
Por Capi Vidal
Lanço algumas reflexões sobre as propostas anarquistas no século XXI, tentando fugir de clichés e distorções, e recordando a visão libertária sobre uma autogestão social na qual, como não poderia ser diferente, a solidariedade é um valor inegociável. Nunca é demais, diante do que vemos, esclarecer muitas coisas sobre o anarquismo, sem que minhas palavras sejam tomadas como definitivas (são reflexões baseadas em um conhecimento, obviamente limitado, mas sempre realizadas diante de um horizonte libertário). É preciso aceitar que, se formos rigorosos com a etimologia da palavra anarquismo (“ausência de princípio”), o tema parece convidar à polêmica desde o início. Como é lógico, o anarquismo não nega de forma alguma o poder, mas sim sua concentração; nem mesmo se pode dizer que seja contra o poder político, mas sim contra o Estado, ou seja, contra aquela concentração de poder que implica uma divisão rígida entre quem manda e quem obedece. O mesmo ocorre com a ideia de autoridade, que não é negada pelo anarquismo, pois reconhece uma autoridade natural baseada no saber e na capacidade dos indivíduos.
Portanto, desmontamos esses clichés (pobres, baseados no desconhecimento ou destinados a desacreditar as ideias libertárias): em nenhum caso se nega a autoridade e o poder por si só. Lembremos, em primeiro lugar, que nas sociedades chamadas “primitivas”, onde não existia o Estado, existia o poder político e a autoridade, entendida como simples competência; quem mais sabe sobre um assunto exerce sua autoridade, mas sempre de forma parcial, temporária e sem que isso implique qualquer dominação sobre a execução da tarefa social em si (ou seja, a autoridade começa e termina na própria tarefa, como pode ser a caça ou a construção de uma casa).
Atenção: dito isso, não quero que esta reflexão seja confundida com qualquer tendência primitivista ou reacionária no anarquismo. Se observamos sociedades do passado, é precisamente por sua confiança em modos de vida e organização melhores. Existe confiança, esperança ou otimismo, se quisermos definir assim, de que as relações humanas podem e devem melhorar. Portanto, há um projeto radical para transformar a sociedade que, obviamente, nada tem a ver com o autoritarismo. Na verdade, é lógico pensar que muitos pensadores contemporâneos, embora próximos do anarquismo, têm sido cautelosos em proclamá-lo devido à influência perniciosa do socialismo autoritário. Este contribuiu enormemente para que muitas pessoas vejam qualquer ideia radical e utópica como um perigo para a humanidade; acredito que os reacionários e conservadores, de um tipo ou outro, se beneficiaram disso.
Não deveríamos temer ser chamados de ingênuos ou mesmo crédulos, nós anarquistas; o verdadeiro crédulo e lamentável, além de conformista e tolo, é acreditar que o mundo deve permanecer como está. Os anarquistas sempre foram e são os grandes inimigos de todo autoritarismo, por isso não podemos permitir que o liberalismo invoque esse perigo para justificar o status quo. O anarquismo, apesar de ter convicções claras sobre a humanidade, rejeita qualquer forma de dogmatismo, algo que se resume muito bem nesta frase de Malatesta: “Eu acredito na infalibilidade da ciência tanto quanto na infalibilidade do Papa”. É por isso que a vigência do anarquismo é, podemos dizer, atemporal; suas propostas, entendidas como uma elevada aspiração moral das sociedades humanas, nunca podem ser consideradas ultrapassadas. O anarquismo se baseia, em grande medida, na afirmação de valores éticos que são supra-históricos.
O projeto radical do anarquismo pode ser resumido na seguinte mudança de paradigma: a vinculação entre ética e política. Nas sociedades contemporâneas, e há vários séculos, há uma clara separação entre esses dois campos. É um projeto difícil, muito difícil, nunca se negou isso, mas sua construção começa aqui e agora, na sociedade em que estamos, e não há negociações de classe que transgridam esses valores. Entenda-se: não estou falando de incoerências, provavelmente inerentes ao ser humano e até muito saudáveis quando ocorrem (deixemos a perfeição e o fundamentalismo para outras ideias), mas sim de um projeto ético e político com propostas e convicções muito claras.
Aproveito para apontar o que considero uma falácia idealista: a necessidade da “mudança interior” do ser humano para transformar a sociedade. Não acredito que, de uma perspectiva libertária, devamos cair nesse idealismo simplório, mas sim nos esforçar pela mudança em todos os âmbitos, pois, do meu ponto de vista, trata-se de um processo de interação (uma vida amplamente moral do indivíduo só é possível se houver a moralização da sociedade). Traços anarquistas existem em muitos movimentos sociais, e a ausência de sectarismo fez com que não se limitassem ao mundo operário (embora, é claro, a autogestão econômica seja um objetivo principal). Se conseguirmos conectar todos esses movimentos antiautoritários (Redes Libertárias é um exemplo desse esforço), nos quais a solidariedade pode se tornar o valor principal, qualquer forma de autoritarismo encontrará verdadeiros obstáculos para se desenvolver. Apesar do desprestígio da palavra democracia, por motivos óbvios, eu acredito que o anarquismo está dentro de uma tradição democrática em um sentido muito profundo. A grande alternativa atual ao que hoje se chama democracia, que não passa de submissão às grandes oligarquias liberais, pode estar nesse projeto anarquista ou libertário: se quisermos, podemos chamá-lo, na economia, de socialismo autogestionário ou libertário, mas sem perder de vista o ideal anarquista no horizonte.
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Algo de dança
nas algas,
quase canção dos corais.
Yeda Prates Bernis
boa reflexão do que sempre fizemos no passado e devemos, urgentemente, voltar a fazer!
xiiiii...esse povo do aurora negra é mais queimado que petista!
PARABÉNS PRA FACA E PRAS CAMARADAS QUE LEVAM ADIANTE ESSE TRAMPO!
Um resgate importante e preciso. Ainda não havia pensado dessa forma. Gratidão, compas.
Um grande camarada! Xs lutadores da liberdade irão lhe esquecer. Que a terra lhe seja leve!