“Não se trata apenas de destruir, mas também de construir um mundo novo”

A Federação Anarquista Capixaba (FACA) concedeu entrevista para a Agência de Notícias Anarquistas (ANA) em 29 de abril de 2024. Confira a entrevista a seguir.

Agência de Notícias Anarquistas > Bem, vamos começar nossa conversa com a pergunta de sempre. Como surgiu a Federação Anarquista Capixaba (FACA)? Em quê contexto? É uma federação de grupos ou indivíduos? 

FACA < A Federação Anarquista Capixaba (FACA) nasce em 2022. Somos um coletivo novo ainda. E esse nascimento se deu no contexto de reorganização do anarquismo no território dominado pelo estado do Espírito Santo. No início do século XX o anarquismo marcou presença nesta região, inicialmente a partir dos trabalhadores ferroviários da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, e depois se expandiu para as demais cidades.

Porém com a repressão brutal, essa história foi apagada. Quase não existem registros históricos e somente após a ditadura militar de 1964 é que indivíduos começam novamente a se organizar. A cultura punk ajudou na divulgação do ideal, e aos poucos outros indivíduos se aproximaram, culminando na fundação da FACA, que é uma federação de indivíduos.

ANA > Vocês têm alguma federação como referência?

FACA < Na verdade não. Com toda certeza existiram e existem outras federações iguais ou semelhantes à nossa. Porém, a configuração de nosso coletivo se deu em razão da conjuntura local, como resposta diante de tal conjuntura

ANA > E estão implicados em quais lutas?

FACA < Hoje estamos em todo o Espírito Santo, com camaradas atuando junto ao movimento negro, movimento sindical e de bairro.

Esperamos que na medida em que formos crescendo, em todos os sentidos, possamos aprofundar e aprimorar nossa atuação. O Espírito Santo é um estado fortemente desigual, preconceituoso e violento, de maneira que temos inúmeras frentes de combate para atuar!

Cabe destacar que também estamos filiados à Iniciativa Federalista Anarquista do Brasil (IFA Brasil) e esta, por sua vez, à Internacional de Federações Anarquistas (IFA), o que nos mantém em contato e articulação com diversos grupos pelo Brasil e Mundo.

ANA > Não faz muito tempo os grupos anarquistas eram dominados por homens, eles eram maioria. Na composição da FACA há um equilíbrio entre homens e mulheres?

FACA < Sem sombra de dúvidas isso é uma questão importante! Porém, infelizmente, hoje esse desequilíbrio existe em nossa federação na medida em que a maioria das pessoas são homens. Porém, estamos trabalhando ativamente para resolver essa questão!

ANA > Há projetos da FACA para ter um espaço próprio, algo como um Ateneu? Daria um impulso no trabalho de vocês, não?

FACA < Sim! Isso está em nosso radar. Sabemos que para tirar isso do papel precisamos de uma organização condizente e pessoas suficientes dispostas a trabalhar nesse sentido. Acreditamos que no médio prazo esse objetivo poderá ser alcançado.

ANA > Quais os grandes desafios da FACA? Existe uma meta de crescimento?

FACA < O Espírito Santo é um território, que apesar de se encontrar no sudeste do país, tido como a região mais desenvolvida, é na verdade um estado coronelista controlado por famílias tidas como “tradicionais” e poderosas. As instituições repressivas (igreja, Estado, polícia…) não pensam duas vezes em reprimir de todas as formas qualquer espécie de dissidência. Então, como primeiro grande desafio, a FACA trabalha para resgatar uma cultura de resistência, anticapitalista e antiestatista, que é condizente com o nosso ideal anarquista.

Trabalhamos para difundir o anarquismo não apenas no aspecto teórico, mas também desejamos iniciativas práticas, concretas e populares. Ou seja, nosso intuito é criar formas de resistência no hoje, no agora, para que as exploradas e explorados possam somar e ver que uma vida fora dos partidos políticos, do Estado e do capital é possível.

Assim, esperamos crescer de maneira consistente na medida em que nossos projetos também cresçam.

ANA > Quais os grandes problemas ambientais hoje no Espírito Santo? Desmatamento, monocultura, pecuária, mineração…

FACA < O território do Espírito Santo é um grande fornecedor de commodities. No norte do estado, a exploração da monocultura do eucalipto degrada os ecossistemas, em especial o solo, o ar e a vida das pessoas. As comunidades tradicionais quilombolas, por exemplo, sofrem imensamente com o cercamento de suas terras pelos “desertos verdes” de eucaliptos, destruição das fontes de água e aniquilamento alimentar.

O café desempenha um papel importante, junto com a pecuária, para também degradar o que resta de matas. Sem falar nos problemas causados pelos agrotóxicos.

