
Já quanto à segunda questão, sobre a relação das redes comunitaristas ácratas com os tipos de regimes e/ou sistemas políticos e/ou econômicos, a história dos movimentos anarquistas demonstra que, independentemente de se inseridos em sociedades ditas ‘democráticas’ ou ‘ditatoriais’, em economias ditas de mercado ou ‘estatizadas’, a violência da/os de cima contra a/os libertária/os é sempre dura, variando apenas o nível de sofisticação com que é aplicada, sendo que, normalmente, instituições repressoras ditatoriais são mais ‘rudes’ em suas práticas de violência (recorrendo comumente ao puro uso da força bruta), enquanto que instituições repressoras ditas ‘democráticas’ são mais sofisticadas (recorrendo não só ao uso da força bruta, mas também a expedientes de ‘torturas burocráticas’ e técnicas de manipulação moral e social). Isso significa que, conforme sempre foi a marca inequívoca dos movimentos anarquistas coerentes ao longo da sua história, as redes, em sua idoneidade, não podem tomar partido por uma ou outra destas falaciosas ‘alternativas’, sob o risco de perderem a credibilidade quanto à sua postura de rejeição ao princípio hierárquico. Sobre o argumento de que pode ser melhor enfrentar os aparatos repressores em uma ‘democracia’ do que em uma ditadura, algumas vezes defendido por certa/os militantes talvez pouco conhecedora/es das ‘profundidades’ da história do movimento a que se reivindicam pertencentes, é preciso lembrar que, frequentemente, organizações anarquistas foram e são esmagadas em regimes ‘democráticos’ das maneiras mais pérfidas que se possa imaginar (exemplos não faltam), pois estes regimes só toleram a ‘diversidade’ até o ponto em que esta não coloque em xeque o princípio do ‘mando/obediência’ (e só tolera organizações que questionam este princípio até o ponto em que elas não venham a ter força suficiente para desempenharem algum papel social realmente importante em seu território). Em contrapartida, há também mais de um exemplo da capacidade de sobrevivência de expressões anarquistas mesmo sob o açoite aberto de ditaduras.
Uma lição que se pode depreender de trajetórias dos movimentos ácratas atuando tanto em ‘democracias’ quanto em ditaduras é a de que, no fundo, o que faz a diferença no que concerne à capacidade de sobrevivência coletiva e/ou individual das expressões libertárias, para além e para aquém do regime e/ou sistema político e/ou econômico em que estão inseridas, é o nível e consistência da articulação social que elas desenvolvem, tanto em nível nacional quanto internacional, que podem atuar como “guardas chuvas” e/ou “redes de proteção”, nos momentos dos ‘choques’ repressivos da/os de cima. Diante disto, seria recomendável que as redes comunitaristas ácratas desenvolvessem relações de parceria com organizações afins das sociedades civis nacional e internacional (além de se associarem com as próprias organizações anarquistas ‘de origem’ e coerentes, claro), tais como redes de expressões culturais descentralizadas e apartidárias, organizações sociais cooperativas auto gestionárias sem fins lucrativos e nem vínculos políticos e/ou partidários, organizações de trabalhadora/es autônomas e rebeldes com relação às estruturas partidárias e sindicais hierárquicas e burocráticas dominantes atualmente no cenário trabalhista etc., para assim poder contar talvez com uma possível “rede de proteção” em momentos de ataques ‘físicos’ por parte das instituições repressoras; bem como (seria recomendável que as redes comunitaristas) desenvolvessem também práticas de intervenções em discussões públicas pertinentes aos meios sociais mais envolvidos com processos de formação e informação das populações, especialmente meios onde se desenvolve a educação formal em vários níveis (uma boa linha de ação a ser desenvolvida para esta modalidade de intervenções seria a elaboração de séries de materiais ‘didáticos’ de fácil manuseio e compreensão – tais como fanzines, H.Q’s, opúsculos, panfletos etc. – contendo histórias e análises de experiências concretas ‘clássicas’ e contemporâneas de vivências coletivas e/ou individuais de sociabilidades libertárias), com a finalidade de criar alguma condição mínima para tentar romper ao menos um pouco o bloqueio ideológico vigente nas sociedades hierarquizadas com relação à possibilidade – por parte das populações em geral – de acesso a uma compreensão fidedigna do caráter legítimo e da viabilidade das visões ácratas de mundo, e desse modo poder contar talvez com algum “guarda chuvas” mínimo de opinião pública, em momentos de ataques ‘ideológicos’ por parte dos órgãos a serviço da repressão.
Ainda de forma oportuna, sobre o conjunto destes questionamentos há pouco desenvolvidos e encerrados logo acima, nunca é demais lembrar: assim como é para toda expressão anarquista coerente, a finalidade maior da tática do comunitarismo ácrata é tornar desnecessário todo e qualquer poder e/ou hierarquia econômica e/ou política, ao invés de legitimar qualquer que seja das suas formas.
Por isto, visto que o comunitarismo ácrata seria a tática mais característica e destacada da concepção anarquista ácrata, e compreendendo-se que a grande aposta desta tática reside no investimento em processos de transformação cultural e de geração de novas sociabilidades humanas libertárias, a bandeira do anarquismo ácrata deverá ser símile ao estandarte ácrata mais popular, sendo que com o painel de fundo em azul – simbolizando companheirismo, fidelidade e idealismo -, e no centro o arroba espelhado ladeado pelos dois traços verticais do A de anarquismo (o símbolo do anarquismo ácrata) grafado em cor púrpura – símbolo da transformação espiritual em algumas culturas místicas, sendo aqui compreendida, por extensão, como uma referência à dimensão subjetiva – ‘espiritual’, ‘cultural’, neste sentido (no conjunto, surge um céu de ocaso e/ou aurora, a ação/transformação numa era terminal/inaugural). E, como sinônimo de ‘companheira/o’, ‘camarada’, sua/eus adepta/os se tratarão pelo termo de ‘conviva’ (‘minha/meu conviva’), significando ‘aquela/e com quem se partilha a própria vida’.
Se ‘uma jornada de mil léguas se inicia com um primeiro passo’, e se a ousadia poderá ser recompensadora, iniciemos a jornada, com a coragem e disposição necessárias para as ousadias que ela exige, e sabendo que o fato de ver o movimento vencer a inércia, por si só, já poderá ser recompensa suficiente.
Semeemos as RECAS!
Multipliquemos a/os convivas!
Nós, passarinha/os!
Natal, fins do inverno/início da Primavera de 2020.
Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira.
Trecho do “Manifesto Anarquista Ácrata”, de autoria de Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira.
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À luz da manhã
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