[Espanha] Frente ao rearmamento europeu, desobediência e insubmissão social

Em uma reunião extraordinária dos 27 países da União Europeia, foi aprovado no dia 6 de março um programa de rearmamento sem precedentes, que soma 800.000 milhões de euros em quatro anos para enfrentar a suposta “ameaça da Rússia”.

O plano apresentado pela presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, inclui a flexibilização das regras fiscais para que os países aumentem os gastos militares.

Pedro Sánchez não demorou a demonstrar publicamente seu apoio a este programa de rearmamento e seu compromisso de alcançar 2% do PIB em gastos com defesa até o ano de 2029. Antecipando-se ao que foi acordado em 2022 no âmbito da cúpula da OTAN em Madrid. Portanto, o Estado Espanhol deverá aumentar os gastos militares em mais 20.000 milhões de euros.

Para cumprir com os compromissos do plano ReArm Europe, o Estado espanhol deverá aumentar este ano o orçamento militar em 3.500 milhões de euros, mantendo um gasto de 23.897 milhões de euros a cada ano até 2028. Gastos que, sem dúvida, vão afetar gravemente os gastos sociais.

Já em 2023, o gasto militar conjunto dos países da UE aumentou 16%, o que representa o maior aumento desde a Guerra Fria. No caso espanhol, o orçamento oficial para gastos militares praticamente se duplicou ao incluir os gastos comprometidos em outras partidas ministeriais, superando assim durante vários anos os 2% do PIB em investimento total em armamento, conforme denunciado pelas organizações antimilitaristas.

Esta é a dinâmica observada em toda a Europa nos últimos anos. Segundo o Centre Delàs, em 2021, as cinco principais empresas beneficiárias dos projetos do Fundo Europeu de Defesa — Leonardo, Thales, Airbus, Saab e Indra — receberam mais de 30% de financiamento. Por países, os principais beneficiários são França, Itália, Espanha e Alemanha, que, em conjunto, recebem quase dois terços (65,1%) de financiamento total.

Os gigantes europeus vêm aumentando seu valor há meses, como a alemã Rheinmetall, que subiu 85% na bolsa neste ano, seguida pela francesa Thales com um aumento de 72%, a italiana Leonardo com 65%, e a espanhola Indra com 46%. Por sua vez, a britânica BAE Systems subiu 13,36%, apenas nos últimos dias após o anúncio de rearmamento europeu.

Estamos diante de um negócio lucrativo do qual os governos europeus não pensam abrir mão. E onde o Estado Espanhol é um dos principais beneficiários.

A lógica militarista da Europa se assenta na economia de guerra, para consolidar um processo de rearmamento que começou há muitos anos. Enquanto se ouvem tambores de guerra e se implementam planos para reativar o serviço militar com diferentes modalidades.

Um mundo controlado por oligarquias que competem entre si pelo controle dos recursos e pela hegemonia econômica internacional, reproduzindo as mesmas dinâmicas coloniais e extrativistas de sempre, onde os governos europeus nos conduzem a um cenário bélico perigoso. Porque o capitalismo já não pode oferecer outra coisa além da guerra como forma de escapar de suas próprias contradições, para iniciar um novo processo de acumulação baseado na destruição e na morte.

O Feminismo e as lutas anticoloniais dos últimos anos nos ensinaram que o Capitalismo transformou o conflito Capital – Trabalho em um conflito Capital – Vida.

Frente a essa lógica da morte, as organizações que se definem como anarcosindicalistas, de classe, federalistas, internacionalistas e antimilitaristas estamos chamadas a capitalizar o descontentamento e a desigualdade social que será gerado pelo aumento dos gastos militares, com mobilizações pela paz, pela defesa dos serviços públicos, dos direitos humanos e pela proteção do planeta, para transformar a realidade por meio das lutas pela vida.

Desde a CGT, fazemos um apelo à desobediência civil e à insubmissão social, para iniciar um novo processo de mobilização que possa responder à Necropolítica imperante, à altura das grandes mobilizações pela paz que nos precederam, com internacionalismo, apoio mútuo, solidariedade e ação direta. Porque nossas vidas estão em jogo.

Guerra às suas guerras!
Nem guerra entre povos, nem paz entre classes!

