Ao contrário dos tempos da Segunda Guerra Mundial, após os ataques de 11 de setembro de 2001, as forças armadas dos EUA têm mais vítimas por suicídio do que em combate.
Por Marcelo Raimon | 29/05/2024
Nesta semana, os Estados Unidos comemoraram mais um Memorial Day, um dia para lembrar os soldados do país que morreram em combate. É um dos feriados nacionais mais solenes em uma nação onde não faltam guerras. E lá, para testemunhar esse envolvimento em conflitos internacionais, estão os túmulos de cerca de 400.000 militares americanos que morreram na Segunda Guerra Mundial, os 36.000 que morreram na Guerra da Coreia e os 58.000 que morreram lutando no Vietnã.
Muitos desses túmulos estão no Cemitério de Arlington, na Virgínia, a uma curta distância de Washington, DC. De lá, o presidente Joe Biden fez o discurso habitual do residente da Casa Branca para a ocasião. “Hoje”, disse Biden, “nós nos unimos ao luto com gratidão: gratidão aos nossos heróis mortos, gratidão às famílias que ficaram para trás e gratidão às almas corajosas que continuam a carregar a chama da liberdade em nosso país e em todo o mundo”.
Não faltam filmes, livros e histórias sobre a bravura da “Grandiosa Geração” americana que lutou contra o nazismo na Europa e o Império Japonês no Pacífico. E, embora os motivos tenham sido muito menos honestos, também não há como ignorar o fato de que a maioria dos soldados americanos se arriscou na Coreia e no Vietnã.
Depois dessa série de conflitos cobertos mais ou menos ao vivo pela imprensa, quando o exército conscrito foi deixado para trás e chegou o tempo das forças armadas profissionais (de mãos dadas com uma crescente indústria de armas), com mais combates secretos, invasões vergonhosas como Granada e Panamá ou guerras politicamente muito complexas como as do Iraque e do Afeganistão, o quadro é radicalmente diferente.
De acordo com as estatísticas oficiais, entre 1980 e 2022, quase 61.000 pessoas morreram durante o serviço militar ativo. Isso representa uma média de 1.400 mortes por ano, mas também inclui uma média de mais de 250 por ano que morreram de ferimentos autoinfligidos, observou uma reportagem da revista US News publicada por ocasião do Memorial Day.
“Acidentes, doenças, homicídios e ferimentos autoinfligidos são responsáveis pela grande maioria do número de mortes durante esse período”, disse o relatório.
Ainda de acordo com as contagens oficiais, estima-se que 2.459 militares norte-americanos tenham morrido no Afeganistão, mas apenas 1.922 deles em decorrência de combates ou ataques inimigos. Mesmo considerando que se trata de vidas humanas e que todas são preciosas, o número de baixas americanas é insignificante no contexto da guerra como um todo. Por exemplo, o Programa de Dados sobre Conflitos da Universidade de Uppsala, na Suécia, estima que mais de 212.000 civis morreram em decorrência do conflito afegão.
Uma história semelhante se desenrolou no Iraque. Possivelmente a fonte mais popular para o número de mortos, o Iraq Body Count Project, informa que entre 183.249 e 205.785 civis perderam suas vidas no Iraque desde a invasão de 2003. Os militares dos EUA, por sua vez, tiveram que lamentar 4.507 mortes.
A proporção de mortes de civis e militares na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foi muito mais próxima. Entre o Holocausto, outros massacres nas mãos dos invasores nazistas, fomes como as sofridas pelos países soviéticos e pela China, bombardeios e massacres e várias repressões internas, o número total de civis mortos está confortavelmente entre 50 e 55 milhões, enquanto o número de militares mortos em geral está entre 21 e 25 milhões.
Epidemia de suicídios de soldados, um sinal dos tempos
O Memorial Day desta semana não foi, entretanto, usado para lembrar os civis mortos em qualquer guerra. Mas ao falar dos mortos, foi feita referência a um fenômeno relativamente novo para as forças armadas dos EUA: a epidemia de suicídios de soldados.
Um estudo do Watson Institute for International and Public Affairs da Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, fornece, nessa frente, um número surpreendente: pelo menos quatro vezes mais pessoal da ativa e veteranos dos conflitos pós-11 de setembro morreram por suicídio do que em combate. Em números, 30.177 teriam morrido por suicídio, em comparação com 7.057 mortos em combate desde os ataques ao Pentágono e às torres gêmeas em Nova York.
