Métodos de repressão na Bielorrússia: Perseguição de pais de presos anarquistas

Na Bielorrússia, não só é criminalizado expressar qualquer forma de dissidência. Demonstrar solidariedade com presos políticos também pode ser punido, mesmo quando a ajuda vem de seus pais.

Nos três exemplos seguintes, você poderá ver como essa repressão acontece no caso de pessoas anarquistas.

Prendendo parentes para pressionar ativistas em exílio

No dia 26 de novembro de 2021, a polícia, armada, invadiu a casa de Gayane Akhtiyan, a mãe do exilado anarquista Roman Halilov. A mulher foi filmada, de joelhos, e supostamente admitindo sua participação em protestos. O vídeo foi circulado por policiais num canal do Telegram chamado Anarquistas da Bielorrússia com a legenda “Pais responsabilizados por suas crianças”, com a evidente intenção de pressionar Roman Halilov.

Gayane foi colocada em detenção e mais tarde condenada a restrição de liberdade em um centro de detenção semi-aberto. Ela eventualmente deixou a Bielorrússia.

Condenando parentes por apoiar seus filhos presos

Tatiana Frantskevich é a mãe de Aleksandr Frantskevich, que foi condenado a 18 anos de prisão como líder de uma “organização criminosa anarquista internacional”. Em 19 de julho de 2024, ela e sua irmã foram detidas e depois condenadas a 3 anos e 3 meses de prisão por “apoiar atividade extremista”.

Atualmente, ninguém pode apoiar Aleksandr, já que apenas parentes próximos têm permissão para enviar pacotes de ajuda, fazer visitas e trocar correspondência com prisioneiros na Bielorrússia.

Colocando parentes numa lista internacional de procurados

Em outubro de 2025, a lista de pessoas procuradas mantida pela Federação Russa foi atualizada para incluir Anastasia Yemelyanova, a mãe de Nikita Yemelyanov, anarquista que está na prisão desde 2019 e cuja condenação original foi prolongada duas vezes.

A mãe de Nikita agora também vive exilada.

Esses casos não são isolados, e esse tipo de pressão não é aplicado apenas a anarquistas. Cinco anos depois do levante de 2020, a Bielorrússia ainda mantém milhares de pessoas na prisão e condena centenas todos os meses.

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Fonte: https://abc-belarus.org/en/2025/12/12/repression-methods-in-belarus-persecution-of-anarchist-prisoners-parents/

Tradução > Caio Forne

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agência de notícias anarquistas-ana

Quebre o cristal fino.
O estrondo é a sinfonia
da nova ética.

Liberto Herrera

[Itália] Anarquismo do século XXI

Síntese da exposição apresentada no Congresso de Carrara (11–12 de outubro de 2025), no 80º aniversário da FAI

Não sendo dotado de visões proféticas, será difícil hipotetizar quais formas o anarquismo assumirá no século XXI, pois isso depende do contexto geográfico, cultural, político, social e temporal. Sem dúvida, as lutas pela ampliação dos espaços de liberdade, de igualdade nas diferenças e de solidariedade — individual e coletiva — (inclusive e sobretudo entre estranhos) constituirão sempre os eixos em torno dos quais girarão as formas especificamente adequadas e as modalidades de conflito conforme os contextos do anarquismo, ou melhor, dos anarquismos.

Deterei-me, de forma sintética, em três cenários globais, de modo algum alternativos entre si, mas sim interseccionados, embora não hierarquicamente derivados, no interior dos quais anarquistas do século XXI se esforçarão para identificar as melhores formas de ação. É evidente que há um quarto cenário, ligado às questões de gênero, mas outros contributos nos apresentarão fisionomias gerais e específicas e objetivos contextuais de luta. Evidentemente, tais cenários não excluem nem reduzem os âmbitos de luta mais comuns, mais cotidianos, talvez mais locais, cuja importância é crucial para o nosso enraizamento nos territórios em que vivemos. Contudo, a meu ver, serão os cenários globais a “sobredeterminar” também os conflitos locais ou tradicionais, alterando-lhes formas e modalidades e imprimindo torções que considero nada irrelevantes.

O primeiro é a mudança climática, que altera as condições de habitabilidade do planeta, colocando em risco a sobrevivência ecossistêmica, com riscos de deflagração de conflitos demográficos, deslocamentos migratórios e apropriação violenta de recursos (terra fértil, água etc.). O nomadismo típico (e até originário) da espécie humana não poderá ser detido por fronteiras estatais ou limites “naturais”; tal será a pressão migratória em busca de melhores condições de vida. Se não se inverter o ritmo de exploração dos recursos úteis à humanidade (terra e água, em primeiro lugar), eclodirão cada vez mais conflitos cruéis, considerando que metade da população mundial está em idade ativa e um quarto dela em contextos rurais onde se concentra 80% da pobreza mundial. Sem contar o trabalho informal, obscuro e invisível, que escapa às estatísticas da OIT ou do Banco Mundial. Nessas condições — que seria indigno definir como “emergenciais”, tamanha é sua natureza endêmica e reiterada pelas dinâmicas de poder e de desigualdade em escala mundial —, a abordagem dos problemas só pode se vincular à auto-organização de base, para mitigar os efeitos destrutivos das atuais políticas climáticas levadas adiante por elites estatais e empresariais sem qualquer escrúpulo. É dessa prática solidária e auto-organizada que se forja um ethos anarquista: uma academia de criatividade na solução horizontal de problemas que, pouco a pouco, se estenderá até a completa reorganização da vida associada segundo práticas e atitudes libertárias. Portanto, é tempo de a habitabilidade do e no nosso planeta entrar com determinação na agenda política do anarquismo social, já que não podemos de modo algum contar com a inclusão no seleto grupo dos supereleitos que migrarão para a Lua ou para Marte ao seguimento de Elon Musk & cia.

O segundo cenário global é o recurso à guerra como disputa pela hegemonia planetária no século XXI, com os riscos de aniquilação nuclear e de extermínio em massa. Já no final do século passado, muitos estudiosos americanos se perguntavam qual seria a potência hegemônica na segunda metade do século XXI, vislumbrando na China e nos países seus aliados (Rússia incluída) o concorrente mais credenciado contra o qual tecer políticas de contenção e de contrabalanço agressivo. Não é difícil imaginar o mesmo na China, apenas que análises e estudos não são facilmente acessíveis nem, ademais, legíveis. De resto, na história nunca houve sucessões de hegemonia global de maneira tranquila e pacífica; muito pelo contrário. Não por acaso, portanto, e não de hoje, assistimos a uma crescente militarização das sociedades que já tem como efeito direto a desagregação de “direitos”, duramente conquistados em seu tempo, ainda que sem perder a ficção da representação (pseudo)democrática, com a redução dos Estados de direito a autocracias eleitorais-parlamentares. Liberdade de ação, de palavra, de expressão, de estilizar a própria vida como melhor se crê, de adotar usos e costumes não conformistas — todas são práticas arrancadas com esforço pelas gerações anteriores e, em alguns casos, pelas gerações atuais. Que estejam constitucionalizadas ou traduzidas em normas jurídicas pouco importa: o direito positivo concede e retira conforme maiorias parlamentares mais ou menos reforçadas. É a rua que fará a diferença.

Por militarização, não devemos nem podemos evocar apenas a presença visível dos signos do poder armado (exército, forças policiais, armamentos, indústrias bélicas etc.). Devemos nos preocupar com a interiorização de uma cultura belicista e belicosa, que arma as consciências desde a mais tenra idade, pressionando-as com modelos violentos de resolução dos problemas cotidianos e de superação dos obstáculos com os quais a vida nos faz deparar a cada passo. Modelos culturais em que a violência é exaltada porque simulada — game over, e recomeça —, a vida como um videogame em que se mata e se morre, mas depois se ressuscita em um combate ilimitado e infinito. Não por acaso, o videogame de entretenimento alimenta e é alimentado, por sua vez, por simulações militares, por armamentos autônomos e automáticos que transformam a guerra em suas formas, anestesiando suas feridas e traumas corporais para transferi-los a uma esfera psíquica. Isso, ao menos, para quem ataca a partir de uma posição de supremacia tecnológica, não para quem sofre seus efeitos, como sabe toda vítima de guerra.

Não devemos subestimar nem minimizar a militarização híbrida que, do ciberespaço, se infiltra até nossos bolsos por meio dos dispositivos digitais. Por meio destes passa não apenas a vigilância capitalista com fins de marketing comercial, mas também e sobretudo o controle exercido por governos e empresas privadas que hoje dispõem de uma infinidade de conhecimentos ligados aos nossos gostos, às nossas ações, às nossas experiências físicas e virtuais, transformadas em dados numéricos facilmente processáveis por algoritmos até chegar a uma perfilização singular de massa — que não soe contraditório — útil para prever e até orientar nossos comportamentos futuros.