Secretariado Permanente do Comitê Confederal da CGT

Fonte: Gabinete de imprensa do Comitê Confederal da CGT

Tradução > Liberto

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agência de notícias anarquistas-ana

Difícil de ler
Este livro em guarani –
Gatos enamorados.

Suinan Hashimoto

[Itália] M – O Filho do Século

Agora que o clamor acalmou um pouco, parece-nos o momento certo para gastar algumas palavras sobre a série que, nas últimas semanas, atraiu a atenção do público, da crítica e, marginalmente, do mundo político.

Estamos falando de M – O Filho do Século, produzida pela Sky e baseada no romance homônimo de Antonio Scurati.

M – O Filho do Século é provavelmente, em seu gênero, a obra mais interessante apresentada ao grande público na Itália nos últimos anos.

Havia todas as condições para dar errado, se é que podemos dizer assim. Tratava-se de contar uma história complicada e evidentemente nunca totalmente resolvida em nosso país: a de Benito Mussolini e sua ascensão ao poder.

Vamos esclarecer, antes de tudo, um conceito: M – O Filho do Século não é e não quer ser um documentário. É uma ficção inspirada em um romance. Histórico, sim, mas ainda assim um romance. Os espectadores politizados ou simplesmente mais familiarizados com o tema certamente encontrarão imprecisões ou lacunas, mas, na realidade, nunca são falhas graves, porque, fundamentalmente, tudo o que era essencial para a compreensão dos eventos foi dito e descrito.

Normalmente, quando se fala do fascismo, de sua origem e evolução, faz-se com as ferramentas e grades interpretativas da historiografia, da política e da sociologia. Neste caso, porém, os fatos são narrados com uma abordagem dramática e linguagens, no mínimo, inesperadas.

O que realmente impressiona, de fato, é a maneira como é contada a história pessoal de Mussolini, uma história que se entrelaça inevitavelmente com a do país, uma dimensão privada e política ao mesmo tempo.

Comecemos pela direção. Joe Wright, que em sua carreira dirigiu – entre outros – Orgulho e PreconceitoExpiaçãoO Destino de Uma Nação e, na televisão, Carlos II: O Poder da Paixão e um episódio de Black Mirror, renovou a narrativa do fascismo com uma edição de ritmo frenético, uma fotografia sombria que às vezes remete a atmosferas de quadrinhos e uma ambientação sempre claustrofóbica. O roteiro, assinado por Stefano Bises e Davide Serino, é repleto de insights e descrições que servem para delinear os perfis psicológicos dos muitos personagens que animam a série.

Para as trilhas sonoras, não se limitaram ao repertório da época ou a algo que remetesse às sonoridades do início do século XX. Muito pelo contrário. Por mais absurdo que pareça, em uma série que fala do fascismo, confiaram a Tom Rowlands, dos Chemical Brothers, a tarefa de acompanhar com música eletrônica o desenvolvimento narrativo em seus momentos mais surreais e grotescos – com o excelente resultado de tornar tudo incrivelmente fresco e moderno.

Sobre o imenso Luca Marinelli já se falou muito. Ele mesmo confessou, ao declarar-se orgulhosamente antifascista, que sentiu um enorme desconforto ao vestir a pele de Mussolini. Acreditamos nele e, certamente, não zombamos dele como fizeram alguns jornalistas de direita – e, principalmente, sem argumentos. Não zombamos de Marinelli porque ele foi simplesmente brilhante ao tornar crível um personagem tão complexo. Uma caricatura que não deforma, mas que, ao contrário, enfatiza os traços mais autênticos do Duce do fascismo. Todo o elenco, aliás, esteve à altura: merecem menção especial Benedetta Cimatti, que interpretou Rachele Mussolini, e Francesco Russo no papel de Cesare Rossi.

Uma linguagem moderna e crível, como dissemos, a começar pela escolha de manter as cadências regionais com inserções de dialeto em alguns diálogos, assim como a frequente quebra da quarta parede, com a qual Marinelli-Mussolini se dirige ao público para esclarecer seus pensamentos, revelar seu jogo duplo ou comentar o que lhe acontece. Assistir a esta série é surpreendente e, em vários momentos, perturbador. Mussolini é um histrião, uma máscara trágica e cômica ao mesmo tempo, e quase nos sentimos culpados – vez ou outra – quando essa máscara nos arranca até mesmo um sorriso. É uma culpa ligada não tanto ao conhecimento que cada um de nós pode ter do personagem ou da história, mas ao que nos é continuamente apresentado com brutal eficácia: uma violência feroz e paroxística, retratada tanto pela concretude de cenas próximas do splatter quanto por imagens oníricas que nunca perdem o contato com a realidade.

