas e traumas corporais para transferi-los a uma esfera psíquica. Isso, ao menos, para quem ataca a partir de uma posição de supremacia tecnológica, não para quem sofre seus efeitos, como sabe toda vítima de guerra.

Não devemos subestimar nem minimizar a militarização híbrida que, do ciberespaço, se infiltra até nossos bolsos por meio dos dispositivos digitais. Por meio destes passa não apenas a vigilância capitalista com fins de marketing comercial, mas também e sobretudo o controle exercido por governos e empresas privadas que hoje dispõem de uma infinidade de conhecimentos ligados aos nossos gostos, às nossas ações, às nossas experiências físicas e virtuais, transformadas em dados numéricos facilmente processáveis por algoritmos até chegar a uma perfilização singular de massa — que não soe contraditório — útil para prever e até orientar nossos comportamentos futuros.

O que nos leva ao terceiro cenário global: o advento das tecnologias digitais e, em particular, da IA, que literalmente revoluciona a forma de vida de nossas sociedades, não apenas nos âmbitos do trabalho vivo, substituível por robôs e diversas máquinas, nem apenas nas modalidades de canalização das opiniões “políticas” nas ocasiões de compromissos eleitorais. O desdobramento entre a esfera corporal, “real”, e a dimensão “virtual”, cujos efeitos são igualmente reais, entrelaça-se delineando a formação de uma subjetividade bem diferente daquela à qual estávamos habituados no terreno material das classes sociais e do equilíbrio de forças entre poderes. Em uma era de individualismo extremado, promovido e favorecido pelas políticas neoliberais das últimas décadas, a esfera coletiva fragmentou-se para “ressuscitar” na relação eu–tela do meu dispositivo digital; a sociabilidade física, em certos aspectos, evaporou em favor de uma “sociabilidade” virtual, gerida por plataformas proprietárias, no interior das quais se realiza uma ficção de comunicação e de diálogo com tantos outros eus, cada um conectado à sua própria tela. Ficção de possuir seguidores, de ter um monte de amigos: na realidade, estamos imersos, sem saber, em uma bolha, dentro da qual ressoam minhas opiniões, que se tornam convicções assim que as vejo confirmadas por outros que pensam exatamente como eu. Fim do pluralismo de ideias, excluídas das câmaras de eco; fim da emergência do dissenso; fim do confronto dialético entre diferentes. E quando essas expulsões virtuais retornam à vida no espaço-tempo da existência corporal, a falta de hábito de se relacionar com outros diferentes transforma-se em violência gratuita, sem sentido, inesperada, senão como forma “defensiva” de uma psicologia amputada de sociabilidade real, justamente por estar impregnada de sucedâneos “sociais”.

O individualismo neoliberal, deslocado ainda por cima para o universo digital, produz indivíduos conformes, réplicas diversificadas de uma matriz maquínica da qual provavelmente nos tornamos próteses que testam experimentalmente seus limites e seus avanços tecnológicos. Pensamos que somos nós que utilizamos os aparelhos, mas talvez seja exatamente o contrário. Fora de qualquer comunidade de referência, desnorteados e lançados de uma plataforma a outra, que tipo de subjetividade acabará por se consolidar? Que comunalidade poderá dar origem ao comunismo de bens e serviços? Que sujeito crítico e dissidente poderá emergir na relação, cada vez mais premente, entre o humano e o maquínico?

Os novos modos pelos quais nos sentimos sujeitos de nós mesmos, conscientes e críticos da realidade, nos levam a aprofundar e diversificar os instrumentos de análise, para captar novas oportunidades de vínculos “sociais” a partir dos quais seja possível reconstituir uma forte comunidade destituinte, capaz de imaginar e, portanto, experimentar utopias coletivas organizadas em torno do eixo da ausência de poder.

Salvo Vaccaro

Fonte: https://umanitanova.org/anarchismo-del-xxi-secolo/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

estrela cadente
um risco roxo no céu
e logo se esvai

Nenpuku Sato

[Espanha] O anarquista Ghezzi contra Stalin

Há pessoas cujas vidas carecem de aspectos superficialmente esplêndidos ou aventuras emocionantes, mas que nos comovem por sua integridade, por sua capacidade de manter a dignidade mesmo nas piores circunstâncias. Tal é a vida de Francesco Ghezzi, um operário anarquista milanês que morreu no gulag de Stalin em 1942. Esta é sua história, contada por um jovem anarquista russo.

Uma das últimas descrições de Francesco Ghezzi encontra-se nas Memórias de um revolucionário de Victor Serge. Ao falar de sua partida da União Soviética em 1936, após uma campanha internacional por sua liberação, Serge escreve: «Magro e altivo, Francesco Ghezzi, operário de uma fábrica de Moscou e o único “sindicalista” que ainda se encontrava em liberdade na Rússia, nos recebeu no trem». «Magro e altivo», aparece em uma fotografia policial de 1937, anexada ao processo que lhe foi aberto pela GPU, a polícia política de Stalin. Um perfil orgulhoso e digno, o olhar intenso de um homem indomável apesar de suas repetidas prisões, inclusive na URSS. Na atmosfera marcada pelo terror stalinista, tanto dentro quanto fora da prisão, ele conseguiu manter uma liberdade interior surpreendente dadas as circunstâncias e a opinião pública vigente. Essa liberdade se expressou em ações simples, mas honestas e coerentes, como poucos se atreviam a fazer naquela época. Simplesmente, ele se recusou a se submeter às normas do regime.