O que nos leva ao terceiro cenário global: o advento das tecnologias digitais e, em particular, da IA, que literalmente revoluciona a forma de vida de nossas sociedades, não apenas nos âmbitos do trabalho vivo, substituível por robôs e diversas máquinas, nem apenas nas modalidades de canalização das opiniões “políticas” nas ocasiões de compromissos eleitorais. O desdobramento entre a esfera corporal, “real”, e a dimensão “virtual”, cujos efeitos são igualmente reais, entrelaça-se delineando a formação de uma subjetividade bem diferente daquela à qual estávamos habituados no terreno material das classes sociais e do equilíbrio de forças entre poderes. Em uma era de individualismo extremado, promovido e favorecido pelas políticas neoliberais das últimas décadas, a esfera coletiva fragmentou-se para “ressuscitar” na relação eu–tela do meu dispositivo digital; a sociabilidade física, em certos aspectos, evaporou em favor de uma “sociabilidade” virtual, gerida por plataformas proprietárias, no interior das quais se realiza uma ficção de comunicação e de diálogo com tantos outros eus, cada um conectado à sua própria tela. Ficção de possuir seguidores, de ter um monte de amigos: na realidade, estamos imersos, sem saber, em uma bolha, dentro da qual ressoam minhas opiniões, que se tornam convicções assim que as vejo confirmadas por outros que pensam exatamente como eu. Fim do pluralismo de ideias, excluídas das câmaras de eco; fim da emergência do dissenso; fim do confronto dialético entre diferentes. E quando essas expulsões virtuais retornam à vida no espaço-tempo da existência corporal, a falta de hábito de se relacionar com outros diferentes transforma-se em violência gratuita, sem sentido, inesperada, senão como forma “defensiva” de uma psicologia amputada de sociabilidade real, justamente por estar impregnada de sucedâneos “sociais”.

O individualismo neoliberal, deslocado ainda por cima para o universo digital, produz indivíduos conformes, réplicas diversificadas de uma matriz maquínica da qual provavelmente nos tornamos próteses que testam experimentalmente seus limites e seus avanços tecnológicos. Pensamos que somos nós que utilizamos os aparelhos, mas talvez seja exatamente o contrário. Fora de qualquer comunidade de referência, desnorteados e lançados de uma plataforma a outra, que tipo de subjetividade acabará por se consolidar? Que comunalidade poderá dar origem ao comunismo de bens e serviços? Que sujeito crítico e dissidente poderá emergir na relação, cada vez mais premente, entre o humano e o maquínico?

Os novos modos pelos quais nos sentimos sujeitos de nós mesmos, conscientes e críticos da realidade, nos levam a aprofundar e diversificar os instrumentos de análise, para captar novas oportunidades de vínculos “sociais” a partir dos quais seja possível reconstituir uma forte comunidade destituinte, capaz de imaginar e, portanto, experimentar utopias coletivas organizadas em torno do eixo da ausência de poder.

Salvo Vaccaro

Fonte: https://umanitanova.org/anarchismo-del-xxi-secolo/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

estrela cadente
um risco roxo no céu
e logo se esvai

Nenpuku Sato

[Espanha] O anarquista Ghezzi contra Stalin

Há pessoas cujas vidas carecem de aspectos superficialmente esplêndidos ou aventuras emocionantes, mas que nos comovem por sua integridade, por sua capacidade de manter a dignidade mesmo nas piores circunstâncias. Tal é a vida de Francesco Ghezzi, um operário anarquista milanês que morreu no gulag de Stalin em 1942. Esta é sua história, contada por um jovem anarquista russo.

Uma das últimas descrições de Francesco Ghezzi encontra-se nas Memórias de um revolucionário de Victor Serge. Ao falar de sua partida da União Soviética em 1936, após uma campanha internacional por sua liberação, Serge escreve: «Magro e altivo, Francesco Ghezzi, operário de uma fábrica de Moscou e o único “sindicalista” que ainda se encontrava em liberdade na Rússia, nos recebeu no trem». «Magro e altivo», aparece em uma fotografia policial de 1937, anexada ao processo que lhe foi aberto pela GPU, a polícia política de Stalin. Um perfil orgulhoso e digno, o olhar intenso de um homem indomável apesar de suas repetidas prisões, inclusive na URSS. Na atmosfera marcada pelo terror stalinista, tanto dentro quanto fora da prisão, ele conseguiu manter uma liberdade interior surpreendente dadas as circunstâncias e a opinião pública vigente. Essa liberdade se expressou em ações simples, mas honestas e coerentes, como poucos se atreviam a fazer naquela época. Simplesmente, ele se recusou a se submeter às normas do regime.

Ghezzi foi um membro ativo do movimento anarquista internacional entre 1910 e 1930. Durante seu encarceramento, foram lançadas duas campanhas internacionais por sua libertação, primeiro na Alemanha e depois na URSS. No entanto, os detalhes de seus últimos anos só se tornaram públicos recentemente, após a publicação de documentos relacionados ao seu julgamento entre 1937 e 1939. Os últimos biógrafos desse anarquista foram investigadores stalinistas.

Os documentos dos julgamentos políticos na Rússia soviética não constituem uma fonte biográfica confiável. As confissões eram obtidas mediante tortura, e os detidos confessavam os crimes mais atrozes contra o regime. Além disso, aqueles que caíam nas mãos da polícia política frequentemente eram submetidos a condições desumanas. Portanto, a honestidade de Ghezzi e sua fidelidade a seus princípios são admiráveis.

Anarquista desde 1909

Ghezzi nasceu em Milão em 4 de outubro de 1893, no seio de uma família operária. Começou a trabalhar com apenas sete anos. Aos quinze, uniu-se ao movimento revolucionário e aos dezesseis tornou-se anarquista. Em 1939, respondendo à pergunta de um investigador sobre suas opiniões políticas, declarou considerar-se «um anarquista convicto com ideias plenamente formadas desde 1909»; de fato, no questionário oficial marcou como «não membro do partido».

investigador relata com certo detalhe a história da participação de Ghezzi no movimento anarquista: «Organizamos greves operárias em Milão com reivindicações econômicas. Mas quando a polícia começou a atirar contra os manifestantes, as reivindicações econômicas se transformaram em reivindicações políticas. As greves que organizamos nem sempre tiveram sucesso; cada derrota era seguida de prisões em massa. Para escapar da repressão, em 1914 emigrei para Paris, França, e em 1915 voltei a Milão, quando ocorreu um retorno massivo de refugiados políticos à Itália. A organização anarquista de Milão naquele momento havia adotado uma plataforma antimilitarista, e junto com outros anarquistas milaneses, lutei por uma mobilização massiva contra a guerra imperialista. Em 1916, para escapar da perseguição policial, emigrei novamente, desta vez para a Suíça, onde participei da preparação de uma insurreição em Zurique. Em 1918 fui preso pela polícia suíça; durante oito meses fui investigado e finalmente acusado de participar da preparação da insurreição, junto com a facção comunista do Partido Social-Democrata. Após a campanha, fui solto, mas no dia seguinte me prenderam de novo e me expulsaram da Suíça por me opor a uma manifestação patriótica. Em 1919 deixei a Suíça e fui para Paris, e em 1920, após uma anistia geral, voltei a Milão».

Em 1920, em Milão, os anarcossindicalistas da USI, junto com a facção maximalista do Partido Socialista Italiano, organizaram uma greve geral. Os grevistas pretendiam impedir a entrada de fura-greves nas fábricas. Para isso, organizaram uma milícia operária que, simultaneamente, realizou sabotagens nas ferrovias e dentro das fábricas. Ghezzi foi um dos organizadores.

Em 23 de março de 1921, o ataque ao Teatro Diana de Milão, perpetrado por anarquistas, causou numerosas vítimas. Como era de se esperar, todos os anarquistas foram alvo de intensa repressão. Acusado de participar do ataque, Ghezzi foi forçado a passar à clandestinidade e não pôde permanecer em Milão. Assim, em junho de 1921, a USI o enviou a Moscou como delegado ao Congresso dos Sindicatos Vermelhos (Profintern), criado por iniciativa de Lenin para angariar o apoio de militantes revolucionários de diversos países, inclusive os anarcossindicalistas.

Primeira visita a Moscou

No congresso da Profintern, Ghezzi fez parte da ala anarcossindicalista. Esta ala apresentou diversas reivindicações, como a preservação da autonomia dos sindicatos operários frente aos partidos políticos e a ideia de uma federação operária livre como alternativa ao conceito de «ditadura do proletariado». Também exigiu a libertação dos anarquistas presos na Rússia e seu livre acesso à ação.

A tentativa de manter a autonomia sindical frente aos partidos políticos não contou com o apoio do congresso. De fato, a Profintern foi criada pelo Kremlin precisamente com o propósito de dominar o movimento operário internacional. No entanto, entre 1921 e 1922, muitos sindicalistas revolucionários se deixaram seduzir pela «vitoriosa Revolução Russa» e se uniram ao Partido Bolchevique. Grande parte da esquerda ficou fascinada pelo bolchevismo e se recusou a admitir, ou a denunciar publicamente (como Victor Serge), os erros e crimes do regime soviético: a repressão da dissidência operária e camponesa, a proibição de toda atividade legal para anarquistas e socialistas, a repressão e a censura.

O dramático protesto de Emma Goldman e Alexander Berkman no congresso da Profintern, que se acorrentaram na sala de reuniões, junto com a pressão exercida sobre a direção bolchevique pelos sindicalistas revolucionários, contribuiu para a libertação de vários anarquistas e anarcossindicalistas russos presos (que haviam realizado uma greve de fome durante sua prisão). A alguns deles foi permitido sair do país.

Neste ponto, sindicalistas não bolcheviques se reuniram em Berlim em dezembro de 1922, dando origem à Associação Internacional dos Trabalhadores, a Internacional Anarcossindicalista.