Um dos méritos de M – O Filho do Século é que o fascismo é finalmente trazido de volta à sua essência: um movimento violento, nascido da violência e imposto com violência. Para além de todas as análises históricas, sociais e políticas já feitas ou que ainda serão feitas sobre o porquê de a Itália ter se entregado a Mussolini em determinado momento, esta série demole a falsa crença de que, afinal, os fascistas não eram tão ruins assim (muito menos comparáveis aos nazistas) ou que Mussolini não passava de uma espécie de palhaço inofensivo.

Pois bem: esse “palhaço” era um oportunista, disposto a tudo para tomar o poder; um narcisista, invejoso, macho tóxico que maltratava as mulheres (começando por sua esposa); um inseguro, mentiroso, indivíduo sem qualquer senso de honra. Mas não era burro e soube farejar o vento: «Sou como os animais, sinto o tempo que está por vir». Quando se prepara para receber os aplausos em um teatro lotado, pouco antes de ir a Roma receber do rei o cargo de primeiro-ministro, Marinelli-Mussolini nos explica quem são os verdadeiros “palhaços” na política. São aqueles que não entendemos, mas isso é irrelevante: olhar fixo na câmera, polegar para cima e uma frase que soa tão familiar quanto sinistra: «Make Italy Great Again».

Aqui está o grande mérito desta série: ao nos contar o pesadelo do fascismo com uma linguagem compreensível, M – O Filho do Século fala de nós, da sociedade atual, das dinâmicas e protagonistas que – mutatis mutandis – se repetem e se atualizam, tão iguais e tão diferentes, na Itália e no mundo.

Há algo que deveríamos aprender com o Mussolini protagonista da série: a capacidade de sentir o tempo que está por vir e agir de acordo. Para desmascarar os palhaços e deter as feras.

Alberto La Via

Fonte: https://umanitanova.org/m-il-figlio-del-secolo/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

uma pétala caída
que torna a seu ramo
ah! é uma borboleta

Arakida Moritake

[Argélia] A solidariedade com ‘Las 6 de La Suiza’ ecoa nos acampamentos de refugiados saharauis em Tinduf

UGTSARIO, sindicato saharaui, mostra seu apoio à causa das companheiras.

Aproveitando a viagem de alguns cenetistas aos acampamentos de Tinduf para colaborar em diferentes projetos solidários com a população saharaui refugiada, uma delegação do sindicato se reuniu com Ali Mohamed Salem, Secretário Geral de UGTSARIO, a União Geral de Trabalhadores de Saguia El-Hamra e Rio de Oro, organização sindical que agrupa os trabalhadores e trabalhadoras saharauis com o fim de proteger seus direitos laborais e somar esforços pela liberação de seu povo.

Na reunião, a delegação cenetista pode entregar um informe e expor a situação atual do conflito de ‘Las 6 de La Suiza’, além de receber a solidariedade da organização sindical saharaui. A respeito, Ali Mohamed mostrou sua preocupação pela situação das companheiras, sua possível entrada na prisão e o precedente que isso supõe para a prática do sindicalismo na Espanha. Igualmente exigiu o respeito aos direitos sindicais em nosso país.

Da mesma maneira, ambas as partes deram ênfase no internacionalismo, a solidariedade e o apoio mútuo da classe obreira acima das fronteiras que nos separam. Finalmente, a delegação cenetista aproveitou sua estadia nos acampamentos para ampliar a voz das companheiras de La Suiza entre a população refugiada e os diferentes projetos de solidariedade que trabalham nos acampamentos. Pelo internacionalismo! Viva a solidariedade dos povos e a classe trabalhadora!

