
Sabendo-se que o campo anarquista de pensamento e práticas, em todas as suas expressões legítimas, gravita em torno de um conjunto de princípios comuns – que é o que lhe confere um caráter próprio, no fundo de toda a sua diversidade de formas -, e que este conjunto de princípios (anti hierarquia, anti poder, solidariedade, ajuda mútua, autogestão, internacionalismo – no sentido da rejeição ao nacionalismo) aponta para um fim que é a antítese máxima de todo e qualquer sentimento de exclusivismos e/ou particularismos – qual seja, o da emancipação da humanidade como um todo em relação aos equívocos, preconceitos e estruturas sociais artificiais que configuram as relações de dominação e exploração econômicas/políticas, e visto serem as redes comunitaristas ácratas uma expressão libertária, cabe colocar aqui a questão a respeito da possibilidade de integração a essa tática por parte de grupos humanos da/os ‘de baixo’ das sociedades globalizadas que não possuem nem sequer estruturas mínimas necessárias à primeira vista para a construção, p.ex., de um “Circuito Básico de Produção”, como definido logo acima, grupos estes tais como pessoas sem casa própria, moradoras de rua e/ou sem território definido (tais como grupos de migrantes). Esta aparente limitação de origem da tática se demonstra ilusória quando se compreende seu caráter e cariz fundamentais, ou seja, a orientação para práticas de construção comunitária.
Tomando-se como exemplo o próprio Circuito Básico de Produção acima definido, se pode visualizar situações onde alguns circuitos assim constituídos (horta artesanal – ou conjunto de cultivos germinados, captação de águas pluviais ou de poços, filtragem/reaproveitamento natural de águas servidas, compostagem e biodigestor) seriam construídos coletivamente pelas redes em locais de acesso franco (tais como terrenos baldios, p.ex.), com a finalidade de servirem de suporte para atender a algumas necessidades básicas prioritárias de algumas parcelas de grupos de pessoas que não possuem as aludidas estruturas mínimas necessárias para construí-los. Tais Circuitos Básicos de Produção construídos em locais de acesso franco, seriam administrados também coletivamente pelos entes comunitaristas ácratas que os construíram, em conjunto com indivíduos e/ou grupos “despossuídos” que possam vir a se servir deles, tornando-se estes então, deste modo, também integrantes de redes comunitaristas ácratas – mas não necessariamente como entes, posto não serem fixados às estruturas tecnológicas de que se servem -, inclusive, dos tecidos Ponto Com Nós.
Em um estágio mais avançado de estruturação e desenvolvimento, os entes comunitaristas ácratas poderiam investir na aquisição de impressoras 3D e, a partir daí, criarem centros de produção de utensílios diversos para atender a algumas necessidades básicas prioritárias das redes comunitaristas, mais pertinentes ao setor secundário da economia. Tais lugares poderão se tornar verdadeiros “Centros de Engenhosidade Social Ácrata” (C.E.S.A.’s), ou seja, equipamentos coletivos de pesquisa, desenvolvimento, produção e distribuição de produtos, serviços e tecnologias físicas e sociais (tais como cooperativas) de promoção de autonomias relativas nas comunidades.
Sendo provável a inviabilidade de se desenvolver situações de absoluta autonomia em relação às forças econômicas/políticas dominantes, é preciso ter claro que o maior ganho para a causa libertária viabilizado pela tática do comunitarismo ácrata seria, para além dos ganhos nada desprezíveis da promoção e disseminação de práticas de autonomias relativas em relação às referidas forças, o “ganho de fundo” da promoção de um processo de ‘reeducação’ (no sentido libertário) dos sujeitos individuais e/ou coletivos integrantes das redes comunitaristas – deslocando-os de uma visão de mundo e relações inter pessoais dominantemente hierarquizantes para outras mais abertas para as possibilidades das sociabilidades anti hierárquicas -, tomando-se como força motivadora, para tal, suas necessidades concretas de suprirem demandas materiais básicas das suas vidas e de cuja satisfação são alijados e/ou têm o acesso dificultado pelas estruturas instituídas, e tomando-se como “abordagem pedagógica” fundamental uma “educação íntegra” – prática teoria/teoria prática – em vivências ácratas de autogestão.
Por outro lado, a aludida expectativa de que o desenvolvimento de situações de autonomia absoluta em relação às forças dominantes seja, provavelmente, inviável, não deve, nem por isto, alimentar ilusões de que, sendo assim, a tática comunitarista ácrata não estaria sujeita a nenhum risco de ataques repressores por parte do instituído: a história das experiências libertárias de características transformacionistas aponta para o fato de que, mesmo não sendo experiências de cariz insurrecional/’revolucionário’ no sentido clássico – como de fato não são -, a longa série de experiências deste tipo realizadas ao redor do mundo (tais como, p.ex., as comunidades russas inspiradas nas ideias de Tolstoi ainda no período final do tzarismo e as comunidades hippies e squats anarco punks ao redor do mundo ‘democrático’ ocidental desde meados Séc. XX até o presente), invariavelmente reprimidas pelas forças mantenedoras da ‘ordem’ vigente, demonstra inequivocamente que os poderes estabelecidos têm uma consciência clara sobre o potencial ‘subversivo’ que experiências ‘alter ordem’ (de ‘ordem’ social diferente do estabelecido) como estas podem adquirir, pela via de possíveis desencadeamentos de fenômenos de ‘moda’ social que possam tomá-los como ‘modelos’.. Por isto, como forma de precaução, seria recomendável que, na medida do possível, as tecnologias físicas adotadas pelas redes comunitaristas ácratas se pautassem pelo princípio da ‘discrição’, para desse modo se tentar reduzir os riscos de agressões repressoras ocasionadas por prováveis ‘reverberações’ dos efeitos concretos – sobre os interesses do mercado e/ou Estado – da adoção numericamente significativa destas tecnologias (adicionalmente, se poderia estudar e adotar línguas tribais pouco faladas).
Trecho do “Manifesto Anarquista Ácrata”, de autoria de Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira.
(siga nosso perfil de Instagram:
@movimento_anarquista_acrata e acompanhe nossas lives pelo canal de YouTube: anarcrata)
*a RECA (Rede Comunitarista Ácrata) está promovendo sua segunda rifa anual para aquisição de tecnologia de autonomização: confira as informações no talão digital ao lado e contribua com esta iniciativa libertária.
Conteúdo relacionado:
https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/05/09/sobre-o-comunitarismo-acrata-2/
agência de notícias anarquistas-ana
No olho das ruínas
as íris dos vaga-lumes
sob as tranças de ervas.
Alexei Bueno
UM ÓTIMO TEXTO!
COMO FAZ FALTA ESSE TIPO DE ESPAÇO NO BRASIL. O MAIS PRÓXIMO É O CCS DE SP!
ESSE CASO É O CÚMULO DO ABSURDO! A JUSTIÇA ESPANHOLA NÃO TENTA NEM DISSIMULAR SEU APOIO AO PATRONATO, AO FASCISMO!
Excelente
Esquerdistas não são anarquistas. Lulistas muito menos. Uma publicação desacertada que não colabora com a coherencia anarquista.