Ghezzi foi um membro ativo do movimento anarquista internacional entre 1910 e 1930. Durante seu encarceramento, foram lançadas duas campanhas internacionais por sua libertação, primeiro na Alemanha e depois na URSS. No entanto, os detalhes de seus últimos anos só se tornaram públicos recentemente, após a publicação de documentos relacionados ao seu julgamento entre 1937 e 1939. Os últimos biógrafos desse anarquista foram investigadores stalinistas.

Os documentos dos julgamentos políticos na Rússia soviética não constituem uma fonte biográfica confiável. As confissões eram obtidas mediante tortura, e os detidos confessavam os crimes mais atrozes contra o regime. Além disso, aqueles que caíam nas mãos da polícia política frequentemente eram submetidos a condições desumanas. Portanto, a honestidade de Ghezzi e sua fidelidade a seus princípios são admiráveis.

Anarquista desde 1909

Ghezzi nasceu em Milão em 4 de outubro de 1893, no seio de uma família operária. Começou a trabalhar com apenas sete anos. Aos quinze, uniu-se ao movimento revolucionário e aos dezesseis tornou-se anarquista. Em 1939, respondendo à pergunta de um investigador sobre suas opiniões políticas, declarou considerar-se «um anarquista convicto com ideias plenamente formadas desde 1909»; de fato, no questionário oficial marcou como «não membro do partido».

investigador relata com certo detalhe a história da participação de Ghezzi no movimento anarquista: «Organizamos greves operárias em Milão com reivindicações econômicas. Mas quando a polícia começou a atirar contra os manifestantes, as reivindicações econômicas se transformaram em reivindicações políticas. As greves que organizamos nem sempre tiveram sucesso; cada derrota era seguida de prisões em massa. Para escapar da repressão, em 1914 emigrei para Paris, França, e em 1915 voltei a Milão, quando ocorreu um retorno massivo de refugiados políticos à Itália. A organização anarquista de Milão naquele momento havia adotado uma plataforma antimilitarista, e junto com outros anarquistas milaneses, lutei por uma mobilização massiva contra a guerra imperialista. Em 1916, para escapar da perseguição policial, emigrei novamente, desta vez para a Suíça, onde participei da preparação de uma insurreição em Zurique. Em 1918 fui preso pela polícia suíça; durante oito meses fui investigado e finalmente acusado de participar da preparação da insurreição, junto com a facção comunista do Partido Social-Democrata. Após a campanha, fui solto, mas no dia seguinte me prenderam de novo e me expulsaram da Suíça por me opor a uma manifestação patriótica. Em 1919 deixei a Suíça e fui para Paris, e em 1920, após uma anistia geral, voltei a Milão».

Em 1920, em Milão, os anarcossindicalistas da USI, junto com a facção maximalista do Partido Socialista Italiano, organizaram uma greve geral. Os grevistas pretendiam impedir a entrada de fura-greves nas fábricas. Para isso, organizaram uma milícia operária que, simultaneamente, realizou sabotagens nas ferrovias e dentro das fábricas. Ghezzi foi um dos organizadores.

Em 23 de março de 1921, o ataque ao Teatro Diana de Milão, perpetrado por anarquistas, causou numerosas vítimas. Como era de se esperar, todos os anarquistas foram alvo de intensa repressão. Acusado de participar do ataque, Ghezzi foi forçado a passar à clandestinidade e não pôde permanecer em Milão. Assim, em junho de 1921, a USI o enviou a Moscou como delegado ao Congresso dos Sindicatos Vermelhos (Profintern), criado por iniciativa de Lenin para angariar o apoio de militantes revolucionários de diversos países, inclusive os anarcossindicalistas.

Primeira visita a Moscou

No congresso da Profintern, Ghezzi fez parte da ala anarcossindicalista. Esta ala apresentou diversas reivindicações, como a preservação da autonomia dos sindicatos operários frente aos partidos políticos e a ideia de uma federação operária livre como alternativa ao conceito de «ditadura do proletariado». Também exigiu a libertação dos anarquistas presos na Rússia e seu livre acesso à ação.

A tentativa de manter a autonomia sindical frente aos partidos políticos não contou com o apoio do congresso. De fato, a Profintern foi criada pelo Kremlin precisamente com o propósito de dominar o movimento operário internacional. No entanto, entre 1921 e 1922, muitos sindicalistas revolucionários se deixaram seduzir pela «vitoriosa Revolução Russa» e se uniram ao Partido Bolchevique. Grande parte da esquerda ficou fascinada pelo bolchevismo e se recusou a admitir, ou a denunciar publicamente (como Victor Serge), os erros e crimes do regime soviético: a repressão da dissidência operária e camponesa, a proibição de toda atividade legal para anarquistas e socialistas, a repressão e a censura.

O dramático protesto de Emma Goldman e Alexander Berkman no congresso da Profintern, que se acorrentaram na sala de reuniões, junto com a pressão exercida sobre a direção bolchevique pelos sindicalistas revolucionários, contribuiu para a libertação de vários anarquistas e anarcossindicalistas russos presos (que haviam realizado uma greve de fome durante sua prisão). A alguns deles foi permitido sair do país.