Após passar aproximadamente três meses em Moscou, Ghezzi viajou para o congresso de Berlim, onde falou em nome da União Sindical Italiana (USI). Entrou ilegalmente na Alemanha e foi preso pela polícia alemã pouco depois do congresso. As autoridades alemãs pretendiam entregá-lo ao Estado italiano para que fosse julgado por sua participação nas milícias operárias. Como testemunhou posteriormente Olga Gaake, sua segunda esposa, ele já havia sido julgado à revelia na Itália e condenado à morte pelo governo fascista. Enquanto esteve detido na Alemanha, a imprensa de esquerda iniciou uma campanha por sua libertação. O advogado de Ghezzi, Michael Frenckel, conseguiu obter um documento que certificava a cidadania soviética de seu cliente; assim, após nove meses de prisão, ele foi libertado: o Ministério das Relações Exteriores soviético lhe emitiu um passaporte em seu nome e Ghezzi pôde retornar a Moscou como cidadão soviético.

Retorno à URSS

Na União Soviética, Ghezzi viveu e trabalhou durante vários anos (1923-1926) em uma pequena comuna agrícola de Yalta (na Crimeia, às margens do Mar Negro), junto com outros anarquistas estrangeiros que haviam emigrado para a Rússia. Entre eles estavam os italianos Otello Gaggi (preso em 1935), Tito Scarselli (falecido antes de 1937), Oscar Scarselli, Nazareno Scarioli e o anarquista francês Robert Ginof.

Ghezzi restabeleceu o contato com anarquistas estrangeiros, assim como com sua família na Itália e com sua primeira esposa, Frieda Bolliger, na Suíça. Mais tarde, a polícia política de Stalin (a GPU) o acusou não apenas de «correspondência antissoviética com elementos anarquistas», mas também de uma visita particular à comuna da filha de Leon Trotsky, embora Ghezzi insistisse que se tratava de «uma visita particular, sem relação com o trotskismo».

Investigador: Nos informaram que durante sua estadia na comuna você trocou correspondência antissoviética com anarquistas estrangeiros. Confirma?

Ghezzi: Claro que sim. Ao retornar à Rússia, não abandonei minhas ideias anarquistas. Declaro que fui e continuo sendo anarquista. Enquanto estive em Yalta, escrevi muitas cartas a meus camaradas no exterior, condenando a política do Partido Comunista em relação à NEP [Nova Política Econômica]. Escrevi a eles que na Rússia eram permitidos o comércio privado e a exploração, e que os anarquistas eram perseguidos. Em uma dessas cartas, escrevi que os bolcheviques haviam preso o anarquista Nikolai Lazarevich, e por esse motivo enviei um protesto à GPU.

Em 1926, Ghezzi se mudou para Moscou e foi contratado como operário na fábrica estatal de «aplicações experimentais». Colaborou com os grupos anarquistas moscovitas, que naquela época operavam de forma semiclandestina (desde meados da década de 1920, os bolcheviques haviam reprimido as principais organizações anarquistas da Rússia e os anarquistas eram presos repetidamente). Apesar de tudo, Ghezzi tentou manter o contato entre os anarquistas russos e os do exterior. Entre seus correspondentes estavam Diego Abad de Santillán na Espanha, Errico Arrigoni e Osvaldo Meraviglia nos Estados Unidos, Luigi Fabbri no Uruguai e anarquistas russos exilados (Mark Mračnyj, Efim Yarchuk e Piotr Arshinov). Ghezzi conseguiu enviar ao exterior um panfleto escrito pelo filósofo anarquista russo Alexei Borovoi por ocasião do décimo aniversário de Outubro. O livro foi publicado no exterior e depois introduzido clandestinamente na Rússia (em 1926 o partido no poder havia proibido todas as atividades da editora anarquista Golos Truda, fundada em 1919 por anarcossindicalistas).

A única oportunidade legal para a atividade anarquista em Moscou era o Museu Kropotkin, dirigido pelos anarquistas que ainda restavam (entre eles Borovoi e Ghezzi). Em 1928, o conflito entre os anarquistas «ideológicos» e os «anarcomísticos» liderados por Alexei Solonovich causou grande rebuliço. Estes últimos, de acordo com a viúva de Kropotkin, Sofia Ananieva-Rabinovich, queriam «despolitizar» o Museu para evitar a repressão bolchevique. Na primavera de 1928, o grupo anarquista foi forçado a abandonar o Museu e formou um grupo à parte que continuou sua atividade libertária.

O novo grupo entrou em contato com Piotr Archinov, que na época publicava em Paris a revista «Delo Truda». Archinov enviou a Moscou sua famosa Plataforma Organizativa que foi debatida no seio do grupo, junto com as críticas de Malatesta. Ghezzi estava entre os opositores. Posteriormente declarou aos investigadores que «não concordava com as propostas disciplinares nem com outras teses contidas na Plataforma».

Bem-vindo ao gulag

Entre maio e junho de 1929, os anarquistas «ideológicos» do Museu Kropotkin foram os primeiros a serem presos, seguidos (em 1930) pelos «anarcomísticos». Ghezzi figurava entre um grupo de doze anarquistas presos e acusados de ser «anarquistas não desarmados que participavam de atividades contrarrevolucionárias contra as políticas do VKPB (Partido Pan-Comunista Bolchevique Russo) e o poder soviético». Em 31 de maio de 1929, Ghezzi foi condenado a três anos de trabalhos forçados e enviado a «isolamento político» em Suzdal, a 250 quilômetros a nordeste de Moscou, onde já residiam centenas de militantes anarquistas e socialistas.

Anarquistas no exterior e várias figuras públicas organizaram uma campanha pela libertação de Ghezzi. O escritor francês Romain Rolland — particularmente ativo na defesa da libertação de socialistas e anarquistas presos na Rússia (Victor Serge foi libertado e pôde sair da Rússia em grande parte graças à sua pressão) — enviou uma carta, junto com outros dezesseis signatários, ao escritor soviético e amigo de Stalin, Máximo Gorki, pedindo-lhe que intercedesse pela libertação de Ghezzi. «Este jovem italiano», escreve Rolland, «é respeitado por todos que o conhecem; desde sua juventude lutou pela libertação do proletariado e pela realização do comunismo… Não há dúvida da dedicação à causa proletária deste ativista íntegro».

Mas Gorki não compreende o compromisso de Rolland com a libertação do famoso anarquista e revolucionário Ghezzi. Para ele, as políticas repressivas do regime soviético contra os anarquistas parecem justificadas, o que provoca um conflito entre Gorki e Rolland, a ponto de sua correspondência praticamente cessar. Finalmente, Gorki levanta o assunto a Stalin e ao chefe da GPU, Genrikh Yagoda, mas eles respondem que é impossível libertar Ghezzi.

Após uma campanha internacional, Ghezzi foi finalmente libertado, mas não lhe foi permitido sair da União Soviética. Inicialmente, em janeiro de 1931, foi libertado do «isolamento político» em Suzdal e enviado ao exílio no Cazaquistão, mas após um mês e meio, todas as sanções foram levantadas e lhe foi concedida permissão para residir em qualquer lugar da URSS. Ele retornou a Moscou e retomou seu trabalho na mesma fábrica onde havia trabalhado antes de sua prisão.

O último sindicalista

Como foi a vida de Ghezzi entre sua libertação e sua posterior prisão seis anos depois? Nas notas coletadas para os investigadores pelo diretor e pelos líderes políticos e sindicais da fábrica, após a prisão de Ghezzi em 1937, lê-se: «Ele tinha formação política. Era de convicções anarcossindicalistas. Durante o tempo que trabalhou para nós, participou de assembleias operárias, mas nunca quis se expressar sobre questões políticas, o que, dado seu histórico político, só pode ser explicado por sua dissidência em relação às atividades do Partido Comunista e do governo soviético».

Ghezzi, no entanto, era uma pessoa emotiva, por isso nem sempre permanecia em silêncio durante as reuniões dos trabalhadores. Victor Serge, ativista da oposição trotskista de esquerda nos anos vinte e início dos anos trinta, escreveu em suas memórias: «Nas duas capitais, Moscou e Leningrado, meus contatos no âmbito do livre-pensamento não passavam de vinte pessoas, muito diferentes em suas opiniões e mentalidades. Magro, rigoroso e vestido como um autêntico proletário, o sindicalista italiano Francesco Ghezzi, da União Italiana de Sindicatos, havia sido recentemente libertado da prisão de Suzdal e falava com veemência da vitória da industrialização. Seu rosto sulcado de rugas brilhava com olhos febris. Mas retornar à fábrica o deprimia: “Vi proletários dormindo junto às máquinas. Sabe que durante os dois anos que estive em confinamento solitário, os salários reais caíram 5 por cento?”, me disse».

Entre 1936 e 1937, Ghezzi tentou acompanhar de perto os acontecimentos da Revolução Espanhola, pois sabia mais do que a imprensa soviética informava. Quando foi preso novamente, os investigadores encontraram cópias de duas cartas dirigidas a líderes bolcheviques nas quais ele pedia para ser enviado à Espanha como voluntário. Provavelmente era uma tentativa desesperada de abandonar a Rússia e, ao mesmo tempo, ser útil à causa anarquista. Durante os interrogatórios, declarou sentir-se «ofendido pelo poder soviético, que me negou a oportunidade de ir à Espanha para participar do movimento revolucionário». Evidentemente, Stalin, que aplicava na Espanha as mesmas políticas repressivas contra os anarquistas que na Rússia, não tinha nenhum interesse em enviar para lá outro anarquista.

