Hebert Nieto, Memória Anarquista Combativa!

Dando um sopro nas brasas acessas da nossa memória anarquista combativa iluminamos com as labaredas desse fogo a vida, a luta e a morte do companheiro anarquista Hebert Nieto. Que foi assassinado por um esquadrão da morte das forças repressivas do estado do Uruguai, em 24 de julho de 1971.

54 anos se passaram e durante estas décadas a memória da vida, da luta e da morte de Hebert Nieto segue reverberando e impulsionando agitações anarquistas. Este ano em Montevideo diferentes individualidades anarquistas realizaram uma jornada de atividades, o Mês de Memória Combativa Hebert Nieto, que se iniciou com uma troca de ideia no dia 10 de julho, seguiu com uma belíssima pintura mural na Praça Seregni junto a descentralizadas pixações e culminou no dia 24 com a Marcha à 54 anos do assassinato de Hebert Nieto pelas mãos do estado. Impulsionando com esta jornada agitação anarquista através da memória combativa, do debate e da intervenção nas ruas com propaganda e protesto.

Todo companheiro que tomba lutando deixa uma cicatriz na movimentação anarquista, que é ideia e prática de confrontação a dominação, ao poder e a autoridade, as cicatrizes, os companheiros mortos lutando, são parte marcante de nossa história e atualidade. Hebert Nieto, Polinice Matei, Durruti, Louis Ling, Sacco e Vanzeti, Punk Mauri, Urubu, Angry, Alexis Grigolopoulos, Carlo Giuliani, Santiago Maldonado e muitos outros companheiros verteram sua vida e sangue confrontando o luxo, a miséria, a exploração, inspirados nas ideias e práticas anarquistas, ainda mortos inspiram lutas do presente, não descansam em paz, seguem vivos no calor das lutas. 

As décadas de 1960, 70 e 80 na América do Sul foram marcadas pelo terrorismo de estado com a imposição de ditaduras cívico militares implementadas em conchavos entre as elites, as forças armadas e os EUA. Isto no Brasil, no Uruguai, na Argentina, no Chile, no Paraguai, na Bolívia, formando uma unidade na ação repressiva contra dissidentes, o macabro Plano Condor. As ditaduras e os processos de sua implementação com esquadrões da morte paraestatais, tortura, desaparecimentos, censuras, brutas violações, é uma história comum a todos na América do Sul e é neste contexto que é assassinado Hebert Nieto.

No Uruguai nas décadas de 1960-70 até o golpe militar de 1973 foi de acirrado conflito social onde os trabalhadores através de seus sindicatos e os estudantes mobilizados, enfrentaram as imposições dos governos e dos empresários com luta e solidariedade em uma projeção revolucionária. As ideias e práticas anarquistas, com fortes raízes na região, evidenciava seu eco tanto no meio estudantil como entre trabalhadores, imprimindo com suas práticas um caráter assembleário e combativo nos movimentos reivindicativos. E é aí desde as lutas da movimentação estudantil que Hebert Nieto se aproxima das ideias e práticas anarquistas as abraçando com compromisso e entusiasmo.

Se soma a Resistencia Obrera Estudantil (ROE) e a Federação Anarquista Uruguaia (FAI). Além das lutas estudantis, como o amplo rechaço ao US-AID, os estudantes realizavam distintas ações em solidariedade com os trabalhadores em conflito com os patrões fomentando lutas, laços e força social autônoma. 

O estado do Uruguai estava sob o governo de Pacheco, uma democracia influenciada pela “Doutrina de Segurança Nacional” com crescentes presos políticos e torturas, início de um processo que consolidou a ditadura nos anos seguintes. 

Como aluno do Instituto de Enseñanza de la Construccion Hebert Nieto conjuntamente com seus colegas lograram através da mobilização a ampliação das estruturas do instituto e se não fosse pouco assumem e gestionam a obra, trabalhando juntos de forma coletiva em sua construção, eram afinal estudantes da escola de construção, inspirados na autogestão, praticando o pensar e o fazer.


Na tarde de inverno de 24 de julho de 1971 uma turma de estudantes trabalhava na reforma do instituto no terraço do prédio. Hebert Nieto estava aí. Ao mesmo tempo em frente ao instituto, na Rua Arenal Grande zona cêntrica de Montevideo, estudantes secundaristas realizavam um pedágio entre os automóveis juntando recursos para apoiar os trabalhadores em greve da empresa Cicssa.

