Um anarquista judeu responde ao enfermeiro judeu que tratou Robert Bowers e alega que eles teriam tomado um caminho diferente.
No sábado, 27 de outubro, Robert Bowers entrou na sinagoga “Árvore da Vida”, em Pittsburgh, gritou “Morte a todos os judeus!” e matou 11 pessoas que estavam frequentando serviços sabáticos.
Bowers é um ávido supremacista branco e anti-semita, que postou uma barragem (método de fogo de artilharia em larga escala) de conteúdo racista e anti-semita nas redes sociais. Sem surpresa, porque Bowers é um homem branco, a polícia o apreendeu vivo mesmo depois dele ter atirado neles, e ele foi levado à sala de emergência do Allegheny General Hospital onde um enfermeiro traumatologista judeu, Ari Mahler, salvou a vida de Bowers. Uma semana depois, Ari Mahler divulgou uma declaração sobre essa experiência, e o que significou para ele ser um homem judeu salvando a vida de um assassino anti-judeu. Embora haja partes da declaração de Mahler que ressoam comigo, a peça geral foi sobre o poder do amor. Como anarquista, eu entendo que “o poder do amor” não trará o mundo em que queremos viver, um mundo sem supremacia branca, um mundo onde mesquitas, igrejas negras e sinagogas não são alvos de crimes de ódio. Esta é uma resposta anarquista judaica à declaração de Mahler:
Ele começa escrevendo sobre sua experiência pessoal com o anti-semitismo. Um sentimento que ele escreve ressoa fortemente comigo enquanto eu navego como ser judeu e anarquista em uma cena na qual o anti-semitismo sutil é perpetuado por anarquistas não-judeus. Mahler escreve:
“Como adulto, desviando minha religião dizendo “não sou tão religioso”, torna mais fácil para as pessoas aceitarem que sou judeu… “Não sou tão religioso”, é como dizer, “Não se preocupe, eu não sou tão judeu, portanto, não sou tão diferente de você”, e como um relógio, as pessoas não olham para mim tão estranhamente quanto fizeram alguns segundos antes.”
Na cena anarquista, isso é verdade para aqueles de nós que identificam-se como culturalmente judeus, bem como religiosamente judeus. Mahler está certo em dizer que ser abertamente judeu significa constantemente tranquilizar os outros, direta ou indiretamente, que você não é “tão judeu”.
No resto da declaração de Mahler, entretanto, ele explica porque sente que tratar Bowers com dignidade e respeito foi a escolha “certa”. Eu entendo que Mahler tinha um trabalho a fazer. Eu entendo que ele fez um juramento quando recebeu sua licença de enfermagem e que ele poderia ser demitido por se recusar a tratar Bowers. Mas o que ele está realmente dizendo quando diz:
“Eu não disse uma palavra a ele sobre minha religião… Eu queria que ele sentisse compaixão. Eu escolhi mostrá-lo empatia. Eu senti que a melhor maneira de honrar suas vítimas era um judeu provar-lhe errado. Além disso, se ele descobrir que eu sou judeu, isso realmente importa? A melhor questão é, o que isso significa para você?”
O que significa “provar-lhe errado”? Ao dizer que tratar Bowers com empatia e compaixão é “provar-lhe errado”, então Mahler está dizendo, mesmo que ele não perceba, que não tratar Bowers com empatia e compaixão seria provar-lhe certo. Ele está dizendo que se um judeu agir com raiva, escolher não sentir empatia com um assassino racista, ou usar violência (ativa ou por ações negligentes) contra um assassino racista, então aquele judeu estaria provando que Bowers está certo. Sua declaração implica que aquele judeu seria merecedor da morte, como Bowers acredita.
Enquanto houvesse anti-semitismo, houve judeus que lutaram contra. Judeus que arriscaram suas vidas recusando-se a parar de praticar sua religião, recusando-se a abandonar seus idiomas, sabotando a infraestrutura, plantando bombas que mais tarde explodiram trens e casas onde anti-semitas poderiam ser encontrados, esfaqueando os perpetradores do anti-semitismo. A ideia de “sem plataforma” (recusando qualquer plataforma para fascistas) originou-se de anti-fascistas judeus. Esses judeus que lutaram foram punidos com morte ou prisão. E ainda assim, eles continuaram a lutar. Nós continuamos a lutar.