Neste ponto, sindicalistas não bolcheviques se reuniram em Berlim em dezembro de 1922, dando origem à Associação Internacional dos Trabalhadores, a Internacional Anarcossindicalista.

Após passar aproximadamente três meses em Moscou, Ghezzi viajou para o congresso de Berlim, onde falou em nome da União Sindical Italiana (USI). Entrou ilegalmente na Alemanha e foi preso pela polícia alemã pouco depois do congresso. As autoridades alemãs pretendiam entregá-lo ao Estado italiano para que fosse julgado por sua participação nas milícias operárias. Como testemunhou posteriormente Olga Gaake, sua segunda esposa, ele já havia sido julgado à revelia na Itália e condenado à morte pelo governo fascista. Enquanto esteve detido na Alemanha, a imprensa de esquerda iniciou uma campanha por sua libertação. O advogado de Ghezzi, Michael Frenckel, conseguiu obter um documento que certificava a cidadania soviética de seu cliente; assim, após nove meses de prisão, ele foi libertado: o Ministério das Relações Exteriores soviético lhe emitiu um passaporte em seu nome e Ghezzi pôde retornar a Moscou como cidadão soviético.

Retorno à URSS

Na União Soviética, Ghezzi viveu e trabalhou durante vários anos (1923-1926) em uma pequena comuna agrícola de Yalta (na Crimeia, às margens do Mar Negro), junto com outros anarquistas estrangeiros que haviam emigrado para a Rússia. Entre eles estavam os italianos Otello Gaggi (preso em 1935), Tito Scarselli (falecido antes de 1937), Oscar Scarselli, Nazareno Scarioli e o anarquista francês Robert Ginof.

Ghezzi restabeleceu o contato com anarquistas estrangeiros, assim como com sua família na Itália e com sua primeira esposa, Frieda Bolliger, na Suíça. Mais tarde, a polícia política de Stalin (a GPU) o acusou não apenas de «correspondência antissoviética com elementos anarquistas», mas também de uma visita particular à comuna da filha de Leon Trotsky, embora Ghezzi insistisse que se tratava de «uma visita particular, sem relação com o trotskismo».

Investigador: Nos informaram que durante sua estadia na comuna você trocou correspondência antissoviética com anarquistas estrangeiros. Confirma?

Ghezzi: Claro que sim. Ao retornar à Rússia, não abandonei minhas ideias anarquistas. Declaro que fui e continuo sendo anarquista. Enquanto estive em Yalta, escrevi muitas cartas a meus camaradas no exterior, condenando a política do Partido Comunista em relação à NEP [Nova Política Econômica]. Escrevi a eles que na Rússia eram permitidos o comércio privado e a exploração, e que os anarquistas eram perseguidos. Em uma dessas cartas, escrevi que os bolcheviques haviam preso o anarquista Nikolai Lazarevich, e por esse motivo enviei um protesto à GPU.

Em 1926, Ghezzi se mudou para Moscou e foi contratado como operário na fábrica estatal de «aplicações experimentais». Colaborou com os grupos anarquistas moscovitas, que naquela época operavam de forma semiclandestina (desde meados da década de 1920, os bolcheviques haviam reprimido as principais organizações anarquistas da Rússia e os anarquistas eram presos repetidamente). Apesar de tudo, Ghezzi tentou manter o contato entre os anarquistas russos e os do exterior. Entre seus correspondentes estavam Diego Abad de Santillán na Espanha, Errico Arrigoni e Osvaldo Meraviglia nos Estados Unidos, Luigi Fabbri no Uruguai e anarquistas russos exilados (Mark Mračnyj, Efim Yarchuk e Piotr Arshinov). Ghezzi conseguiu enviar ao exterior um panfleto escrito pelo filósofo anarquista russo Alexei Borovoi por ocasião do décimo aniversário de Outubro. O livro foi publicado no exterior e depois introduzido clandestinamente na Rússia (em 1926 o partido no poder havia proibido todas as atividades da editora anarquista Golos Truda, fundada em 1919 por anarcossindicalistas).

A única oportunidade legal para a atividade anarquista em Moscou era o Museu Kropotkin, dirigido pelos anarquistas que ainda restavam (entre eles Borovoi e Ghezzi). Em 1928, o conflito entre os anarquistas «ideológicos» e os «anarcomísticos» liderados por Alexei Solonovich causou grande rebuliço. Estes últimos, de acordo com a viúva de Kropotkin, Sofia Ananieva-Rabinovich, queriam «despolitizar» o Museu para evitar a repressão bolchevique. Na primavera de 1928, o grupo anarquista foi forçado a abandonar o Museu e formou um grupo à parte que continuou sua atividade libertária.

O novo grupo entrou em contato com Piotr Archinov, que na época publicava em Paris a revista «Delo Truda». Archinov enviou a Moscou sua famosa Plataforma Organizativa que foi debatida no seio do grupo, junto com as críticas de Malatesta. Ghezzi estava entre os opositores. Posteriormente declarou aos investigadores que «não concordava com as propostas disciplinares nem com outras teses contidas na Plataforma».