O rio doce, que passa por Minas Gerais e termina no Espírito Santo, está morto desde a tragédia de Mariana. Todos os afetados, até a presente data, nada receberam e se viram como podem para sobreviver, já que a pesca (e muitos dependiam dela) deixou de ser uma opção.

A mineração também compõe grande parte do PIB do estado, disseminada por todo o território, mas com intensidade mais notada no Sul, especialmente em Cachoeiro de Itapemirim, que é tida como a capital mundial do mármore e granito, o que já evidencia como a atividade mineradora é forte na região.

E é no meio de tudo isso que a FACA se levanta, com uma proposta radicalmente contrária ao rumo da economia e política capitalista que contamina, destrói e mata!

ANA > Como vocês avaliam o Governo Lula 3? Está pior que a encomenda? (risos)

FACA < A esquerda institucional é apenas uma face do capital, com eco parlamentar. Eles estão à esquerda do capital, mas não contra o capitalismo. É sempre bom deixar isto claro.

Lula é apenas mais um (e não será o último) que canalizou as expectativas das trabalhadoras, fazendo carreira política e contribuindo para o fortalecimento do estado burguês e da economia capitalista. Esperar qualquer “virada de chave” socialista, ou revolucionária, do PT ou de Lula é um devaneio. Não existe qualquer adesão de tal tese à realidade material – e por isso, os webanarquistas que votaram (seja lá em quem for), cometeram um erro terrível.

E afirmamos isso, porque votar é legitimar o Estado. Ao invés de votar, o que essas pessoas fazem no cotidiano para criar alternativas ao Estado? Alternativas contra o Estado e o Capital? É uma questão para refletir…

ANA > Falando em “anarcovotantes”… Além de votar no Lula para “barrar o fascismo”, alguns também defendiam a “democracia”, o “estado de direito”, que a “democracia estava sob risco” com Bolsonaro. É muito anacronismo defender essa tal “democracia”, esse show de horrores, não?

FACA < De fato. Nos parece que ou carece formação acerca do que é o anarquismo, ou falta boa-fé. O suposto “estado de direito” e suas parafernálias é o direito da burguesia, da classe dominante que lá longe nas revoluções burguesas conseguiram se impor, continuando a nos explorar até hoje. Parece redundante, mas o direito burguês não é o direito dos explorados, é, na verdade, o direito SOBRE os explorados.

A verdadeira mudança social, econômica e política ocorrerá quando as instituições capitalistas, estatais, autoritárias deixarem de existir. E não é votando e validando tais instituições que nós conseguiremos isso.

ANA > No geral, as ideias anarquistas continuam carregadas de sentido, radicalidade, lucidez… Mas porque cargas d’água no mundo real ela não cresce firmemente, se fortalece? (risos)

FACA < Pergunta interessante. Acreditamos que as causas são várias, como a própria concepção do que é anarquismo é variada.

Nossa federação acredita na criação de iniciativas, de espaços e de vivências contra o Capital e o Estado são fundamentais para a transformação social. Não se trata apenas de destruir, mas também de construir um mundo novo. Não se trata apenas de criticar (que é muito fácil), se trata de colocar a mão na massa e fazer!

ANA > Seguindo a linha da outra pergunta…. Custo de vida alto, projetos ecocidas, corrupção, desigualdades gritantes, violência policial de Norte a Sul. Aliás, a polícia brasileira é uma das que mais matam no mundo! Enfim, por que o brasileiro comum não se revolta? Não vemos protestos massivos e duradouros nas ruas? Que mistério é esse? (risos)

FACA < A falta de perspectiva, de ideias de mudanças sociais palpáveis, bem como a repressão brutal que qualquer levante enfrenta no Brasil conversa diretamente com essa pergunta.

Para além disso, não podemos subestimar a alienação, a domesticação da revolta e o desserviço COTIDIANO que a esquerda institucional e os marxistas fazem.

Por tudo isso e muito mais, no geral, para dizer o mínimo, as brasileiras e brasileiros são céticos quando apresentamos uma ideia de outra organização social. Somente com muita paciência, persistência e resiliência é que poderemos alterar essa conjuntura que nos é amplamente desfavorável…

ANA > É isso. Valeu, longa vida à FACA! Algum recado final?

FACA < Agradecemos o espaço e agradecemos a paciência conosco! Saudamos todas e todos camaradas por aí e visitem o nosso blog. Sempre publicamos algo por lá! Saudações libertárias! Vida longa à ANA também!

Contato: fedca@riseup.net

Blog: https://federacaocapixaba.noblogs.org/

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One response to ““Não se trata apenas de destruir, mas também de construir um mundo novo””

  1. raquel

    quero agradecer a ana pela entrevista com esses compas. altamente inspiradora!