Fonte: https://www.cnt.es/noticias/la-solidaridad-con-las-6-de-la-suiza-resuena-en-los-campamentos-de-refugiados-saharauis-en-tinduf/

Tradução > Sol de Abril

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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/02/10/espanha-nao-vamos-abaixar-a-cabeca-manifestacao-em-madrid-em-apoio-as-6-de-la-suiza/

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pássaros cantando
no escuro
chuvoso amanhecer

Jack Kerouac

Flecheira Libertária 797 | “Explora e devasta”

explora e devasta 1

Um jornal divulgou o resultado de uma pesquisa que rendeu matéria publicada na revista Nature: no Brasil, entre 2019 e 2022, o garimpo superou a área de mineração industrial. O mapeamento foi feito utilizando imagens de satélites disponibilizadas pela Google e pela Nasa. Os pesquisadores indicam que cerca de 77% dos garimpos tinham traços de ilegalidade e ao menos 15% ocorriam em áreas restritas, como Terras Indígenas (TI), Unidades de Conservação e Reservas. Somente na Amazônia, que concentra a maioria dos garimpos, 62% deles incidem sobre TI’s. No caso dos kayapó, munduruku e yanomami, os focos de exploração e devastação atingem cerca de 90% das terras onde vivem, em Roraima. Os traços de ilegalidade sugeridos pela pesquisa se fundamentam na ausência de medidas compensatórias do desmatamento, como a “reposição vegetal”, e de controle das encostas. Concluíram que deve haver maior fiscalização e monitoramento. E que siga o jogo mortífero.

explora e devasta 2

No mesmo jornal, no mesmo dia, noticiaram um processo do Ministério Público contra a mina de níquel Onça Puma, no Pará. Após uma pesquisa realizada na UFPA, constatou-se que, de 720 indígenas xikrin, 98,5% estão contaminados com metais pesados em níveis acima dos considerados “limites seguros” por organizações de saúde internacionais e nacionais. Níveis “alarmantes” de alumínio, arsênio, bário, berílio, chumbo, titânio, cobalto… este último, uma “assinatura química” do envolvimento da Vale em mais um empreendimento fascínora. O cobalto é utilizado no processo de mineração do níquel, substância base para a produção de aço inoxidável e de baterias recarregáveis. A Vale Base Metals vende legalmente toneladas de níquel e abastece o mercado global, desde a China até a França, e possui parcerias com o Estado brasileiro. Esse processo, agora com o MP, é uma nova etapa de algo que tramita desde 2011, e envolve, além da saúde dos xikrin, a poluição do rio Cateté. Pouco importam os níveis aceitáveis pelas instituições e os trâmites jurídicos. Os xikrin seguem adoecendo, acometidos por enfermidades produzidas pelos povos com Estado e capital. O rio Cateté, os seres que nele vivem e que com ele coexistem seguem envenenados.

 >> Leia o Flecheira Libertária 797 na íntegra aqui:

https://www.nu-sol.org/wp-content/uploads/2025/03/flecheira797.pdf

agência de notícias anarquistas-ana

Patos selvagens.
Por que iriam dois para o norte
E dois para o sul?

Paulo Franchetti

[Holanda] Joke Kaviaar: “Fazemos música de um ponto de vista claramente anarquista”

A poeta e performer é uma veterana do movimento de base holandês

Christiaan Verwey, Buiten de Orde ~

Ontem à noite você esteve com sua banda, Your Local Pirates, no Burgers em Eindhoven. Como foi?

Foi uma noite bem-sucedida com um público misto: de jovens punks a frequentadores mais velhos. Todo mundo estava igualmente animado, até durante nossas músicas mais radicais. Isso foi surpreendente. Tocamos junto com a banda de folk sujo Per Verse Vis, uma música muito legal e boa para dançar. Em termos de conteúdo, não se conectava muito com a nossa mensagem política, mas foi uma festa divertida.

Você prefere ser chamada para um recital de poesia, uma performance ou uma ação?

Desde que possa ser combinada com uma ação, não me importo. Junto com Peter Storm, faço parte do Your Local Pirates. Usamos a música como parte da luta. É isso que mais gostamos de fazer: motivar, encorajar e, se possível, provocar um pouco. Se isso funcionar, fico muito feliz. As pessoas certamente podem nos procurar para isso. E, claro, também para um recital de poesia ou para participar de uma ação.

Que papel o anarquismo desempenha em sua vida?

É um guia para como eu vivo. Ajudar uns aos outros, apoiar-se mutuamente, tomar decisões coletivamente. Fazemos música de um ponto de vista claramente anarquista. Por exemplo, não queremos lucrar e acreditamos que nossas letras e músicas pertencem a todos e podem ser usadas pelo movimento. Na verdade, qualquer um que quiser usá-las para uma manifestação nem precisa pedir permissão. Isso também é anarquismo para mim.