Bem-vindo ao gulag

Entre maio e junho de 1929, os anarquistas «ideológicos» do Museu Kropotkin foram os primeiros a serem presos, seguidos (em 1930) pelos «anarcomísticos». Ghezzi figurava entre um grupo de doze anarquistas presos e acusados de ser «anarquistas não desarmados que participavam de atividades contrarrevolucionárias contra as políticas do VKPB (Partido Pan-Comunista Bolchevique Russo) e o poder soviético». Em 31 de maio de 1929, Ghezzi foi condenado a três anos de trabalhos forçados e enviado a «isolamento político» em Suzdal, a 250 quilômetros a nordeste de Moscou, onde já residiam centenas de militantes anarquistas e socialistas.

Anarquistas no exterior e várias figuras públicas organizaram uma campanha pela libertação de Ghezzi. O escritor francês Romain Rolland — particularmente ativo na defesa da libertação de socialistas e anarquistas presos na Rússia (Victor Serge foi libertado e pôde sair da Rússia em grande parte graças à sua pressão) — enviou uma carta, junto com outros dezesseis signatários, ao escritor soviético e amigo de Stalin, Máximo Gorki, pedindo-lhe que intercedesse pela libertação de Ghezzi. «Este jovem italiano», escreve Rolland, «é respeitado por todos que o conhecem; desde sua juventude lutou pela libertação do proletariado e pela realização do comunismo… Não há dúvida da dedicação à causa proletária deste ativista íntegro».

Mas Gorki não compreende o compromisso de Rolland com a libertação do famoso anarquista e revolucionário Ghezzi. Para ele, as políticas repressivas do regime soviético contra os anarquistas parecem justificadas, o que provoca um conflito entre Gorki e Rolland, a ponto de sua correspondência praticamente cessar. Finalmente, Gorki levanta o assunto a Stalin e ao chefe da GPU, Genrikh Yagoda, mas eles respondem que é impossível libertar Ghezzi.

Após uma campanha internacional, Ghezzi foi finalmente libertado, mas não lhe foi permitido sair da União Soviética. Inicialmente, em janeiro de 1931, foi libertado do «isolamento político» em Suzdal e enviado ao exílio no Cazaquistão, mas após um mês e meio, todas as sanções foram levantadas e lhe foi concedida permissão para residir em qualquer lugar da URSS. Ele retornou a Moscou e retomou seu trabalho na mesma fábrica onde havia trabalhado antes de sua prisão.

O último sindicalista

Como foi a vida de Ghezzi entre sua libertação e sua posterior prisão seis anos depois? Nas notas coletadas para os investigadores pelo diretor e pelos líderes políticos e sindicais da fábrica, após a prisão de Ghezzi em 1937, lê-se: «Ele tinha formação política. Era de convicções anarcossindicalistas. Durante o tempo que trabalhou para nós, participou de assembleias operárias, mas nunca quis se expressar sobre questões políticas, o que, dado seu histórico político, só pode ser explicado por sua dissidência em relação às atividades do Partido Comunista e do governo soviético».

Ghezzi, no entanto, era uma pessoa emotiva, por isso nem sempre permanecia em silêncio durante as reuniões dos trabalhadores. Victor Serge, ativista da oposição trotskista de esquerda nos anos vinte e início dos anos trinta, escreveu em suas memórias: «Nas duas capitais, Moscou e Leningrado, meus contatos no âmbito do livre-pensamento não passavam de vinte pessoas, muito diferentes em suas opiniões e mentalidades. Magro, rigoroso e vestido como um autêntico proletário, o sindicalista italiano Francesco Ghezzi, da União Italiana de Sindicatos, havia sido recentemente libertado da prisão de Suzdal e falava com veemência da vitória da industrialização. Seu rosto sulcado de rugas brilhava com olhos febris. Mas retornar à fábrica o deprimia: “Vi proletários dormindo junto às máquinas. Sabe que durante os dois anos que estive em confinamento solitário, os salários reais caíram 5 por cento?”, me disse».

Entre 1936 e 1937, Ghezzi tentou acompanhar de perto os acontecimentos da Revolução Espanhola, pois sabia mais do que a imprensa soviética informava. Quando foi preso novamente, os investigadores encontraram cópias de duas cartas dirigidas a líderes bolcheviques nas quais ele pedia para ser enviado à Espanha como voluntário. Provavelmente era uma tentativa desesperada de abandonar a Rússia e, ao mesmo tempo, ser útil à causa anarquista. Durante os interrogatórios, declarou sentir-se «ofendido pelo poder soviético, que me negou a oportunidade de ir à Espanha para participar do movimento revolucionário». Evidentemente, Stalin, que aplicava na Espanha as mesmas políticas repressivas contra os anarquistas que na Rússia, não tinha nenhum interesse em enviar para lá outro anarquista.

A última prisão

Em 5 de novembro de 1937, Ghezzi foi preso novamente. A acusação formal contra ele foi a seguinte: «Como firme anarcossindicalista, realizou agitação contrarrevolucionária em seu local de trabalho». A acusação também continha uma insinuação absurda, mas comum, de que ele era «simpatizante do nazismo alemão». A prisão foi fundamentada no material coletado pelos agentes e nos testemunhos. Oito testemunhas depuseram contra ele, todos funcionários de sua fábrica. Um deles, que conversou com Ghezzi no caminho para casa após o trabalho, declarou: «Ghezzi fez muitas declarações difamatórias sobre o líder operário, o camarada Stalin. Falou-me de um livro publicado na França que contém a biografia de Stalin. Ghezzi disse que o livro continha toda a verdade sobre Stalin, que a revolução não foi feita por ele, mas por aqueles a quem ele agora está julgando. Naquele livro está escrito que Lenin, em seu leito de morte, disse para não permitirem que Stalin se tornasse líder. Informei esses sentimentos contrarrevolucionários à direção sindical, que por sua vez os comunicou ao líder do Partido [da fábrica]».