Antes da assimilação, os judeus que combateram anti-semitas foram assassinados, torturados e aprisionados, embora suas ações tenham salvado inúmeras vidas e inspirado gerações vindouras. Os judeus que permaneceram passivos, que não reagiram, que tentaram se misturar – foram assassinados, torturados e aprisionados também. Depois do Khorbn (o Holocausto), a estratégia anti-judaica de genocídio se transformou na estratégia anti-judaica de assimilação. O objetivo da assimilação, e a razão pela qual muitos judeus escolheram assimilar sem luta, foi para mostrar aos não-judeus que eles não eram tão judeus, isto é, que eles não eram diferentes dos próprios não-judeus. Assimilação significa não desafiar o status quo. Significa misturar-se e não “causar problemas” mostrando que você é diferente. Quando racismo e anti-semitismo são o status quo, assimilação significa não reagir. Lutar contra o anti-semitismo mostraria apenas quão judeus somos, que nós encontramos inspiração nos atos violentos e diretos de autodeterminação que nossos ancestrais praticaram contra seus opressores, e que nós acreditamos não apenas que isto é certo, mas também necessário, para entender que a autodeterminação judaica significa continuar uma luta violenta contra o anti-semitismo.
Mahler escolheu confrontar um assassino em massa da supremacia branca com compaixão e empatia porque era a única opção “respeitável”. Violência é sancionada apenas quando usada pelo Estado contra inimigos do Estado. Para a grande maioria da história, judeus não apenas nunca foram parte do Estado, como sempre foram diametralmente e antagonisticamente opostos a ele. O Estado sempre foi a entidade fascista que assassinou o povo judeu. E se você não é parte do Estado, passividade e obediência são as únicas formas de assegurar que você não será visto como o inimigo, como o “outro”. Apenas recusando-se a invocar uma longa e inspiradora história da revolta judaica, apenas praticando a completa passividade como exigido pelo status quo do Estado, o mundo não-judeu aceitaria Mahler como um deles.
Não é exatamente isso que Mahler diz lutar com quando ele diz, “Como adulto, desviando minha religião dizendo ‘não sou tão religioso’, torna mais fácil para as pessoas aceitarem que sou judeu…”? Não é exatamente isso que ele entende ser uma forma anti-semita de “aceitação”? Mahler nunca contou a Bowers que ele era judeu. Ele diz que praticando a compaixão prova que Bowers está “errado”, mas ao não dizer a Bowers que ele é judeu, ele não está tentando contar a Bowers diretamente que ele está errado. Em vez disso, ele diz que não importa o que Bowers pensa, apenas o que “você” o público pensa. Ao tentar provar ao público que Bowers estava errado, ele está admitindo que o público pensa que judeus merecem a morte também, a menos que mostremos através da nossa própria obediência que nós não somos como os judeus do passado, aqueles que lutaram, aqueles que eram uma ameaça a sociedade gentia (pagã). Quando ele diz “…se ele descobrir que eu sou judeu isso realmente importa? A melhor questão é, o que isso significa para você?” Ele está assegurando ao público que embora ele seja judeu, ele é um deles. Ele protege supremacistas brancos, assim como o resto do público branco convencional faz. Ele não é esse tipo de judeu, ele é um dos bons. Um dos obedientes. Ele aceita seu lugar na brancura e fará o que puder para defender esse papel.
Mahler prossegue dizendo:
“Amor. É por isso que eu o fiz. Amor como uma ação é mais poderoso do que palavras, e amor frente ao mal dá esperança a outros. Demonstra humanidade. Reafirma porque estamos todos aqui. O sentido da vida é dar sentido à vida, e amor é a força final que conecta todos os seres vivos… você, a pessoa lendo isso, amor é a única mensagem que eu desejo incutir em você. Se minhas ações significam algo, amor significa tudo”.
