
Nós, surrealistas, não esperamos nada da Cúpula da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30, novembro de 2025) em Belém, na região amazônica do Brasil. Nossas esperanças dependem da resistência contra a destruição ecológica capitalista e as mudanças climáticas catastróficas, pelas forças da própria natureza selvagem e pelas comunidades que ousam lutar contra o poder monstruoso da civilização ocidental moderna.
Os movimentos indígenas e camponeses brasileiros, bem como outras forças críticas, estarão presentes em Belém do Pará, levantando a bandeira da insubmissão. A maravilhosa pintura de Max Ernst, Jardim devorador de aviões (Jardin gobe-avions), de 1935, é um verdadeiro manifesto surrealista ecológico à frente de seu tempo.
Fascinado pela floresta selvagem, Ernst pintou um grande número delas durante as décadas de 1930 e 1940, povoadas por espíritos e divindades pagãs. Mas em Jardim devorador de aviões, a natureza não se limita a manifestar seu poder exuberante e enigmático; ela devora “selvagemente” as máquinas da civilização. Existem três versões: em todas elas, vemos uma vegetação exuberante e multicolorida atacando avidamente pedaços espalhados de metal pálido, que, em uma das versões, assumem a forma explícita de peças de avião. Não se pode deixar de ficar impressionado com a premonição do artista: o avião revelaria, nos anos seguintes, de Guernica (1937) até os dias atuais, seu formidável poder como arma de destruição em massa. É certo que também é um meio de transporte. Mas, no século XXI, os ambientalistas são rápidos em apontar seu papel prejudicial: reservado a uma minoria privilegiada, é um grande emissor de gases de efeito estufa, contribuindo assim para as mudanças climáticas. Daí as batalhas ecológicas contra a construção de novos aeroportos, como em Notre-Dame-des-Landes, onde o Jardim dos Zadistas conseguiu engolir todos os aviões destinados ao local…
Em 1937, Benjamin Péret publicou um artigo surpreendente na revista Minotaure (nº 10) intitulado “A natureza devora o progresso e o supera”, talvez inspirado por um episódio que viveu durante sua estadia no Brasil no início dos anos 1930. Aqui está um trecho desse texto, que descreve a luta vitoriosa — erótica! — da floresta virgem contra a máquina que simboliza o progresso industrial promovido pelo capital, a locomotiva.
“A floresta recuou diante do machado e da dinamite, mas entre duas passagens do trem, ela se lançou sobre os trilhos, fazendo gestos provocantes ao maquinista (…). A máquina vai parar para um abraço que ela vai querer que seja fugaz, mas que se prolongará até o infinito, de acordo com o desejo perpetuamente renovado da sedutora. (…) A partir daí, começa a lenta absorção: biela por biela, alavanca por alavanca, a locomotiva entra no leito da floresta e, de prazer em prazer, banha-se, treme, geme como uma leoa no cio. Ela fuma orquídeas, sua caldeira abriga as brincadeiras de crocodilos nascidos no dia anterior, enquanto no apito vivem legiões de beija-flores que lhe dão uma vida quimérica e temporária, porque logo a chama da floresta, depois de ter lambido sua presa por muito tempo, a engolirá como uma ostra. “Na batalha entre a floresta e a máquina, Max Ernst e Benjamin Péret escolheram claramente o seu lado…
Em L’Amour Fou, Breton presta homenagem ao “amor pela natureza e pelo homem primitivo que permeia a obra de Rousseau”. Este duplo amor, herdado do romantismo revolucionário rousseauista, caracterizará o espírito surrealista ao longo de sua história, muito além da França ou da Europa: basta pensar na poesia de Aimé Césaire, nos ensaios de Suzanne Césaire ou na pintura de Wifredo Lam e Ody Saban. Ideias semelhantes foram desenvolvidas pelo surrealista de Chicago Franklin Rosemont em seu brilhante ensaio sobre “Marx e os Iroqueses” (Arsenal, n° 1, 1989). Esse compromisso surrealista assume uma nova relevância hoje, quando as comunidades indígenas se encontram na linha de frente da luta contra a destruição da natureza pela “civilização”. Leonora Carrington, em “O que é uma mulher, 1970”, escreveu: “Se as mulheres permanecerem passivas, acho que há muito pouca esperança para a vida nesta Terra”. Felizmente, as mulheres são muito ativas em todas as lutas ecológicas, às vezes sacrificando suas vidas, como Berta Cáceres, a mulher indígena hondurenha assassinada por bandidos militares em 2016.
