Em junho passado, cerca de cinquenta pessoas se reuniram na gráfica Eberhardt Press, em Portland, Oregon, para se encontrar com o lendário ativista americano Ben Morea e ver uma exposição temporária de suas pinturas. Morea foi um dos fundadores do grupo de afinidade anarquista Black Mask [“Máscara Negra”, em tradução livre], em Nova York, em 1966, e também o catalisador de coletivos de ação direta subsequentes, como o Up Against the Wall Motherfucker [“Mão na Parede, Filho da Puta”, em tradução livre], em 1968. Ele foi uma força motriz por trás do fechamento do Museu de Arte Moderna em 66 e da ocupação do teatro Fillmore East em 68, e seu comprometido ativismo anticapitalista e antirracista definiu o padrão do que o radicalismo engajado poderia realizar na era da Guerra do Vietnã. Artista desde o início dos anos 1960, suas pinturas austeras e gráficos satíricos são visíveis em toda parte nas distintivas páginas do zine Black Mask (dez edições; Nova York; novembro de 1966 a maio de 1968).
No entanto, o que a maioria dos que se reuniram para a exposição de Morea talvez não tenha percebido é que o que unia Morea a Eberhardt não era apenas uma perspectiva anarquista compartilhada, mas também uma perspectiva surrealista. Desde 2005, Charles Overbeck vem “imprimindo para o povo” em sua gráfica DYI em Portland, com ênfase especial na publicação de materiais de anarquistas surrealistas contemporâneos dos Estados Unidos, como Ron Sakolsky e Penelope Rosemont. Embora nunca tenha sido membro de um grupo surrealista ativo, Morea sempre relacionou sua prática de pintura e seu ativismo anarquista ao surrealismo, seja nas páginas da revista Black Mask ou em sua abordagem experimental da vida cotidiana.
Que importância poderia ter o surrealismo, um movimento de resistência cultural e social fundado há cem anos, para alguém como Morea? Como ele me explicou em muitas conversas, os surrealistas encontraram um modelo viável para uma forma social de coletividade que tentava unificar arte, resistência antiautoritária, ajuda mútua, e convivência consciente. Embora Morea tenha tantas críticas ao surrealismo quanto afinidades com ele, ele ainda o considera uma chave importante para o quebra-cabeça de como podemos viver de forma engajada aqui e agora. As pinturas que Morea exibiu na Eberhardt Press em junho exemplificam isso, pois foram concluídas por meio do método do automatismo, um método surrealista no qual o criador tenta se livrar do controle, da intenção e de qualquer fantasia de gênio criativo. Para Morea, a obra de arte é feita no momento e, portanto, torna-se o momento, unificado.
Alguns meses após a exposição de Morea na Eberhardt, houve o lançamento do livro Surrealism and the Anarchist Imagination [“Surrealismo e a imaginação anarquista”, em tradução livre], de Ron Sakolsky, na livraria Mother Foucault’s, em Portland. Publicado pela Eberhardt Press, o livro de Sakolsky conecta obras de arte de surrealistas contemporâneos, como as de Rikki Ducornet (em Port Townsend, WA), com as de anarquistas de Portland, como Jesse Narens, artista e musicista. Era impossível não reparar nas vivas conexões entre surrealismo e anarquismo no evento de lançamento, que estava lotado. A comunidade anarquista de Portland compareceu em peso para ouvir as reflexões de Sakolsky sobre o reencantamento surrealista da palavra na imaginação e a busca surrealista por uma “mitologia emancipatória” por meio de socialistas utópicos do século XIX, como Charles Fourier. Discutindo capítulos de seu livro, como “The Marvelous Dance of Anarchy and Individuality” [“A maravilhosa dança da anarquia e da individualidade”, em tradução livre], Sakolsky enfatizou que a revolução surrealista é inerentemente lúdica, poética e se desenvolve continuamente de forma autônoma e descentralizada.