E aqui está o veredicto de culpabilidade:

As testemunhas entrevistadas (oito pessoas) declararam que Ghezzi… realizou uma ativa agitação contrarrevolucionária dentro da fábrica, difundiu propaganda anarquista e propagou informação falsa sobre a difícil situação dos trabalhadores na URSS. Ao mesmo tempo, difamou a direção do VKPB e o governo soviético. Durante o julgamento do grupo terrorista trotskista contrarrevolucionário, fez propaganda a favor dos inimigos do povo.

«Falou da difícil situação material dos trabalhadores, declarou sua incapacidade de compreender a democracia soviética devido à presença de um partido único e questionou se todos os presos pela NKVD [o novo nome da GPU] eram contrarrevolucionários.»

Ghezzi: «Declaro aos investigadores que fui e continuo sendo anarquista, e ninguém pode mudar estas convicções. Em 1929 afirmei que o trabalho na Rússia era mal pago, que os cargos de liderança eram ocupados por burocratas que contribuíam para a piora da situação dos trabalhadores. Naquela época, discordei abertamente da política do partido, que era muito lenta na reconstrução da economia, o que era a causa de um exército de desempregados na Rússia… Confirmo ter feito numerosas declarações antissoviéticas, assim como meu desacordo com a política sindical do partido. Em 1937 afirmei que não existia uma verdadeira democracia nos sindicatos soviéticos, porque todas as correntes políticas na Rússia estavam reprimidas».

Cabe destacar que uma das testemunhas, interrogada novamente em 1956, quando o caso Ghezzi foi reaberto, recusou-se a confirmar seu testemunho anterior contra ele, alegando que havia sido ameaçado pelos investigadores naquela época.

Por sua parte, Ghezzi, apesar de se encontrar em uma situação similar à de 1984 de Orwell, não sente a necessidade de transigir nem de negar sua responsabilidade. O regime stalinista nunca obteve dele nenhuma confissão pública de ter aderido a ideias «equivocadas», nem o viu «depor as armas perante o partido». Seu nome nunca aparece nos jornais soviéticos entre os opositores e anarquistas que admitiram seus «erros» perante o partido, só para serem assassinados imediatamente depois pela máquina repressiva do Estado. Após sua prisão, a investigação durou um mês. Ele foi interrogado três vezes e não negou nenhuma das declarações que as testemunhas afirmaram ter ouvido. Apenas negou simpatizar com o trotskismo ou outras correntes de oposição dentro do Partido Comunista (embora não tenha negado ter criticado duramente os julgamentos de Stalin contra os «inimigos do povo» e os opositores).

Entre sua prisão e sua condenação, Ghezzi permaneceu preso na Lubianka, a prisão interna da NKVD no centro de Moscou. Posteriormente foi enviado a um campo de trabalho além do Círculo Polar Ártico. Finalmente, em 3 de abril de 1939, a comissão especial da NKVD o sentenciou a oito anos de trabalhos forçados, e duas semanas depois foi enviado a Vorkuta.

Em 1943, outro decreto da NKVD (datado de 13 de janeiro) condenou Ghezzi à morte por fuzilamento por «declarações antissoviéticas»: aparentemente, nem mesmo no campo de prisioneiros ele havia mudado suas opiniões ou seu comportamento. No entanto, a sentença não foi executada porque Ghezzi já havia falecido. Seu atestado de óbito está datado de 3 de agosto de 1942.

Em julho de 1955, Olga Gaake, sua esposa, escreveu uma carta ao líder soviético Nikita Khrushchev, pedindo-lhe que reabrisse o caso de seu marido e o reabilitasse. Em 21 de maio de 1956, o tribunal de Moscou encerrou a revisão do caso de Ghezzi, declarando que «as provas contra ele eram insuficientes» e anulando a sentença da NKVD. Claro, o tribunal não poderia anular a sentença com a fórmula «por não ter cometido o delito», já que Ghezzi sempre foi um anarquista declarado.

«Sem dúvida, continuará sendo para nós o que sempre foi: o companheiro de armas de todos aqueles que lutam pela libertação da classe operária», escreveu Romain Rolland em 1929 em um apelo pela libertação de Francesco Ghezzi. É uma expressão entusiasta que reflete sua época, mas que descreve perfeitamente a vida de Ghezzi, um «anarquista declarado» que se recusou a se curvar diante de Stalin e da máquina de repressão estatal até seu último suspiro.

Fonte: https://redeslibertarias.com/2025/11/18/el-anarquista-ghezzi-contra-stalin/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Ano que termina
areia cheia
conchas mínimas

Alice Ruiz

[França] Passages: uma revista militante por uma ecologia radical e feminista

Lançamento de uma nova revista militante focada na ecologia radical, no feminismo e na crítica anarquista anti-industrial.