Eu concordo com Mahler que o amor é poderoso. Eu não seria um anarquista se eu não amasse ferozmente e intimamente. Mas eu odeio tão ferozmente e intimamente quanto eu amo. Eu odeio as pessoas que nos machucam, que nos envenenam, que fazem este mundo tóxico e inseguro. Eu odeio a polícia que nos aprisiona, os homens que nos assaltam, os racistas que atiram em jovens negros em seus próprios bairros e então entram no exército para matar crianças de cor em outros países. Eu odeio pessoas que atiram em sinagogas e eu odeio as pessoas que nos dizem para não nos revoltarmos depois. Eu odeio Robert Bowers. Eu odeio que ele continua a viver depois de assassinar onze pessoas. Eu não odeio Ari Mahler, o enfermeiro judeu que salvou a vida dele, mas eu odeio que nós vivamos em um país onde judeus são aplaudidos por permanecerem obedientes ao nosso papel assimilado na supremacia branca.
Mahler diz, “Amor frente ao mal dá esperança a outros”, mas quem são esses “outros” dos quais Mahler fala? Enquanto equivocadamente equacionar amor com “paz” (o acordo coercitivo com o Estado de que nós não vamos nos revoltar), Mahler está dando esperança aos outros de que eles não serão afetados nem sua posição na supremacia branca será desafiada. Pessoas brancas querem se sentir seguras de que não importa o que aconteça, seu poder inerente nunca é desafiado. Ver um supremacista branco que acaba de assassinar onze judeus ser tratado respeitosamente por um enfermeiro judeu manda a mensagem aos brancos de que sua posição neste sistema está segura. O processo de assimilação está em andamento. Toda vez que um judeu age de maneira a apoiar a supremacia branca, a assimilação é fortalecida e as pessoas brancas podem soltar um suspiro coletivo de alívio. Como um anarquista judeu, ver um supremacista branco tratado com dignidade não me dá esperança. Em vez disso, me enche de raiva e temor de que outros supremacistas brancos verão o que Mahler fez, e saberão que a estratégia anti-judaica funcionou e continua funcionando.
Pessoas como Bowers cometeram genocídio contra meus ancestrais porque sua própria existência ameaçava a supremacia branca. É por essa mesma razão que a polícia faz guerra contra os negros e que os povos indígenas não estão permitidos à terra em que têm vivido desde o começo de sua história. A própria existência de pessoas de cor ameaça a supremacia branca, e os brancos nunca irão dormir facilmente sabendo que a obediência pode rapidamente tornar-se vingança. Judeus brancos detêm duas alianças. Tão pouco tempo se passou desde o Khorbn que nos lembramos facilmente de nossas famílias que não eram consideradas brancas e foram brutalmente assassinadas simplesmente por existirem. No entanto, já se passou tempo suficiente para encontrarmos uma posição dentro da supremacia branca que nos permite – por enquanto – muitos dos confortos que ela sustenta. Todo dia nós fazemos essa escolha, entre sustentar a supremacia branca ou tornar-se traidor dela. Por 2000 anos nós soubemos quem eram os inimigos. Em 27 de outubro, um deles entrou em um dos nossos lugares sagrados, nos assassinou e acabou em uma cama de hospital em frente a um enfermeiro judeu. Este enfermeiro escolheu manter sua obediência à supremacia branca. Como um anarquista, eu escolho um caminho diferente. Fosse eu o encarregado de salvar a vida de Robert Bowers naquele dia, eu o teria deixado morrer.
Nós sobreviveremos a eles!
Um anarquista judeu
Fonte: https://itsgoingdown.org/a-jewish-anarchist-response-to-the-jewish-nurse-who-treated-robert-bowers/
Tradução > sapat@
agência de notícias anarquistas-ana
Lá na escuridão
um brilho que passa rápido
Estrela cadente.
Larissa Keyna Endo
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
Um puta exemplo! E que se foda o Estado espanhol e do mundo todo!
artes mais que necessári(A)!
Eu queria levar minha banquinha de materiais, esse semestre tudo que tenho é com a temática Edson Passeti - tenho…