A última prisão

Em 5 de novembro de 1937, Ghezzi foi preso novamente. A acusação formal contra ele foi a seguinte: «Como firme anarcossindicalista, realizou agitação contrarrevolucionária em seu local de trabalho». A acusação também continha uma insinuação absurda, mas comum, de que ele era «simpatizante do nazismo alemão». A prisão foi fundamentada no material coletado pelos agentes e nos testemunhos. Oito testemunhas depuseram contra ele, todos funcionários de sua fábrica. Um deles, que conversou com Ghezzi no caminho para casa após o trabalho, declarou: «Ghezzi fez muitas declarações difamatórias sobre o líder operário, o camarada Stalin. Falou-me de um livro publicado na França que contém a biografia de Stalin. Ghezzi disse que o livro continha toda a verdade sobre Stalin, que a revolução não foi feita por ele, mas por aqueles a quem ele agora está julgando. Naquele livro está escrito que Lenin, em seu leito de morte, disse para não permitirem que Stalin se tornasse líder. Informei esses sentimentos contrarrevolucionários à direção sindical, que por sua vez os comunicou ao líder do Partido [da fábrica]».

E aqui está o veredicto de culpabilidade:

As testemunhas entrevistadas (oito pessoas) declararam que Ghezzi… realizou uma ativa agitação contrarrevolucionária dentro da fábrica, difundiu propaganda anarquista e propagou informação falsa sobre a difícil situação dos trabalhadores na URSS. Ao mesmo tempo, difamou a direção do VKPB e o governo soviético. Durante o julgamento do grupo terrorista trotskista contrarrevolucionário, fez propaganda a favor dos inimigos do povo.

«Falou da difícil situação material dos trabalhadores, declarou sua incapacidade de compreender a democracia soviética devido à presença de um partido único e questionou se todos os presos pela NKVD [o novo nome da GPU] eram contrarrevolucionários.»

Ghezzi: «Declaro aos investigadores que fui e continuo sendo anarquista, e ninguém pode mudar estas convicções. Em 1929 afirmei que o trabalho na Rússia era mal pago, que os cargos de liderança eram ocupados por burocratas que contribuíam para a piora da situação dos trabalhadores. Naquela época, discordei abertamente da política do partido, que era muito lenta na reconstrução da economia, o que era a causa de um exército de desempregados na Rússia… Confirmo ter feito numerosas declarações antissoviéticas, assim como meu desacordo com a política sindical do partido. Em 1937 afirmei que não existia uma verdadeira democracia nos sindicatos soviéticos, porque todas as correntes políticas na Rússia estavam reprimidas».

Cabe destacar que uma das testemunhas, interrogada novamente em 1956, quando o caso Ghezzi foi reaberto, recusou-se a confirmar seu testemunho anterior contra ele, alegando que havia sido ameaçado pelos investigadores naquela época.

Por sua parte, Ghezzi, apesar de se encontrar em uma situação similar à de 1984 de Orwell, não sente a necessidade de transigir nem de negar sua responsabilidade. O regime stalinista nunca obteve dele nenhuma confissão pública de ter aderido a ideias «equivocadas», nem o viu «depor as armas perante o partido». Seu nome nunca aparece nos jornais soviéticos entre os opositores e anarquistas que admitiram seus «erros» perante o partido, só para serem assassinados imediatamente depois pela máquina repressiva do Estado. Após sua prisão, a investigação durou um mês. Ele foi interrogado três vezes e não negou nenhuma das declarações que as testemunhas afirmaram ter ouvido. Apenas negou simpatizar com o trotskismo ou outras correntes de oposição dentro do Partido Comunista (embora não tenha negado ter criticado duramente os julgamentos de Stalin contra os «inimigos do povo» e os opositores).

Entre sua prisão e sua condenação, Ghezzi permaneceu preso na Lubianka, a prisão interna da NKVD no centro de Moscou. Posteriormente foi enviado a um campo de trabalho além do Círculo Polar Ártico. Finalmente, em 3 de abril de 1939, a comissão especial da NKVD o sentenciou a oito anos de trabalhos forçados, e duas semanas depois foi enviado a Vorkuta.

Em 1943, outro decreto da NKVD (datado de 13 de janeiro) condenou Ghezzi à morte por fuzilamento por «declarações antissoviéticas»: aparentemente, nem mesmo no campo de prisioneiros ele havia mudado suas opiniões ou seu comportamento. No entanto, a sentença não foi executada porque Ghezzi já havia falecido. Seu atestado de óbito está datado de 3 de agosto de 1942.

Em julho de 1955, Olga Gaake, sua esposa, escreveu uma carta ao líder soviético Nikita Khrushchev, pedindo-lhe que reabrisse o caso de seu marido e o reabilitasse. Em 21 de maio de 1956, o tribunal de Moscou encerrou a revisão do caso de Ghezzi, declarando que «as provas contra ele eram insuficientes» e anulando a sentença da NKVD. Claro, o tribunal não poderia anular a sentença com a fórmula «por não ter cometido o delito», já que Ghezzi sempre foi um anarquista declarado.

«Sem dúvida, continuará sendo para nós o que sempre foi: o companheiro de armas de todos aqueles que lutam pela libertação da classe operária», escreveu Romain Rolland em 1929 em um apelo pela libertação de Francesco Ghezzi. É uma expressão entusiasta que reflete sua época, mas que descreve perfeitamente a vida de Ghezzi, um «anarquista declarado» que se recusou a se curvar diante de Stalin e da máquina de repressão estatal até seu último suspiro.

Fonte: https://redeslibertarias.com/2025/11/18/el-anarquista-ghezzi-contra-stalin/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Ano que termina
areia cheia
conchas mínimas

Alice Ruiz

[França] Passages: uma revista militante por uma ecologia radical e feminista

Lançamento de uma nova revista militante focada na ecologia radical, no feminismo e na crítica anarquista anti-industrial.

Os danos, a poluição, a destruição, os exageros, as dominações perpetradas pela civilização industrial são insuportáveis para nós. Como esse mundo é insuportável, optamos por rejeitá-lo. Essa rejeição não é uma fuga. É a condição prévia para a construção de uma análise honesta do desastre existente e para a implementação de soluções práticas para sair dele. É claro que não temos uma receita mágica para vender para alcançar isso, e desconfiamos daqueles que afirmam ter o segredo. O que propomos a todas as pessoas unidas na recusa deste mundo, que compartilham nossa vontade e nossa raiva, é participar da perpetuação de uma crítica sensível, que se dedica a ir à raiz das coisas. Sem concessões, nenhuma. Para, finalmente, talvez, abrir um caminho.

Passages é uma revista que se inspira na crítica anti-industrial, ecofeminista e antiautoritária.

Em cada número, abordamos um tema em profundidade, pois consideramos essencial, para lutar eficazmente, examinar os pilares sobre os quais se sustenta o mundo mortífero que nos é imposto.

Mas não é tudo: nas páginas de Passages, também falamos, entre outras coisas, de estratégia, das lutas atuais e passadas, tentamos separar o verdadeiro do falso, damos voz àqueles que militam e respondemos às objeções mais comuns. Em resumo, nos esforçamos para estimular a difusão de uma cultura de resistência decididamente radical e feminista.

Mas quem somos nós?

Somos um coletivo de homens e mulheres que compartilham o mesmo amor pela natureza e pela liberdade. Esta revista é a nossa contribuição para a luta.

Títulos publicados ou a serem publicados:

A civilização / A natureza / Feminismo

www.revuepassages.com

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Ameixeiras brancas.
Assim a alva rompe as trevas
deste dia em diante.

Yosa Buson

[Espanha] A mercantilização da memória: turismo nas rotas dos maquis

Em um novo episódio de banalização da memória histórica, o projeto ‘Los emboscados’ pretende converter em atração turística cavernas onde resistiram os maquis nas montanhas de Liébana e Peñarrubia. A proposta, apresentada como uma iniciativa para divulgar a história da guerrilha antifranquista, gerou críticas entre coletivos memorialistas, que denunciam a despolitização e mercantilização de uma luta que custou centenas de vidas.

A Associação Archivo, Guerra y Exilio (AGE) foi uma das vozes mais críticas a respeito, assinalando a hipocrisia do Estado espanhol ao não reconhecer os guerrilheiros antifranquistas como combatentes da República enquanto permite que sua memória se transforme em um produto de consumo. “A resistência ao franquismo não foi uma aventura romântica nem um relato para turistas, mas uma luta desesperada pela liberdade em condições extremas. Muitos daqueles combatentes foram assassinados, torturados e condenados ao esquecimento, e agora se pretende lucrar com seu sacrifício sem um reconhecimento real”, denunciam desde AGE.

Este tipo de projetos apresenta a guerrilha antifranquista como um fenômeno isolado, quase folclórico, desvinculado do contexto de repressão brutal que o originou. Em lugar de transmitir a mensagem política e revolucionária dos maquis, os reduzem a uma curiosidade histórica, uma “aventura” para trilheiros e turistas.

Enquanto em países como França a resistência armada contra o fascismo é honrada com reconhecimento oficial e faz parte do currículo escolar, na Espanha segue sendo um tema marginal na educação pública. A memória da luta guerrilheira, longe de ser reivindicada, se converte em uma atração para excursionistas, despojando-a de seu significado político e da crueza da repressão que sofreram seus protagonistas.

AGE reclama que, em lugar de promover visitas turísticas sem contexto crítico, se exija uma verdadeira reparação e reconhecimento dos combatentes antifranquistas. Isto incluiria seu reconhecimento como parte da luta contra o franquismo, sua inclusão nos programas educativos e a preservação de seus espaços de resistência como lugares de memória e não de lazer.

A história da guerrilha antifranquista não pode ser convertida em um produto de consumo para os que buscam uma experiência diferente na natureza. Sua memória deve ser defendida desde o compromisso político e a justiça histórica, sem cair na frivolidade de converter em anedota o que foi uma luta pela liberdade.