Em contraste com a exploração ecocida capitalista da natureza, encontra-se entre as comunidades “selvagens” — um termo carregado de desafio que os surrealistas preferem a “primitivo” — de todos os continentes uma percepção da natureza como uma “floresta encantada”. Essa relação de respeito pelo mundo sagrado dos espíritos naturais e de harmonia com a natureza é uma das razões pelas quais os surrealistas, desde o início do movimento na década de 1920, demonstraram sua simpatia, admiração e apoio aos “selvagens” em sua luta contra a opressão assassina do colonialismo e sua pretensão de impor, à ferro e fogo, a “civilização” e o “progresso” aos colonizados.
Num maravilhoso texto de 1963 intitulado “Main première”, Breton presta homenagem aos aborígenes australianos e à sua “terra dos sonhos” (Alcheringa), cuja “arte crua”, descrita nas obras de Karel Kupka, “delineia uma certa reconciliação do homem com a natureza e consigo mesmo”.
Não é esta a utopia surrealista definitiva, a reconciliação dos seres humanos com a natureza? Uma utopia mais relevante do que nunca, numa época em que o progresso trava uma guerra implacável para saquear e esmagar, com suas máquinas, com “o machado e a dinamite” (Péret), o jardim encantado que nos rodeia.
Em suas teses Sobre o Conceito de História — um documento criticado por Jürgen Habermas, aquele apologista incondicional da “Modernidade”, porque se inspirava “na consciência do tempo concebida pelos surrealistas, que se aproxima do anarquismo” —, o marxista Walter Benjamin discretamente se distanciou das ilusões progressistas de Marx: “Marx disse que as revoluções são a locomotiva da história mundial. Talvez as coisas sejam diferentes. Pode ser que as revoluções sejam o ato pelo qual a humanidade, viajando no trem, aciona os freios de emergência.”
Nós, surrealistas, acreditamos que a imagem de Benjamin é muito relevante hoje. Somos todos passageiros de um trem, conduzido por uma locomotiva suicida chamada “Civilização Capitalista Industrial Moderna”, que corre cada vez mais rápido em direção a um abismo: o desastre ecológico. É preciso pará-la com urgência e permitir que a natureza se reafirme, devorando silenciosamente as locomotivas do progresso.
Gale Ahrens, Jay Blackwood, Miguel de Carvalho, Laura Corsiglia, Vicente Gutierrez Escudero, Beth Garon, Yoan Armand Gil, Robert Green, Patrick Lepetit, Gina Litherland, Michael Löwy, Muriel Martin, Isidro Martins, David Roediger, Hal Rammel, John Richardson, Jesús García Rodríguez, Penelope Rosemont, Ody Saban, Tamara Smith, Abigail Susik, Debra Taub, Joel Williams, Craig Wilson.
agência de notícias anarquistas-ana
Abrindo a janela
Um zum-zum de abelhas —
Roseiral florido.
Clície Pontes
Nossas armas, são letras! Gratidão liberto!
boa reflexão do que sempre fizemos no passado e devemos, urgentemente, voltar a fazer!
xiiiii...esse povo do aurora negra é mais queimado que petista!
PARABÉNS PRA FACA E PRAS CAMARADAS QUE LEVAM ADIANTE ESSE TRAMPO!
Um resgate importante e preciso. Ainda não havia pensado dessa forma. Gratidão, compas.