Em meu próprio estudo do surrealismo como forma de protesto social na última década, passei a entender sua importância para toda uma geração de ativistas internacionais após a Segunda Guerra Mundial. Embora Guy Debord e a Internacional Situacionista sejam mais conhecidos por sua apropriação desdenhosa porém profundamente derivativa do surrealismo entre as décadas de 1950 e 1970, havia muitos outros jovens radicais nesse período que viam no surrealismo um modelo para seus esforços de resistência.
Nos Estados Unidos, houve um interesse concentrado no surrealismo em grupos da extrema esquerda durante as décadas de 1960 e 1970, às vezes ligados diretamente ao exemplo situacionista, mas em outros casos não. O caso mais óbvio é a formação do “The Surrealist Movement in the United States” (“Movimento Surrealista nos Estados Unidos”, em tradução livre) em Chicago, em 1966, por Franklin e Penelope Rosemont e alguns de seus colegas da livraria Solidarity e alhures. Os surrealistas de Chicago exploraram simultaneamente o anarquismo, o comunismo e outras formas de socialismo, mas, no final das contas, a orientação anarquista foi a que se manteve, como pode ser visto nos livros produzidos pela Charles H. Kerr Publishing Company. Um compatriota do grupo, Bernard Marszalek, a mente por trás da Ztangi Press, nunca se tornou surrealista, mas continuou atraído, entre outras coisas, pelos discursos surrealistas contra o trabalho assalariado.
De modo geral, a maioria dos ativistas pós-Segunda Guerra Mundial que se voltaram para o surrealismo nunca se tornaram em si surrealistas, e é isso que é tão fascinante. O surrealismo persistiu e se expandiu para além de si mesmo. O surrealismo foi uma abordagem complementar para os radicais que buscavam exemplos existentes para vidas de ação e resistência ponderadas. Além de Morea e Black Mask, há outras histórias do surrealismo ativista global após a Segunda Guerra Mundial que aguardam redescoberta. Algumas delas envolvem ativistas anarquistas, mas indivíduos com abordagens comunistas marxistas também foram atraídos pelo surrealismo, apesar do rompimento absoluto com o Partido Comunista em 1935. Quase nada foi escrito sobre o “Council for the Eruption of the Marvelous” (“Conselho para a Erupção do Maravilhoso”, em tradução livre), afiliado aos situacionistas em Berkeley no final da década de 1960, mas em minhas conversas recentes com o cofundador do grupo, Isaac Cronin, ficou claro que o surrealismo era uma fonte essencial para eles.
Uma dessas histórias é a de Jonathan Leake, um anarquista que considerava o surrealismo uma parte crucial de seu arsenal de oposição. Em 2023, trabalhei com a Eberhardt Press para publicar um livro chamado Resurgence! Jonathan Leake, Radical Surrealism, and the Resurgence Youth Movement, 1964-1967, (“Ressurgimento! Jonathan Leake, Surrealismo Radical, e o Movimento de Jovens pelo Ressurgimento, 1964-1967”, em tradução livre). O livro é uma antologia do raro zine anarquista Resurgence, de Leake (doze edições; impresso em Nova York, Chicago, São Francisco; de outono de 1964 a março de 1967). Junto com Walter Caughey, Paul Leake e outros, Jonathan Leake formou o Movimento de Jovens pelo Ressurgimento e seu zine na cidade de Nova York com o objetivo de minar a supremacia branca capitalista-imperialista por meio de ações diretas de oposição, discursos públicos e formação de redes de solidariedade por meio de publicações clandestinas.
~ Abigai Susik
Abigail Susik está associada ao National Humanities Center e é Professora Associada de História da Arte na Willamette University
Fonte: https://freedomnews.org.uk/2024/04/13/surrealism-and-anarchism-past-and-present/
Tradução > anarcademia
agência de notícias anarquistas-ana
vozes no brejão
o cururu dos sapos
ecoando noite adentro
Paladino
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!