Fonte: https://www.briega.org/es/noticias/mercantilizacion-memoria-turismo-rutas-maquis 

Tradução > Sol de Abril

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ao pé da janela
dormimos no chão
eu e o luar

Rogério Martins

[Canadá] Ativistas roubam US$ 3.000 em alimentos de um supermercado para redistribuí-los gratuitamente

Um grupo chamado “Robins des ruelles” reivindicou o roubo de milhares de dólares em alimentos, ocorrido em 15 de dezembro em um supermercado Metro na rua Laurier, em Montreal.

O grupo autônomo e anônimo divulgou imagens de pessoas vestidas de Papai Noel e duendes em um supermercado no bairro de Plateau-Mont-Royal.

Os “Robins des ruelles” também publicaram uma foto dos alimentos em sacolas de Natal, sob a árvore da praça Valois, com um cartaz indicando “O Natal é caro!” e “comida de graça”.

O restante teria sido distribuído nas “inúmeras geladeiras comunitárias da cidade”, de acordo com um comunicado publicado pela conta do Instagram “Les Soulèvements du Fleuve”, que compartilha as ações de grupos autônomos.

As autoridades confirmaram que um furto em loja envolvendo várias pessoas mascaradas e fantasiadas ocorreu no dia 15 de dezembro às 21h40 em um hipermercado na rua Laurier. Os indivíduos teriam saído do estabelecimento com os alimentos sem pagar. Não houve feridos nem prisões.

“Eles são os bandidos”

Em um comunicado, os “Robins des ruelles” explicam suas motivações por trás da ação direta que chamaram de “la grande guignolée”.

“Trabalhamos cada vez mais, apenas para poder comprar o que comer em redes de supermercados que se aproveitam da inflação para obter lucros recordes”, pode-se ler no comunicado.

“Não há outra maneira de dizer: um punhado de empresas mantém nossas necessidades vitais como reféns. Elas continuam sufocando a população, para sugar o máximo de dinheiro possível. Para nós, isso é roubo e eles são os bandidos”, afirmam os “Robins des ruelles”.

Eles consideram esses roubos como “um apelo para nos organizarmos juntos contra a máfia alimentar e a agroindústria”.

agência de notícias anarquistas-ana

Ação direta: o faço
é mais verdadeiro que
o prometo vazio.

Liberto Herrera

Dinamarca: Contradição capitalista e radicalidade, viagem a Christiania

Mais ou menos tolerada há mais de 50 anos pelo governo dinamarquês, Christiania é um bairro autônomo de Copenhague. Nos últimos anos, ela luta para manter suas linhas políticas.

A comuna livre de Christiania é um bairro de Copenhague que se rebelou em 1971 contra a sociedade burguesa e conservadora dinamarquesa. No início, um grupo de jovens provos [1] decidiu ocupar o bairro do antigo quartel de Bådsmandsstræde, destruindo suas barreiras: a comuna livre nasceu. Inicialmente, era um local de habitação autogerido, mas também um espaço de experimentação artística e política: ateliês de artistas, cantinas autogeridas… Hoje, ela conta com cerca de 800 habitantes.

A comuna livre resistiu por muito tempo ao governo dinamarquês, como uma ZAD urbana onde as convenções sociais burguesas seriam abolidas. Isso não impede que certas regras estejam presentes em Christiania, como a proibição da violência, bem como a presença de drogas pesadas e gangues de motociclistas, fortemente ligadas ao tráfico. Após vários meses de batalha entre os “cristianitas” e a polícia, o Estado dinamarquês acabou por reconhecer um estatuto especial de “local de experimentação social”, o que permitiu não entregar o bairro aos promotores imobiliários e manter um status quo em torno da sua existência.

Infelizmente, no início dos anos 2000, um novo primeiro-ministro dinamarquês decidiu acabar com Christiania, acusando-a de ser um bairro de tráfico de drogas. É verdade que, até 2023, a famosa Pusherstreet – literalmente “rua dos traficantes” – era um local de venda de cannabis, prática que sempre foi tolerada em Christiania. Uma tentativa de demolir o bairro com escavadoras não teve sucesso, pois as noites de tumultos que se seguiram à destruição de uma casa foram intensas. Os cristianitas se reuniram para comprar suas próprias casas do Estado, o que permitiu salvar a comuna livre.

O fechamento da Pusherstreet cristaliza hoje muitas contradições. Desde os anos 70, essa rua era um local de venda de cannabis, inicialmente vendida pelos próprios moradores, mas aos poucos a venda caiu nas mãos de gangues vindas de outros bairros de Copenhague. Às vezes, havia brigas muito violentas entre traficantes, que levavam a tiroteios. Os moradores, sobrecarregados por esse nível de violência, acabaram por recorrer à polícia, sendo totalmente incapazes de se defender contra essas gangues.

A Pusherstreet foi então fechada para preservar o bairro e também para garantir a segurança dos turistas. De fato, as características únicas do bairro fazem dele hoje uma atração turística que atrai cerca de um milhão de visitantes por ano.

Christiania enfrenta hoje contradições muito importantes: manter viva a radicalidade do bairro, continuar lutando pela sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, receber turistas para garantir uma renda aos cristianitas, o que, em um país campeão da “flexisegurança”, é uma questão de sobrevivência. Infelizmente, o aspecto político de Christiania nem sempre está no centro desse turismo, pois alguns veem o bairro principalmente como um bairro de hippies com casas de arquitetura incomum.

Mas a Comuna Livre ainda está lá, apesar da revogação de seu estatuto especial e, sobretudo, apesar das contradições que a atravessam, entre radicalismo, repressão e tentações reformistas. Bevar Christiania! [2]

Thomas Puppy Meinhof (UCL Alsácia)

[1] O movimento Provo é um grupo anarquista ecologista, antimonarquista e anti-imperialista ativo na Holanda de 1965 até a década de 1970.

[2] “Preservemos Christiania!” em dinamarquês.

Thomas Puppy Meinhof (UCL Alsace)

Fonte: https://www.unioncommunistelibertaire.org/?Danemark-Contradiction-capitaliste-et-radicalite-voyage-a-Christiania

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Toda a beleza
do muro verde da montanha
traz saudade

David Rodrigues

[França] Um ativista antifascista enfrenta extradição e até 21 anos de prisão por se opor a neonazistas.

Acusado pela Hungria de Viktor Orbán de violência contra uma marcha neonazista em Budapeste, o ativista antifascista Gino voltou a ser alvo de um mandado de prisão europeu. Ele foi detido na região de Paris.

Em 16 de dezembro, o ativista antifascista Rexhino Abazaj, nascido na Albânia e conhecido como Gino, foi preso e detido na região de Paris. A prisão, efetuada por agentes da Subdireção Antiterrorista da Polícia Judiciária (SDAT), ocorreu em resposta a um mandado de prisão europeu emitido pela Alemanha contra o ativista.

Ele está sendo processado na Hungria por atos de violência supostamente cometidos contra neonazistas em Budapeste. Após um mandado de prisão europeu inicial emitido pela Hungria, Gino já havia sido detido na França de novembro de 2024 a fevereiro de 2025. Ele é acusado – juntamente com cerca de outras dez pessoas – de ter participado de atos de violência contra neonazistas em 2023, durante uma marcha de extrema-direita organizada anualmente na capital húngara: o “Dia da Honra”, que reúne cerca de quinhentos participantes e comemora a aliança entre soldados da Waffen-SS e soldados húngaros durante o cerco de Budapeste pelo Exército Vermelho no inverno de 1945 (a ditadura húngara era então aliada de Hitler).

Os riscos de um julgamento injusto

Se extraditado para a Hungria de Viktor Orbán, Gino pode enfrentar até 21 anos de prisão. Em fevereiro de 2025, o Tribunal de Apelação de Paris negou sua extradição, considerando os riscos de um julgamento injusto e de más condições de detenção muito elevados. O ativista foi, portanto, libertado sob supervisão judicial. Entre os outros indivíduos que receberam mandados de prisão semelhantes neste caso, a eurodeputada italiana Ilaria Salis foi libertada em junho de 2024, após sua eleição para o Parlamento Europeu. Maja T., cidadã alemã, foi extraditada pela Alemanha para a Hungria no verão de 2024.

Gino conta com o apoio de diversos coletivos que denunciam as políticas repressivas húngaras. Entre eles, o Comitê de Solidariedade de Budapeste, fundado após sua primeira prisão em novembro de 2024, também defende outros casos semelhantes, notadamente o de Zaid, um ativista antifascista de origem síria, e o de Maja, que está detida na Hungria há mais de um ano e aguarda julgamento, ao final do qual ambos podem ser condenados a até 24 anos de prisão.

Se a extradição, desta vez para a Alemanha, for confirmada em 24 de dezembro, Gino corre o risco de ser entregue às autoridades húngaras, como aconteceu com Maja. A situação é particularmente alarmante, dadas as condições prisionais do país. Em um relatório publicado em 16 de dezembro de 2025, o Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura e de Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) expressou grave preocupação com as condições de detenção nas prisões húngaras, especialmente em Tiszalök.

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Fundo de quintal…
Silêncio. No velho muro,
uns cacos de sol…

Jorge Fonseca Jr.

[França] O exílio cubano, entre a peste e a cólera

por Floréal | 15 de dezembro de 2025

Assim que se soube o resultado das eleições presidenciais no Chile, que viram a vitória do candidato de extrema direita José Antonio Kast, muitos exilados cubanos, especialmente nos Estados Unidos, comemoraram publicamente, assim como haviam comemorado anteriormente a eleição de Trump para a Casa Branca. Embora alguns deles tenham se mostrado um pouco decepcionados com este último, de quem esperavam uma política muito mais hostil ao regime comunista da ilha, isso obviamente não os levou a posições mais moderadas.