Os danos, a poluição, a destruição, os exageros, as dominações perpetradas pela civilização industrial são insuportáveis para nós. Como esse mundo é insuportável, optamos por rejeitá-lo. Essa rejeição não é uma fuga. É a condição prévia para a construção de uma análise honesta do desastre existente e para a implementação de soluções práticas para sair dele. É claro que não temos uma receita mágica para vender para alcançar isso, e desconfiamos daqueles que afirmam ter o segredo. O que propomos a todas as pessoas unidas na recusa deste mundo, que compartilham nossa vontade e nossa raiva, é participar da perpetuação de uma crítica sensível, que se dedica a ir à raiz das coisas. Sem concessões, nenhuma. Para, finalmente, talvez, abrir um caminho.

Passages é uma revista que se inspira na crítica anti-industrial, ecofeminista e antiautoritária.

Em cada número, abordamos um tema em profundidade, pois consideramos essencial, para lutar eficazmente, examinar os pilares sobre os quais se sustenta o mundo mortífero que nos é imposto.

Mas não é tudo: nas páginas de Passages, também falamos, entre outras coisas, de estratégia, das lutas atuais e passadas, tentamos separar o verdadeiro do falso, damos voz àqueles que militam e respondemos às objeções mais comuns. Em resumo, nos esforçamos para estimular a difusão de uma cultura de resistência decididamente radical e feminista.

Mas quem somos nós?

Somos um coletivo de homens e mulheres que compartilham o mesmo amor pela natureza e pela liberdade. Esta revista é a nossa contribuição para a luta.

Títulos publicados ou a serem publicados:

A civilização / A natureza / Feminismo

www.revuepassages.com

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Ameixeiras brancas.
Assim a alva rompe as trevas
deste dia em diante.

Yosa Buson

[Espanha] A mercantilização da memória: turismo nas rotas dos maquis

Em um novo episódio de banalização da memória histórica, o projeto ‘Los emboscados’ pretende converter em atração turística cavernas onde resistiram os maquis nas montanhas de Liébana e Peñarrubia. A proposta, apresentada como uma iniciativa para divulgar a história da guerrilha antifranquista, gerou críticas entre coletivos memorialistas, que denunciam a despolitização e mercantilização de uma luta que custou centenas de vidas.

A Associação Archivo, Guerra y Exilio (AGE) foi uma das vozes mais críticas a respeito, assinalando a hipocrisia do Estado espanhol ao não reconhecer os guerrilheiros antifranquistas como combatentes da República enquanto permite que sua memória se transforme em um produto de consumo. “A resistência ao franquismo não foi uma aventura romântica nem um relato para turistas, mas uma luta desesperada pela liberdade em condições extremas. Muitos daqueles combatentes foram assassinados, torturados e condenados ao esquecimento, e agora se pretende lucrar com seu sacrifício sem um reconhecimento real”, denunciam desde AGE.

Este tipo de projetos apresenta a guerrilha antifranquista como um fenômeno isolado, quase folclórico, desvinculado do contexto de repressão brutal que o originou. Em lugar de transmitir a mensagem política e revolucionária dos maquis, os reduzem a uma curiosidade histórica, uma “aventura” para trilheiros e turistas.

Enquanto em países como França a resistência armada contra o fascismo é honrada com reconhecimento oficial e faz parte do currículo escolar, na Espanha segue sendo um tema marginal na educação pública. A memória da luta guerrilheira, longe de ser reivindicada, se converte em uma atração para excursionistas, despojando-a de seu significado político e da crueza da repressão que sofreram seus protagonistas.

AGE reclama que, em lugar de promover visitas turísticas sem contexto crítico, se exija uma verdadeira reparação e reconhecimento dos combatentes antifranquistas. Isto incluiria seu reconhecimento como parte da luta contra o franquismo, sua inclusão nos programas educativos e a preservação de seus espaços de resistência como lugares de memória e não de lazer.

A história da guerrilha antifranquista não pode ser convertida em um produto de consumo para os que buscam uma experiência diferente na natureza. Sua memória deve ser defendida desde o compromisso político e a justiça histórica, sem cair na frivolidade de converter em anedota o que foi uma luta pela liberdade.

Fonte: https://www.briega.org/es/noticias/mercantilizacion-memoria-turismo-rutas-maquis 

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

ao pé da janela
dormimos no chão
eu e o luar

Rogério Martins

[Canadá] Ativistas roubam US$ 3.000 em alimentos de um supermercado para redistribuí-los gratuitamente

Um grupo chamado “Robins des ruelles” reivindicou o roubo de milhares de dólares em alimentos, ocorrido em 15 de dezembro em um supermercado Metro na rua Laurier, em Montreal.

O grupo autônomo e anônimo divulgou imagens de pessoas vestidas de Papai Noel e duendes em um supermercado no bairro de Plateau-Mont-Royal.

Os “Robins des ruelles” também publicaram uma foto dos alimentos em sacolas de Natal, sob a árvore da praça Valois, com um cartaz indicando “O Natal é caro!” e “comida de graça”.

O restante teria sido distribuído nas “inúmeras geladeiras comunitárias da cidade”, de acordo com um comunicado publicado pela conta do Instagram “Les Soulèvements du Fleuve”, que compartilha as ações de grupos autônomos.