De fato, o relatório observou que “as taxas crescentes de suicídio” tanto para ex-combatentes quanto para o pessoal da ativa “estão ultrapassando as da população em geral”. Essa é “uma mudança alarmante, já que as taxas de suicídio entre os membros do serviço militar têm sido historicamente menores do que as taxas de suicídio entre a população em geral”, acrescentou o estudo.
De acordo com os pesquisadores da Universidade de Brown, essas altas taxas de suicídio são causadas por vários fatores, incluindo “os riscos inerentes ao combate em qualquer guerra, como alta exposição a traumas, estresse, cultura e treinamento militar, acesso contínuo a armas e dificuldade de reintegração à vida civil”.
Mas eles também descobriram que há “fatores exclusivos” da era pós-11 de setembro, como “um enorme aumento na exposição a dispositivos explosivos improvisados, um aumento concomitante de lesões cerebrais traumáticas e avanços médicos modernos que permitiram que os membros do serviço sobrevivessem a esses e a outros traumas físicos e retornassem às linhas de frente em vários destacamentos” em conflitos altamente violentos, como os do Iraque e do Afeganistão.
Uma pesquisadora da Universidade de Auburn, no Alabama, que também estuda esse problema, a professora April Smith, analisou em um artigo para o The Conversation as principais causas por trás desse fenômeno preocupante. No artigo, também publicado para coincidir com o Memorial Day, Smith disse que alguns dos fatores relacionados ao suicídio entre soldados e ex-combatentes “incluem solidão, problemas de relacionamento, dificuldades no local de trabalho, traumas, horários alterados, aumento do estresse, falta de sono, ferimentos e dor crônica”.
Além disso, os membros das forças armadas “podem ter uma alta capacidade de suicídio”, facilitada por um “menor medo da morte, alta tolerância à dor e familiaridade com o uso de meios altamente letais, como armas de fogo”.
Racismo, agressões sexuais e lesões
Smith e sua equipe realizaram um experimento para tentar entender melhor o problema. Para isso, eles convidaram 92 membros das forças armadas para fazer o download de um aplicativo em seus celulares, no qual foram solicitados a responder a pequenas pesquisas quatro vezes por dia durante um mês para avaliar os fatores de risco de suicídio.
Com base nos resultados, escreveu o pesquisador, eles descobriram que a sensação de “inutilidade” ou de ser um fardo para os outros, “um sentimento de pouco pertencimento ou de estar desconectado dos outros”, além da agitação ansiosa, “são fatores de risco importantes para pensamentos suicidas no momento e a longo prazo” entre militares ativos e veteranos de guerra.
Um jornalista que cobriu a guerra no Iraque em 2016 apresentou uma visão um pouco diferente do problema. Os chefes do Pentágono, escreveu Daniel Johnson em uma coluna para o Chicago Tribune, “tentaram repetidamente atribuir os números e as taxas de suicídio a membros individuais” das forças armadas, “apontando fatores de relacionamento, dívidas excessivas, dificuldades administrativas e legais ou falta de habilidades de enfrentamento” ao retornar aos EUA como riscos.
Porém, “muito raramente” os líderes militares reconhecem a influência culpável de algumas de suas práticas que “criam um estresse avassalador devido à má liderança e a questões como racismo, agressão sexual e lesões cerebrais”. O Departamento de Defesa, protestou Johnson, “também estigmatiza com frequência o tratamento de saúde mental” para soldados ou ex-combatentes.
O jornalista citou dados do Pentágono que mostram que os homens americanos que servem nas forças armadas tiveram uma taxa de suicídio 22% maior em 2022 do que todos os homens do país, enquanto que para as mulheres a taxa foi de quase 70% da população civil feminina.
Por outro lado, acrescentou, o risco de suicídio entre militares da ativa e veteranos de ascendência asiática era 350% maior do que a média nacional, enquanto para afro-americanos e latinos era o dobro da média da população civil como um todo.
Johnson contou que, durante seu destacamento no Iraque em 2016, sua unidade perdeu apenas um de seus membros. Desde então”, advertiu ele, “perdemos pelo menos seis por suicídio, e isso sem contar aqueles que tentaram tirar a própria vida”.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.
Guilherme de Almeida
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!