Quando se denuncia, com razão, as inúmeras violações dos direitos humanos cometidas pelo regime castrista e sua sinistra polícia política, há algo de francamente lamentável em exibir a alegria de ver eleito um admirador de Pinochet, principal responsável pela morte de 3.200 pessoas e pela detenção ilegal de quase 30.000 outras, com tudo o que isso implicava em termos de humilhação e tortura. Em matéria de violações dos direitos humanos, denunciar uns e esquecer voluntariamente outros não é moralmente nem humanamente sustentável. É uma pena que muitos exilados cubanos não estejam manifestamente convencidos disso. Na verdade, muito poucos deles se interessam realmente pelo perfil político desses candidatos de direita, moderados ou extremistas. Eles se limitam a uma visão “cubano-centrada”, perguntando-se em que medida um país não governado pela esquerda poderá prejudicar a ditadura cubana. Isso lhes basta.

O ódio ao comunismo à maneira castrista, amplamente justificado tendo em conta o que esses cubanos viveram e o que os seus compatriotas continuam a viver no país, faz com que, infelizmente, se voltem com demasiada frequência para a extrema direita, que também sabe muito bem como suprimir muitas liberdades individuais ou coletivas. Quando a opção que a política impõe se limita a escolher entre a peste e a cólera, é porque o mundo está decididamente muito mal, e, portanto, ninguém é obrigado a fazer uma escolha.

florealanar.wordpress.com

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a lua na rua:
um gato lentamente
torna-se minguante.

André Ricardo Aguiar

[EUA] Tudo o que eu quero para o Natal | Rumo à abolição do Natal

Tudo o que eu quero para o Natal é a abolição do Natal.

Não apenas neste ano, 5784, ou no chamado 2023, mas especialmente neste ano.

Não há como separar o Natal e seus símbolos da supremacia cristã branca, do cristofascismo e do sionismo cristão, entre outros nomes para uma lógica que remodelou brutalmente o mundo inteiro desde 1492.

É uma supremacia tão poderosa, tão hegemônica, que pode parecer invisível. Ela estrutura tudo e, ao mesmo tempo, faz-se passar pelo ar que “nós” respiramos, ou como se partes dela pudessem ser benignas ou usadas em solidariedade para promover “boa vontade e paz” entre aqueles que ela despojou, deslocou, assassinou/genocidou e apagou das terras às línguas, calendários, rituais, culturas e corpos. Nem mesmo os mortos encontram boa vontade ou paz.

É uma supremacia inseparável das histórias do colonialismo e do capitalismo, do antissemitismo e da islamofobia, do patriarcado e da heteronormatividade. E que, no total, talvez tenha massacrado bilhões de pessoas a mais do que qualquer outro regime, povos indígenas, povos negros e racializados, muçulmanos e judeus, pessoas queer e mulheres, e a contagem de mortos poderia continuar.

Talvez exista um “Natal” que pudesse ser redimido, muito depois da abolição da supremacia cristã e de sua sede fascista por sangue, muito depois da abolição da “temporada de festas” e de “Cristo nosso salvador”, e de Jesus como qualquer coisa além de um entre bilhões de meros mortais que foram e são forragem para o culto da morte de uma ordem social supremacista cristã branca; muito depois de nossa memória corporal ter esquecido as ondas de assassinato perpetradas pela supremacia cristã neste ano em Gaza e, em anos anteriores, contra outros, como quando nós, judeus, tínhamos de nos esconder no Natal para evitar um destino semelhante.

Estamos muito longe desse tempo, como o genocídio contra os palestinos neste momento deixa dolorosamente claro.

O que temos, em vez disso, são e devem ser nossos #RituaisDeResistência milenares, que a supremacia cristã tentou com tanto empenho roubar, perverter e esmagar; nossas formas de solidariedade para além e sem a necessidade de Estados e fronteiras, padres ou papas, onde quer que estejamos na diáspora; e nossos espíritos rebeldes, que não buscam salvador algum.

Cindy Milstein

Tradução > Contrafatual

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Cigarras em coro
Ecoam no cemitério
Quebrando o silêncio.

Neide Rocha Portugal

Breve declaração sobre a insurreição na Indonésia e a repressão subsequente

A seguinte declaração do Palang Hitam / ABC Indonésia foi transmitida ao vivo na segunda-feira, 9 de dezembro, entre 11h e 13h (CET), na Rádio Blackout. O nome do programa é “bello come una prigione che brucia” (Bonito como uma prisão em chamas), um programa transmitido há 20 anos contra prisões, repressão, vigilância, tecnologias militares e IA. A Rádio Blackout é uma rádio autônoma (FM em Turim, Itália, e streaming em outros lugares), fundada em 1992 como um projeto comum autogerido por ocupações locais, centros sociais e diversos coletivos e indivíduos (antifascistas, antiautoritários, anticapitalistas, anti muitas coisas, com camaradas de diferentes vertentes do anarquismo e do comunismo).

De agosto ao início de setembro de 2025, a Indonésia foi atingida por manifestações e tumultos desencadeados pela indignação pública diante de políticas governamentais consideradas prejudiciais ao povo. Os principais gatilhos desses protestos foram aumentos drásticos no custo de vida, incluindo os preços dos alimentos e os custos da educação, bem como demissões em massa que afetaram muitos trabalhadores. Além disso, aumentos nos impostos sobre terras e edificações, impostos por governos locais em decorrência de cortes de financiamento do governo central, agravaram ainda mais a situação. A frustração pública atingiu o auge quando surgiram propostas para aumentar os auxílios e salários dos membros da Câmara dos Representantes (DPR), o que pareceu ignorar o sofrimento da população.

Inicialmente, a indignação pública se manifestou apenas nas redes sociais, com apelos pela dissolução da Câmara dos Representantes. No entanto, a resposta de membros da Câmara, especialmente Ahmad Sahroni, que chamou os críticos de “as pessoas mais estúpidas do mundo”, apenas piorou a situação. Em 25 de agosto, a raiva explodiu na forma de uma grande manifestação em frente ao prédio da Câmara dos Representantes, que terminou em caos, com confrontos entre manifestantes e a polícia.

Essa primeira manifestação contou com a participação de diversos setores da sociedade, como motoristas de aplicativos de mototáxi, estudantes de escolas técnicas e membros do público em geral não vinculados a nenhuma organização específica. Embora os cartazes produzidos por eles tenham sido ridicularizados por alguns ativistas pró-democracia por serem mal elaborados e, portanto, supostamente “feitos por agentes de inteligência”, os protestos continuaram. Suas reivindicações se concentravam na eliminação dos auxílios aos membros da Câmara dos Representantes, considerados excessivamente dispendiosos, na aprovação do Projeto de Lei de Confisco de Ativos e na rejeição de uma série de outros projetos de lei controversos.

Nos dias 26 e 27 de agosto, as manifestações continuaram, apesar da diminuição do número de participantes. Muitos estudantes passaram a realizar debates abertos, indicando que a questão da Câmara dos Representantes estava ganhando atenção pública. No entanto, novos tumultos eclodiram em 28 de agosto, quando manifestações trabalhistas em várias grandes cidades exigiram aumento do salário mínimo, a abolição do sistema de terceirização e mudanças na Lei do Trabalho. Em Jacarta, os protestos trabalhistas em frente ao prédio da Câmara dos Representantes e ao Palácio do Estado terminaram em confrontos, que se intensificaram após a morte de um motorista de mototáxi por aplicativo chamado Affan Kurniawan, atingido por um veículo blindado da polícia em Pejompongan, Jacarta Central. O incidente foi registrado em vídeo e viralizou, provocando ainda mais indignação.

Desde o início de 29 de agosto, motoristas de mototáxi por aplicativo se reuniram na sede da Brigada Móvel de Kwitang, exigindo justiça pela morte de Affan e responsabilização da polícia pela violência contra os manifestantes. A multidão cresceu, com a adesão de estudantes, e a manifestação se deslocou para delegacias de polícia e prédios governamentais. No entanto, apesar das negociações, o público ficou insatisfeito com os resultados, e novos tumultos eclodiram, paralisando o transporte público e levando ao fechamento de várias estações.

Os tumultos se espalharam para diversas grandes cidades fora de Jacarta. Houve outros 34 focos de conflito fora da capital, onde instalações públicas, delegacias de polícia e prédios de conselhos locais foram incendiados pela multidão. Nos dias 30 e 31 de agosto, as tensões se intensificaram após a revelação de que vários membros da Câmara dos Representantes, incluindo Ahmad Sahroni, estavam no exterior. Essa notícia alimentou ainda mais a raiva popular, levando à invasão das casas de Sahroni e de vários outros membros da Câmara, bem como de autoridades governamentais como a ministra das Finanças, Sri Mulyani. Suas residências foram saqueadas por uma multidão que já não conseguia conter sua fúria.

Naquela noite, houve queda de energia nas imediações da sede da Brigada Móvel, e as forças policiais mobilizadas para controlar os distúrbios utilizaram gás lacrimogêneo e disparos de arma de fogo para dispersar a multidão. As forças armadas e a polícia realizaram operações de varredura em diversas áreas para reprimir os envolvidos nos tumultos. Essa repressão continuou nos dias seguintes, elevando as tensões em toda a Indonésia. O governo indonésio passou a rotular os manifestantes com acusações que iam de terrorismo a traição. Em vez de atender às reivindicações apresentadas durante as manifestações, o governo respondeu com repressão contínua e um recuo no processo de democratização.