Uma pessoa em automóvel arremete sobre os secundaristas que de pronto apedrejam o carro. Policiais à paisana aparecem disparando contra os secundaristas, que se refugiam dentro do prédio do instituto. Defendendo os secundaristas, em resposta, desde o terraço os estudantes envolvidos na obra lançam escombros nos policiais que recuam e se abrigam. Logo chega novos reforços policiais que largam disparando com armas de fogo contra os estudantes atrincheirados no instituto que respondem com uma chuva de pedras. O diretor do instituto sai e dialoga com a polícia, que acorda em cessar as hostilidades e que a obra dos estudantes no terraço siga. A polícia recua e aparentemente tudo se acalma, porém as forças repressivas tiveram outra ideia. Os serviços de inteligência chefiados por Victor Castiglioni acompanhado de policiais em civil e uniformizados acudem ao local em grande contingente.

Victor Castiglioni e seus agentes do departamento de informações e inteligência haviam sido adestrados pelo agente da CIA Dan Mitrione, instrutor policial de contra insurgência especializado em interrogatórios e tortura, quem adestrou as forças repressivas no Brasil e no Uruguai nos anos 60 a serviço dos EUA elevando o uso da tortura contra presos entre as policias do Brasil e do Uruguai. No Brasil Dan Mitrione esteve instruindo as policias em técnicas de tortura em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre durante os anos de 1960 à 1967.

Em 1969 diante da crescente agitação social é enviado pelo EUA ao Uruguai onde adestra policiais como Castiglioni e outros psicopatas. No ano seguinte Dan Mitrione é sequestrado e executado pelo grupo guerrilheiro Tupamaro, fato que virou um filme de Costas Garvas, Estado de Sítio. As prisões, torturas, ataques de grupos fascistas cresceram, os esquadrões da morte paraestatais entraram em cena.

Na tarde de 24 de julho de 1971 Hebert Nieto foi alvo do esquadrão da morte. Hebert Nieto já havia sido detido três vezes e era reconhecido pelo departamento de inteligência, que seguia seus passos. Chegando ao prédio do instituto de construção Victor Castiglioni esparrama seus reforços policiais na área, são vistos quatro policiais em traje civil com rifles telescópicos que se posicionam no entorno, um deles no prédio de um banco em frente ao instituto.

Enquanto a obra no terraço seguia a tocaia é armada. O acordo policial é rompido com rajadas de metralhadora e tiros com armas curtas contra o prédio do instituto, gases lacrimogênios também são lançados. O franco atirador policial armado com um rifle telescópico desde o prédio do banco elege em meio ao grupo de estudantes Hebert Nieto, mira e dispara, atravessando com o projétil os pulmões e o coração do jovem anarquista de 16 anos que foi atingido de perfil caindo morto no ato. Uma execução covarde e planificada. Ocorrida durante a chamada “paz eleitoral” do governo Pacheco.

A polícia prontamente recusa qualquer responsabilidade afirmando que o tiro que matou Hebert Nieto partiu dos próprios estudantes. Um médico legista desenha a situação: tiro de rifle calibre 22 a uma distância de 30 metros. Exatamente a posição do franco atirador posicionado no prédio do banco próximo ao instituto de construção. Após o laudo a casa do médico legista é alvo de ataques a bomba.

A execução de Hebert Nieto não freou as múltiplas lutas sociais daqueles dias, mas bem as acirraram. Seu funeral foi um ato político de dor, raiva e revolta que reuniu cerca de 200 mil pessoas até o cemitério norte, com o caixão envolto pela bandeira vermelho e negra. Seus companheiros anarquistas lhe conheciam por “Negro Manoel” e “El Monje” foi diante de seu assassinato que conheceram seu verdadeiro nome, Hebert Nieto, oculto pelas práticas de segurança.

Se esparramaram pixações e murais de denúncia e revolta pela cidade, assim como panfletos que convocaram para uma paralização, que foi respondido pelos sindicatos combativos. Durante vários dias ocorreram manifestações ferozes incendiando carros de luxo, apedrejando guaritas policiais e sedes políticas ligadas ao governo, as barricadas expressaram a dor e a revolta nas ruas. Também em cidades do interior manifestações contra o assassinato de Hebert Nieto se fizeram sentir.

Os responsáveis pela execução de Hebert Nieto jamais foram oficialmente apontados. Victor Castiglioni quem comandou a operação, assim como reconhecidos torturadores e assassinos no Brasil, foi homenageado com o passar dos anos por parlamentar uruguaio não sem o vibrante rechaço daqueles que mantem acessa a memória.

Hebert Nieto em sua curta e intensa existência deixou com sua vida, sua luta e sua morte sementes de rebeldia que não se apagam e que a cada inverno rebrota com gestos e ações anarquistas.

Porto Alegre (RS)
26 julho 2025

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