As autoridades confirmaram que um furto em loja envolvendo várias pessoas mascaradas e fantasiadas ocorreu no dia 15 de dezembro às 21h40 em um hipermercado na rua Laurier. Os indivíduos teriam saído do estabelecimento com os alimentos sem pagar. Não houve feridos nem prisões.

“Eles são os bandidos”

Em um comunicado, os “Robins des ruelles” explicam suas motivações por trás da ação direta que chamaram de “la grande guignolée”.

“Trabalhamos cada vez mais, apenas para poder comprar o que comer em redes de supermercados que se aproveitam da inflação para obter lucros recordes”, pode-se ler no comunicado.

“Não há outra maneira de dizer: um punhado de empresas mantém nossas necessidades vitais como reféns. Elas continuam sufocando a população, para sugar o máximo de dinheiro possível. Para nós, isso é roubo e eles são os bandidos”, afirmam os “Robins des ruelles”.

Eles consideram esses roubos como “um apelo para nos organizarmos juntos contra a máfia alimentar e a agroindústria”.

agência de notícias anarquistas-ana

Ação direta: o faço
é mais verdadeiro que
o prometo vazio.

Liberto Herrera

Dinamarca: Contradição capitalista e radicalidade, viagem a Christiania

Mais ou menos tolerada há mais de 50 anos pelo governo dinamarquês, Christiania é um bairro autônomo de Copenhague. Nos últimos anos, ela luta para manter suas linhas políticas.

A comuna livre de Christiania é um bairro de Copenhague que se rebelou em 1971 contra a sociedade burguesa e conservadora dinamarquesa. No início, um grupo de jovens provos [1] decidiu ocupar o bairro do antigo quartel de Bådsmandsstræde, destruindo suas barreiras: a comuna livre nasceu. Inicialmente, era um local de habitação autogerido, mas também um espaço de experimentação artística e política: ateliês de artistas, cantinas autogeridas… Hoje, ela conta com cerca de 800 habitantes.

A comuna livre resistiu por muito tempo ao governo dinamarquês, como uma ZAD urbana onde as convenções sociais burguesas seriam abolidas. Isso não impede que certas regras estejam presentes em Christiania, como a proibição da violência, bem como a presença de drogas pesadas e gangues de motociclistas, fortemente ligadas ao tráfico. Após vários meses de batalha entre os “cristianitas” e a polícia, o Estado dinamarquês acabou por reconhecer um estatuto especial de “local de experimentação social”, o que permitiu não entregar o bairro aos promotores imobiliários e manter um status quo em torno da sua existência.

Infelizmente, no início dos anos 2000, um novo primeiro-ministro dinamarquês decidiu acabar com Christiania, acusando-a de ser um bairro de tráfico de drogas. É verdade que, até 2023, a famosa Pusherstreet – literalmente “rua dos traficantes” – era um local de venda de cannabis, prática que sempre foi tolerada em Christiania. Uma tentativa de demolir o bairro com escavadoras não teve sucesso, pois as noites de tumultos que se seguiram à destruição de uma casa foram intensas. Os cristianitas se reuniram para comprar suas próprias casas do Estado, o que permitiu salvar a comuna livre.

O fechamento da Pusherstreet cristaliza hoje muitas contradições. Desde os anos 70, essa rua era um local de venda de cannabis, inicialmente vendida pelos próprios moradores, mas aos poucos a venda caiu nas mãos de gangues vindas de outros bairros de Copenhague. Às vezes, havia brigas muito violentas entre traficantes, que levavam a tiroteios. Os moradores, sobrecarregados por esse nível de violência, acabaram por recorrer à polícia, sendo totalmente incapazes de se defender contra essas gangues.

A Pusherstreet foi então fechada para preservar o bairro e também para garantir a segurança dos turistas. De fato, as características únicas do bairro fazem dele hoje uma atração turística que atrai cerca de um milhão de visitantes por ano.

Christiania enfrenta hoje contradições muito importantes: manter viva a radicalidade do bairro, continuar lutando pela sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, receber turistas para garantir uma renda aos cristianitas, o que, em um país campeão da “flexisegurança”, é uma questão de sobrevivência. Infelizmente, o aspecto político de Christiania nem sempre está no centro desse turismo, pois alguns veem o bairro principalmente como um bairro de hippies com casas de arquitetura incomum.

Mas a Comuna Livre ainda está lá, apesar da revogação de seu estatuto especial e, sobretudo, apesar das contradições que a atravessam, entre radicalismo, repressão e tentações reformistas. Bevar Christiania! [2]

Thomas Puppy Meinhof (UCL Alsácia)

[1] O movimento Provo é um grupo anarquista ecologista, antimonarquista e anti-imperialista ativo na Holanda de 1965 até a década de 1970.

[2] “Preservemos Christiania!” em dinamarquês.

Thomas Puppy Meinhof (UCL Alsace)

Fonte: https://www.unioncommunistelibertaire.org/?Danemark-Contradiction-capitaliste-et-radicalite-voyage-a-Christiania

agência de notícias anarquistas-ana

Toda a beleza
do muro verde da montanha
traz saudade

David Rodrigues

[França] Um ativista antifascista enfrenta extradição e até 21 anos de prisão por se opor a neonazistas.

Acusado pela Hungria de Viktor Orbán de violência contra uma marcha neonazista em Budapeste, o ativista antifascista Gino voltou a ser alvo de um mandado de prisão europeu. Ele foi detido na região de Paris.

