Por Juan Cáspar
Caminhando por um bairro central de uma grande cidade, pode-se contemplar, como mais uma amostra da paisagem urbana, uma verdadeira comunidade de indigentes. Essas pessoas que vivem nas ruas já são tão habituais que a atitude recorrente das pessoas de uma condição social mais abastada é, simplesmente, de indiferença. Ao longo da minha vida, sempre senti uma profunda rejeição à pobreza, e quero acreditar que está claro o que quero dizer. Alguém me disse uma vez que as classes mais conservadoras sentem verdadeira repulsa pela pobreza, mas também medo, daí se esforçarem para mantê-la longe. Claro, apesar de sua própria atitude e condição serem as que geram e sustentam essa mesma pobreza, sempre alheia, é claro. No meu caso, desnecessário dizer, a rejeição à pobreza não é aversão ao pobre, fobia ou atitude que agora tem uma denominação chamativa na forma de um neologismo. Infelizmente, essa repulsa, desprezo ou mera indiferença pela pessoa pobre, e mais especificamente pelo indigente declarado, é algo profundamente interiorizado nas sociedades mal chamadas de desenvolvidas. É assim ao ponto de as opiniões supérfluas e justificativas sobre a situação dessas pessoas passarem por considerá-las preguiçosas e irresponsáveis, algo que sempre me surpreende, essa ousadia em julgar as circunstâncias vitais dos outros e, com mais ferocidade, no caso dos mais desafortunados. Também se menciona, às vezes, um possível desequilíbrio mental ou vícios habituais em álcool ou outras substâncias, algo que carregaria ainda mais de responsabilidade o pobre infeliz.
Seja como for, responsabilizar cada pessoa por suas circunstâncias sociais e vitais nos introduz em não poucos problemas, desde que usemos minimamente a consciência e o intelecto. Também, de forma extremamente infeliz para uma possível evolução moral da humanidade, em nossas sociedades capitalistas e consumistas, já em fase avançada da pós-modernidade, essa mentalidade estúpida e iníqua sobre os problemas sociais se impôs. Dito de outra forma, e para que me entendam, explicação seguramente desnecessária dada a óbvia indigência moral que abunda, o que prolifera é a máxima ofensiva e desumanizada de que “quem é pobre é porque quer ou não se esforçou o suficiente”. Estou falando, claro, de uma grande parte da sociedade, e especificamente do vulgo mais insultuoso, não de alguém que tenha um mínimo de consciência social. Pessoalmente, não consigo evitar certa empatia pelas classes mais desfavorecidas, e não sei se por conservar ainda alguma consciência de classe, embora esse conceito me remeta a alguma visão clássica um tanto rígida sobre o proletariado que também rejeito. Ou seja, se nos primórdios do socialismo se considerava que a classe trabalhadora seria a protagonista da revolução futura, que mudaria tudo, inevitavelmente se acabaria desprezando o chamado lumpem, aqueles que estavam mais abaixo na escala social, os desclassificados.
De acordo, desde os princípios do socialismo, houve também gratas e lúcidas exceções. Entre outros, os anarquistas, que sempre viram com simpatia esses chamados desclassificados. Não sei se tanto por ver neles certo potencial revolucionário, quanto por uma ampla visão sobre os problemas sociais, onde se incluem absolutamente todos os oprimidos. Também, claro, por uma enorme concepção de solidariedade e apoio mútuo que abrange todas as pessoas. Hoje, já no final do primeiro quarto do século XXI, não são bons tempos para insistir em valores emancipatórios, e o significado prático de solidariedade não difere muito da chamada caridade, que sempre parece ter uma conotação de classe (de novo, a inevitável palavrinha). Essa comunidade de indigentes, de um bairro central, de uma grande cidade em um país mal chamado de desenvolvido, costuma ser visitada de vez em quando por certas pessoas preocupadas com sua situação. Membros de ONGs ou de alguns coletivos religiosos costumam conversar amigavelmente com as pessoas que mal vivem nas ruas e distribuir roupas e comida. Não serei eu, venha de quem vier, quem critique essa atitude com os desfavorecidos, que eu mesmo mantenho com frequência. No entanto, é a isso que chegamos: uma sociedade meramente assistencial com a pobreza, simplesmente assumida como algo endêmico e inevitável. Para combater verdadeiramente os problemas sociais, é necessário questionar determinadas estruturas de classe e dominação, por mais antiquado que isso soe. E isso, nenhum coletivo religioso fará, nem provavelmente qualquer ONG, que, no melhor dos casos, são produtos bem-intencionados de uma sociedade doente. Particularmente, não desejo simplesmente aliviar os sintomas, muito menos idealizar (ou santificar, conceito horrendo) a doença. O que quero é acabar com ela, estar razoavelmente saudável.
Fonte: https://acracia.org/indigencia-moral/
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
deu no jornal:
economia vai bem
o povo vai mal
Carlos Seabra
parabens
Parabéns pela análise e coerência.
Olá Fernando Vaz, tudo bem com você? Aqui é o Marcolino Jeremias, um dos organizadores da Biblioteca Carlo Aldegheri, no…
Boa tarde, meu nome é Fernando Vaz, moro na cidade de Praia Grande. Há mais de 4 anos descobri que…
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