Por M. Ricardo de Sousa | 13/04/2022
É já um lugar comum dizer que esta guerra na Ucrânia vai reconfigurar a política europeia e mundial. Mesmo não sendo bruxo, tudo aponta para isso. O rearmamento da Alemanha, o aumento da coesão e poder da OTAN, uma nova corrida armamentista, o reforço dos investimentos em energia nuclear, serão desde logo algumas consequências da invasão da Ucrânia pelo Estado Russo. Por tudo isso o capitalismo liberal terá um dia de agradecer a Putin ter desencadeado este imprevisível impulso agregador.
Haverá também consequências duradouras entre os que se declaram anticapitalistas, pois a fractura resultante do apoio implícito, e explícito, de vários setores à agressão desencadeada por Putin, não me parece que sejam fáceis de ultrapassar no futuro. São visões de mundo antagônicas a dos que apoiam um agressor e a dos que apoiam as vítimas.
Até na velha extrema-esquerda, teoricamente internacionalista, o alinhamento com as teses do Estado russo não deixa de surpreender tanto mais que a natureza da oligarquia russa, o nacionalismo reacionário de Putin e a sua política imperial, não dão margem para as ilusões que pudessem ainda existir quando da invasão da Hungria e da Checoslováquia pela desaparecida URSS, justificadas pela desestabilização imperialista do “campo socialista”. E, mesmo nessa época, os libertários, e muitos comunistas, manifestaram-se contra o imperialismo russo.
O trágico, ou cômico, é que a reprodução dos argumentos do Estado russo, incluindo de peças da sua campanha de manipulação e desinformação, se faça em nome do “anti-imperialismo”, um anti-imperialismo que faz até que, em alguns países, setores delirantes da extrema-esquerda considerem o Irã e o Daesh “objetivamente anti-imperialistas”. Serão delírios da velhice ou cinismo sinistro da velha tradição stalinista?
A posição dos anarquistas, pelo menos as que conheço, neste caso, foram corretas e não levou a nenhum alinhamento com a retórica política do Estado Ucraniano, mantendo-se no objetivo claro de oposição ao invasor e de apoiar a autodefesa do povo ucraniano, pelos meios que decidir e entender, mesmo sabendo que a lógica do Estado tende a impor-se em situações de guerra, mas essa é uma disputa permanente entre os povos e a suas classes dominantes e o Estado nacional.
Sabemos que no passado, nas duas guerras mundiais, houve uma fractura no movimento anarquista entre os defensores do alinhamento com um dos campos do conflito, mas mesmo nessa situação crítica nunca houve setores libertários que defendessem o campo do agressor. Ou seja, na I e na II Guerra Mundial o debate foi se se deveria apoiar o campo dos Aliados contra os Estados agressores e autoritários ou apelar aos trabalhadores à não participação na guerra.
Por isso é que espanta que, também entre os libertários, surjam alguns que se dedicam implicitamente, outros sub-repticiamente, a defender o Estado Russo com os seus argumentos e justificações, evocando razões geo-estratégicas ou fatos e guerras passadas comprometedores do campo imperialista, EUA e Reino Unido. Como se a invasão do Iraque, Afeganistão, Líbia, ou a ocupação da Palestina, etc., legitimasse a agressão russa. É difícil saber se esse tipo de discurso resulta do velho complexo que fazia com que, antes de cair a URSS, muitos não criticassem o que acontecia lá para não serem acusados de “anticomunismo” ou é um mero acompanhar do ativismo digital da velha extrema-esquerda pelas dificuldades de manter uma posição coerente e radical neste debate virtual viciado… A maioria dos referidos libertários, e que são poucos, situa-se, no entanto, no campo de uma ambiguidade cínica, e apenas dois ou três, que já andaram pelos meios libertários, são explicitamente e delirantemente, pró-Putin.
Não me parece que a visão do mundo dos libertários seja compatível com a covardia, pragmatismo e cinismo das correntes políticas da velha esquerda, mesmo da que se reivindicava do anticapitalismo e internacionalismo e agora cedeu ao nacionalismo imperial e beligerante de Putin. Nesse sentido podemos tentar entender a origem dos conflitos e o que está em jogo na disputa entre estados, mas nunca alinharemos com a agressão, os invasores e os que despoletam a guerra. A posição libertária não é cômoda, nem popular, nos tempos que correm, mas é a que está de acordo com os nossos princípios e história.
Fonte: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2022/04/13/a-guerra-o-cinismo-e-a-cobardia/
agência de notícias anarquistas-ana
Apesar do sol
Ardendo sem compaixão,
O vento de outono.
Bashô
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!