Em 16 de dezembro, o ativista antifascista Rexhino Abazaj, nascido na Albânia e conhecido como Gino, foi preso e detido na região de Paris. A prisão, efetuada por agentes da Subdireção Antiterrorista da Polícia Judiciária (SDAT), ocorreu em resposta a um mandado de prisão europeu emitido pela Alemanha contra o ativista.

Ele está sendo processado na Hungria por atos de violência supostamente cometidos contra neonazistas em Budapeste. Após um mandado de prisão europeu inicial emitido pela Hungria, Gino já havia sido detido na França de novembro de 2024 a fevereiro de 2025. Ele é acusado – juntamente com cerca de outras dez pessoas – de ter participado de atos de violência contra neonazistas em 2023, durante uma marcha de extrema-direita organizada anualmente na capital húngara: o “Dia da Honra”, que reúne cerca de quinhentos participantes e comemora a aliança entre soldados da Waffen-SS e soldados húngaros durante o cerco de Budapeste pelo Exército Vermelho no inverno de 1945 (a ditadura húngara era então aliada de Hitler).

Os riscos de um julgamento injusto

Se extraditado para a Hungria de Viktor Orbán, Gino pode enfrentar até 21 anos de prisão. Em fevereiro de 2025, o Tribunal de Apelação de Paris negou sua extradição, considerando os riscos de um julgamento injusto e de más condições de detenção muito elevados. O ativista foi, portanto, libertado sob supervisão judicial. Entre os outros indivíduos que receberam mandados de prisão semelhantes neste caso, a eurodeputada italiana Ilaria Salis foi libertada em junho de 2024, após sua eleição para o Parlamento Europeu. Maja T., cidadã alemã, foi extraditada pela Alemanha para a Hungria no verão de 2024.

Gino conta com o apoio de diversos coletivos que denunciam as políticas repressivas húngaras. Entre eles, o Comitê de Solidariedade de Budapeste, fundado após sua primeira prisão em novembro de 2024, também defende outros casos semelhantes, notadamente o de Zaid, um ativista antifascista de origem síria, e o de Maja, que está detida na Hungria há mais de um ano e aguarda julgamento, ao final do qual ambos podem ser condenados a até 24 anos de prisão.

Se a extradição, desta vez para a Alemanha, for confirmada em 24 de dezembro, Gino corre o risco de ser entregue às autoridades húngaras, como aconteceu com Maja. A situação é particularmente alarmante, dadas as condições prisionais do país. Em um relatório publicado em 16 de dezembro de 2025, o Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e de Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) expressou grave preocupação com as condições de detenção nas prisões húngaras, especialmente em Tiszalök.

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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/04/11/justica-francesa-rejeita-extradicao-de-antifascista-gino-para-a-hungria/

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/04/04/franca-antifascista-gino-libertado-antes-de-julgamento-de-extradicao/

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/02/27/franca-comunicado-e-faixa-de-9-coletivos-antifascistas-em-solidariedade-a-gino-e-a-todos-os-outros/

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Fundo de quintal…
Silêncio. No velho muro,
uns cacos de sol…

Jorge Fonseca Jr.

[França] O exílio cubano, entre a peste e a cólera

por Floréal | 15 de dezembro de 2025

Assim que se soube o resultado das eleições presidenciais no Chile, que viram a vitória do candidato de extrema direita José Antonio Kast, muitos exilados cubanos, especialmente nos Estados Unidos, comemoraram publicamente, assim como haviam comemorado anteriormente a eleição de Trump para a Casa Branca. Embora alguns deles tenham se mostrado um pouco decepcionados com este último, de quem esperavam uma política muito mais hostil ao regime comunista da ilha, isso obviamente não os levou a posições mais moderadas.

Quando se denuncia, com razão, as inúmeras violações dos direitos humanos cometidas pelo regime castrista e sua sinistra polícia política, há algo de francamente lamentável em exibir a alegria de ver eleito um admirador de Pinochet, principal responsável pela morte de 3.200 pessoas e pela detenção ilegal de quase 30.000 outras, com tudo o que isso implicava em termos de humilhação e tortura. Em matéria de violações dos direitos humanos, denunciar uns e esquecer voluntariamente outros não é moralmente nem humanamente sustentável. É uma pena que muitos exilados cubanos não estejam manifestamente convencidos disso. Na verdade, muito poucos deles se interessam realmente pelo perfil político desses candidatos de direita, moderados ou extremistas. Eles se limitam a uma visão “cubano-centrada”, perguntando-se em que medida um país não governado pela esquerda poderá prejudicar a ditadura cubana. Isso lhes basta.

O ódio ao comunismo à maneira castrista, amplamente justificado tendo em conta o que esses cubanos viveram e o que os seus compatriotas continuam a viver no país, faz com que, infelizmente, se voltem com demasiada frequência para a extrema direita, que também sabe muito bem como suprimir muitas liberdades individuais ou coletivas. Quando a opção que a política impõe se limita a escolher entre a peste e a cólera, é porque o mundo está decididamente muito mal, e, portanto, ninguém é obrigado a fazer uma escolha.

florealanar.wordpress.com

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a lua na rua:
um gato lentamente
torna-se minguante.

André Ricardo Aguiar