Essa revolta popular foi essencialmente impulsionada por pessoas comuns, em particular estudantes do ensino médio, desempregados e a comunidade de mototáxis por aplicativo, forças que haviam sido subestimadas e consideradas “politicamente inconscientes” por ativistas de classe média e pela maioria da esquerda. Esses rebeldes não são pessoas que agem a partir da leitura de livros marxistas ou anarquistas. Eles estão nas ruas porque as informações que circulam nas redes sociais provocaram sua raiva; uma raiva que, em seguida, é moderada pela classe média que grita “não destruam equipamentos públicos”, “não sejam anarquistas”, “não se deixem provocar” e, por fim, formula uma série de demandas longas e prolixas chamadas “17+8”, em 1º de setembro, apenas para apagar o fogo e a indignação (as demandas “17+8”, que nunca foram concretizadas até hoje). É verdade que a multidão ainda carece de inteligência prática. Mas, evidentemente, isso não é culpa dela. Trata-se de pessoas que sempre foram sacrificadas pelo Estado e até mesmo pelas elites da oposição que se autodenominam “revolucionárias”, cresceram com a compreensão de que a raiva precisa encontrar uma válvula de escape.

Então, quando os incêndios cessaram em todos os lugares, quando governantes e elites políticas se desculparam publicamente, ninguém pôde dizer com certeza como tudo havia começado. Houve muita articulação, discussão, criação de redes entre diferentes ideologias, campanhas políticas etc.; mas o que aconteceu em agosto de 2025 foi um festival de insurreição que ninguém poderia ter previsto. Mesmo quando as manifestações começaram, até a morte de Affan Kurniawan como ponto de ebulição da raiva pública, esses protestos ainda eram vistos como “manifestações encenadas” em benefício dos que detêm o poder, o que, ironicamente, foi amplamente promovido pela maioria dos ativistas pró-democracia de classe média e seus seguidores.

Agora, após os tumultos, a polícia prendeu muitas pessoas, incluindo anarquistas egoístas/niilistas, mas a maioria delas são vítimas de prisões arbitrárias que sequer participaram das manifestações. Elas são acusadas de serem mentores, provocadores, atores intelectuais e rotuladas como “grupos de estrelas do caos”. Enquanto isso, membros da DPR como Ahmad Sahroni, que desencadearam a indignação pública, permanecem em seus cargos e não foram destituídos. Recentemente, a DPR aprovou uma revisão do Código de Processo Penal que permite à polícia prender pessoas sem provas e realizar escutas telefônicas secretas, bem como gravar e adulterar dispositivos digitais.

Palang Hitam / ABC Indonésia

Fonte: https://darknights.noblogs.org/post/2025/12/08/brief-statement-about-the-insurrection-in-indonesia-and-the-subsequent-repression/

Tradução > Contrafatual

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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/12/17/indonesia-oito-detidos-anarquistas-do-caso-chaos-star-foram-transferidos-apos-audiencia/

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O jantar chique: máscaras
de prata sobre a podridão
do lucro fácil.

Liberto Herrera

[Alemanha] ACAB-Day | Manifestação em Berlim contra a violência policial reúne milhares de pessoas

Berlim.1312. Cerca de 3 mil pessoas marcharam por Friedrichshain em 13 de dezembro de 2025, sob o lema “Guerra ao Sistema – ACAB”, contra a violência policial, a guerra e em solidariedade a Gaza.

A polícia estava presente em grande número, com mais de 500 policiais. A manifestação começou pouco antes das 20h na Helsingforser Platz e seguiu pela Marchlewskistraße, entre outras ruas. O protesto também passou pela delegacia de Wedekind, onde foram relatados repetidos casos de violência policial, houve gritos e fogos de artifício. Neste momento a polícia interrompeu temporariamente a manifestação.

Mais tarde, na rua Rigaer Straße, a polícia interrompeu a manifestação novamente e, sem provocação, atacou brutalmente a frente da marcha, dispersando o protesto. Vinte pessoas foram presas sob a acusação de usar símbolos de organizações inconstitucionais e resistir à prisão. Apesar da dispersão, foi, no geral, uma manifestação ruidosa e impactante, repetidamente recebida com fogos de artifício de telhados e ruas laterais.

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Pichação no muro:
a tinta é verbo, o muro
é a página do povo.

Liberto Herrera

[Espanha] ESPORAS: uma revista libertária de crítica de livros

Em pleno século XXI, lançar uma revista em papel pode parecer um gesto absolutamente anacrônico. No entanto, para nós, também pode ser um ato de resistência e uma afirmação da leitura crítica frente à mercantilização da cultura. Esporas surge com um propósito claro: reivindicar o trabalho autônomo e emancipatório das editoras libertárias, visibilizar as propostas do mundo libertário e para o mundo libertário, e contribuir para a construção de uma memória coletiva.

Esporas não nasce do nada. Surge das cinzas, de projetos que não chegaram a iniciar, e também da distância: dos que, ainda que geograficamente dispersos, sabem que estão perto em ideias e afetos. Após diversos encontros informais, sentimos a necessidade de manter vínculos, fortalecer redes e normalizar as relações geradas em feiras, encontros e outros espaços de sociabilidade do livro libertário.

A revista, cujo primeiro número já viu a luz, se apresenta em formato A5 a cores. É gratuita, coletiva e horizontal: funciona mediante assembleia e reúne escritoras, historiadoras, filólogas, eletricistas, editoras, corretoras e bibliotecárias, com um ponto em comum: o compromisso com a difusão de ideias libertárias e a paixão pelo mundo do livro.

Estrutura-se em várias seções, que poderão variar em futuros números: resenhas longas, entrevistas e crônicas, olhares fugazes (resenhas breves), agenda de encontros e listas de publicação. Seu objetivo é mostrar a riqueza e vitalidade de um tecido editorial vivo, que surge, aparece e desaparece, e oferecer sugestões que ajudem a ler, pensar e organizar-se criticamente. Esporas quer visibilizar livros libertários atuais ou aqueles cuja perspectiva aporte um olhar antiautoritário. Também busca fortalecer redes locais e internacionais, incluindo colaborações com iniciativas na América e a edição conjunta de livros.

A revista está aberta: quem deseje participar, enviar propostas ou colaborar são bem vindos. A ampliação e conexão contínuas são uma prioridade, porque cremos que a circulação de ideias e experiências fortalece a autonomia e a organização coletiva. Esporas não é um círculo de leitores, nem um espaço de venda de livros, nem um lugar de autorrepresentação. É um projeto de memória, autoafirmação e cooperação: um espaço para fortalecer a lucidez, a autonomia e a colaboração em um contexto no qual estas seguem sendo mais necessárias do que nunca.

Definitivamente, a revista é uma ferramenta para ler, pensar, organizar-se e tecer redes; um espaço aberto que convida a somar vozes, propostas e experiências, manter viva a cultura libertária e fortalecer os vínculos que nos permitem resistir e criar coletivamente.

Assembleia Esporas

P.S.: O número 01 já pode ser baixado em nossa web:

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

A ética nasce
do apoio mútuo, não
de tábuas de pedra.

Liberto Herrera

[Itália] Eu venho te devolver um pouco do teu terror, da tua desordem, do teu barulho.

Com um pensamento aos nossos companheiros e companheiras no cárcere e em prisão domiciliar, com um pensamento a quem continua lutando dentro e fora das prisões, a dizer que a prisão é uma merda e que o 41-bis é tortura. E a reafirmar que, apesar de tentarem quebrar a solidariedade, apesar de suas tentativas de nos isolar, nos assustar, nos separar dos nossos afetos mais queridos, tentando nos apertar na mordaça da tristeza e da repressão; apesar dos anos de prisão com os quais gostariam de enterrar vivos os nossos companheiros e companheiras, nós estamos e estaremos sempre ao lado deles, nas ruas, nas praças, debaixo das prisões. Que a solidariedade derrube esses muros infames.

ATÉ QUE DE CADA PRISÃO NÃO RESTEM SENÃO ESCOMBROS

ALE, BAK, LUIGI LIVRE

TODOS E TODAS LIVRES

Fonte: https://brughiere.noblogs.org/post/2025/12/15/io-vengo-a-restituirti-un-po-del-tuo-terrore-del-tuo-disordine-del-tuo-rumore/

agência de notícias anarquistas-ana

O pudor, um véu
para esconder o terror
da hipocrisia.

Liberto Herrera

[Espanha] Novidade editorial: “Solidaridad Internacional Antifascista (SIA) en la Guerra Civil Española”, de Anna Pastor Roldán

Com o nascimento da Solidaridad Internacional Antifascista (SIA) em 1.937, se concretizaram duas realidades: uma, a solidariedade internacional entre anarquistas foi sempre um imperativo moral do anarquismo, e, dois, era manifesta a necessidade de criar um organismo que velasse pelos interesses dos filhos e filhas da militância libertária em plena guerra; em um momento, ademais, em que as conquistas revolucionárias estavam sendo atacadas sistematicamente desde diversos âmbitos de poder hostis ao movimento libertário e suas organizações.

Este ensaio é uma aproximação histórica ao papel político e os projetos de melhoramento social que motivaram o trabalho humanitário, a retórica e a ação revolucionária da SIA. Também é uma reflexão desde o presente, pois pretende compreender por que a solidariedade é um valor do qual jamais devemos nos desprender. A necessitaram na ocasião, a necessitamos agora. Nela vivem os últimos lampejos de nossa humanidade.

Anna Pastor Roldán (L’Hospitalet de Llobregat, 1993). Graduada em Humanidades e mestre em História Contemporânea. Orienta suas investigações a projetos de recuperação de memória histórica e valorização do legado libertário na Espanha. Explora propostas pedagógicas que contribuam a construir um relato da memória antifascista e revolucionária desde a educação não formal.

Solidaridad Internacional Antifascista (SIA) en la Guerra Civil Española

Autor: Anna Pastor Roldán

ISBN: 979-13-990905-1-2

Medidas: 195 mm. x 125 mm.

Páginas: 163

2025

14,00 € IVA incluido

piedrapapellibros.com

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Ruído de chinelos
No quintal do lado –
Mas que calor…

Paulo Franchetti

A Justiça da Bolívia encerra caso Caza & Safari: não investigará mais a empresa argentina que promovia a caça de jaguares

Por Iván Paredes Tamayo | 16/12/2025

A Justiça da Bolívia encerrou o caso Caza & Safari, no qual se investigava uma empresa argentina que vendia pacotes turísticos para viajar à Bolívia e matar jaguares na região do Pantanal. Os demandantes acusam a Promotoria de Santa Cruz de não revisar as provas apresentadas e de evitar dar informação sobre o processo.

O dono da companhia Caza & Safari, Jorge Néstor Noya, é acusado na Argentina de ser o principal artífice do maior caso de tráfico de fauna silvestre desse país.

O jaguar é uma espécie protegida na região. Estima-se que na Bolívia só restam um pouco mais de 3000 indivíduos, segundo o biólogo Huáscar Bustillos. A lei proíbe sua caça e os especialistas pedem que se mude sua categoria de vulnerável para em perigo.

Na Bolívia, Noya levou clientes de maneira irregular para caçar jaguares na zona oriental desse país. O fez durante mais de 30 oportunidades desde a década de 1980. Noya foi processado em seu país e a investigação teve relevância regional, já que o negócio deste caçador também chegou ao Paraguai, Brasil e inclusive alguns países da África.

Rodrigo Herrera, advogado boliviano que levou o caso com a parte demandante, que é a ativista Lisa Mirella Corti e o guarda parque Marcos Uzquiano, explicou a Mongabay Latam que na Bolívia se introduziu uma demanda penal em dezembro de 2024 e que logo se formou uma comissão de investigação formada pela Promotoria do município de San Matías (fronteira com o Brasil), a Promotoria especializada em delitos ambientais de Santa Cruz e a Promotoria Geral, que tem sede na cidade de Sucre.

“Todo este tempo, como parte demandante, apresentamos à Promotoria muitas provas, muitas evidências e também se remeteu o informe oficial da promotoria argentina no qual se mostra informação coletada do telefone celular do senhor Noya que confirmava que ele estava na Bolívia em novembro de 2023 realizando a caça ilegal do jaguar”, detalhou Herrera.

O advogado acrescentou que esperaram a resposta da Promotoria boliviana e que em julho deste ano o processo já não se encontrava no sistema digital do Ministério Público da Bolívia. “Na Promotoria de Santa Cruz nos disseram que o promotor de San Matías havia encerrado o caso por insuficientes provas”, disse. Herrera disse que não foram notificados na data com a extinção do processo e afirmou que seguirão insistindo em um julgamento contra Noya na Bolívia.

No marco deste caso, na Argentina se fizeram 12 buscas na província de Buenos Aires, na cidade de Buenos Aires e na província de Santiago del Estero. Também embargaram 37 veículos automotores, os quais eram propriedade dos acusados, vários deles de alta gama. Embargou-se também um imóvel de grande valor situado na costa atlântica argentina que era propriedade de um dos supostos chefes da organização e também foram embargados os três terrenos de caça nos quais se haviam feito as caçadas ilegais.

Esse processo se instalou na Promotoria Federal 1 de Lomas de Zamora, que é a que instruiu a investigação, e também interveio o Tribunal Federal 2 de Lomas de Zamora. Neste caso, segundo a investigação, também se apreenderam 44 armas de fogo, que haviam sido utilizadas para entregá-las aos clientes estrangeiros do argentino Noya, com as quais haviam realizado as atividades cinegéticas (técnicas e mecanismos para caçar) ilegais.

A provisão de armas de fogo aos clientes de Noya se fazia – segundo a investigação – sem que estes tivessem permissões para caçar nem tampouco permissões para usar armas de fogo na Argentina e na Bolívia.

Os “troféus”

Durante os operativos se apreenderam 7951 taxidermias, quer dizer, animais dissecados para conservá-los com aparência de seres vivos. Este processo de taxidermia se realizava – segundo a investigação – em oficinas ilegais na Argentina e logo esses “troféus” eram enviados aos países dos clientes caçadores.

Na investigação incluem-se detalhes das viagens e clientes de Noya. O caçador argentino recebia seus clientes, a maioria de nacionalidade estadunidense e espanhóis, na Argentina. Desde ali, os levava até a cidade de São Paulo e logo a Cuiabá, perto da fronteira com Bolívia. Desde Cuiabá ingressava com os caçadores em pequeno avião a vários destinos do oriente boliviano, onde buscavam jaguares para matá-los.

Lisa Mirella Corti, que é uma das denunciantes do caso na Bolívia e parte do coletivo El llanto del Jaguar, explicou a Mongabay Latam que na Bolívia a demanda se apresentou em dezembro de 2024, após conhecer os atos que havia cometido Noya na Bolívia, principalmente na Área Natural de Manejo Integrado (ANMI) San Matías, que é a segunda maior reserva da Bolívia.

“Admitiu-se a denúncia, mas no processo de investigação a rejeitaram. Nos tiraram do sistema digital faz uns meses e agora não podemos acessar a informação do caso. Nos disseram que rejeitaram o caso porque o promotor de San Matías disse que não há provas suficientes, mas isso é incorreto, já que apresentamos todas as provas, como uma foto de Noya com um jaguar morto na Bolívia”, disse Mirella Corti.

A ativista acrescentou que na Bolívia não se fez nenhuma busca e que não se gastaram recursos econômicos para levar adiante a investigação. “Este é um crime transnacional. Nós vamos reativar o caso e queremos que se impute Noya para pedir sua extradição”, ressaltou Mirella Corti.

Mongabay Latam contatou com a Promotoria de Santa Cruz para pedir informação e confirmou que esse caso foi encerrado pela Promotoria de San Matías. Esta última dependência evitou dar declarações sobre o tema.

A Promotoria de Santa Cruz explicou a este meio que no marco desta investigação pediu-se, por exemplo, informação ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA) para determinar se o prédio onde ocorreram os delitos é um imóvel particular ou é uma reserva nacional. Ademais, esta instância detalhou que separado de Noya se investigava um cidadão espanhol, que ingressou na Bolívia com o empresário argentino para matar jaguares.

Segundo detalhou Mirella Corti, a parte demandante apresentou fotografias que são profundamente indignantes e cruéis: se vê Noya posando com seus clientes com os jaguares abatidos. Há felinos mortos pendurados em árvores e ao lado dos caçadores lançando sorrisos.

A investigação argentina confiscou os telefones dos imputados, especialmente o de Noya. Em uma das comunicações, os chefes da organização conversam com um cliente panamenho que queria caçar um “bicho que come cavalos”, referindo-se ao jaguar. As datas não estão claras na investigação, mas essa caçada pode ter sido em julho de 2024. O panamenho nunca pôde caçar um jaguar em seu percurso pela Argentina e seu sonho era ter um troféu desta espécie. Como não conseguiu seu intento em solo argentino, Noya convidou o caçador panamenho para ir caçar na Bolívia sem nenhum custo.

A rota de Noya

Para conseguir esse objetivo na Bolívia, Noya primeiro tomou um vôo da Argentina para o Brasil e desde ali um pequeno avião para a Bolívia. O vôo desse avião era ilegal porque não se registrou sua passagem na fronteira do Brasil à Bolívia. Noya fez saber que a caça se realizaria no oriente boliviano. Até aí chegaram com o cliente panamenho e se desconhece se o caçador conseguiu levar seu “troféu” a seu país.

Noya oferecia alojamento na Argentina e diversos tipos de caças. Seus clientes chegavam a pagar muito dinheiro por cada “troféu”: quanto mais raro, mais difícil de ver ou mais escasso era o animal a caçar, se considerava mais valioso. A caça de um jaguar na Bolívia chegou a custar até 50.000 dólares. Os clientes de Noya seriam personagens reconhecidos em seus países.

Um deles é um destacado médico espanhol que tem inclusive um Museu da Fauna Selvagem na Espanha. Era o segundo estrangeiro investigado na Bolívia.

A rota que realizava Noya e seus clientes para chegar à Bolívia tinha duas escalas no Brasil. Saiam de Buenos Aires para São Paulo e daí chegavam a Cuiabá, que está muito perto do ANMI San Matías. Todas essas rotas a faziam em vôos comerciais, segundo a investigação. Desde Cuiabá, muitas vezes ingressavam ilegalmente em pequenos aviões. Esse espaço aéreo é dominado pelas máfias do narcotráfico. Outras vezes realizavam viagens pela via terrestre, também, violando os controles migratórios, já que na investigação boliviana não existe um registro migratório oficial de entrada e saída por parte do empresário argentino.

Na investigação argentina se confirmou que Noya viajou a Bolívia com seus clientes e inclusive com as fotografias tomadas com o telefone celular de Noya se verificou com aplicações digitais que essas imagens foram realizadas em território boliviano. Mongabay Latam contatou com o advogado de Noya, mas o jurista não respondeu os requerimentos.

Fonte: https://es.mongabay.com/2025/12/bolivia-cierra-caso-caza-safari-empresa-argentina-caza-jaguares/

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

chuva na rua
lágrimas nos olhos
orvalho da dor…

Carlos Seabra