Ainda estamos longe de uma sociedade anarquista. Temos a crise climática, o colonialismo israelense e a ascensão global da extrema direita. Por onde começar e onde priorizar?

Essa é uma pergunta muito difícil. Durante anos, estive comprometida com a luta No Border. Mas cada vez mais senti o peso e a dificuldade dessa luta. Em certo momento, não sabia mais o que fazer. Acabei me afastando e focando em ações contra o foie gras e contra o fechamento de um corredor ecológico em Hoge Veluwe. Então, sigo um pouco em busca do caminho. Há tantas lutas importantes. Sou uma pessoa não-binária e atuo na luta queer. Também vejo isso como parte da resistência contra a ascensão da extrema direita. A política da extrema direita afeta toda a sociedade: desde a agroindústria até a forma como refugiados são tratados e como as ações em defesa da Palestina são respondidas. Gostaria de estar ativa em todas as frentes ao mesmo tempo. Mas, infelizmente, o dia só tem 24 horas e também tenho uma vida privada que merece atenção. No fim, é sempre um equilíbrio entre diferentes prioridades. Ultimamente, tenho tentado me envolver mais com as lutas locais, pois acho que isso é mais eficaz. Conhecemos melhor o nosso entorno, os companheiros de ativismo e, além disso, não precisamos viajar longas distâncias. Entre outras coisas, atuo no Zaankanters for Palestine. Com esse grupo, tentamos nos conectar localmente com o maior número possível de coletivos, como os ocupas e o Extinction Rebellion.

Se compararmos o movimento de ação atual com o dos anos 80, vemos grandes diferenças. Como você percebe isso?

Nos anos 80, vivi experiências muito intensas. Por exemplo, fui uma das co-detidas de Hans Kok, que morreu em uma cela policial em 1985. Se você está em uma cela e descobre que um dos seus companheiros morreu em condições semelhantes, isso te marca profundamente. E se, nesse contexto, alguém grita de raiva ou tristeza e os guardas respondem com um ameaçador “precisamos entrar aí?”, é algo traumático. O mesmo aconteceu após despejos incrivelmente violentos de ocupações. Foi uma época brutal. Naquele tempo, não havia apoio psicológico e recuperação como existe hoje no movimento anarquista. Você saía da cadeia, tomava um monte de cerveja no café dos ocupas à noite, contava histórias exageradas, se afogava na dor e na raiva, e continuava. Antes que percebesse, já havia outro grande evento no horizonte.

Você participa de ações do XR às vezes. Como é isso para você?

Bom, entrei no XR de uma maneira um tanto peculiar. No ano passado, fui presa por “incitação” porque convoquei online um bloqueio da A12. Naquele momento, outras cinco pessoas também foram arrancadas de suas camas. E eu era a única que não estava envolvida na organização do protesto. Juntos, nos preparamos para apresentar uma defesa coerente no tribunal. Acho que fizemos isso bem. Ao longo das conversas, nos conhecemos melhor. Apesar de minha postura ser bem mais radical, tive um ótimo contato com meus co-réus. Senti-me bem-vinda e respeitada por eles. No entanto, tenho dificuldades com o consenso de ação do XR, especialmente com o pacifismo extremo. Acredito que temos o direito de resistir à violência policial e de nos defender contra fascistas. E não, nunca fiz um dos treinamentos de ação deles. Por quê faria? Tenho experiência suficiente. Mas uma coisa boa do XR é a ênfase que eles dão ao bem-estar dos ativistas.

Cada vez mais pessoas ousam dizer que estão insatisfeitas com o sistema político. A extrema direita explora isso habilmente. Não seria este o momento certo para o movimento anarquista se levantar e fazer uma contra-narrativa?

Sim, deveríamos fazer isso muito mais. Acho importante marcarmos presença nas manifestações. Por exemplo, participamos da última marcha climática com um bloco anarquista. Distribuímos panfletos explicando quem somos e o que queremos, e chamando as pessoas para se juntarem a nós. Gostaria de ver muito mais bandeiras anarquistas nos protestos. Muita gente não sabe o significado das cores preto-verde, preto-vermelho ou preto-roxo. É uma ótima maneira de iniciar conversas. Isso também pode ser feito por outras ações, como distribuir comida ou roupas na rua. Escrever sobre anarquismo também é importante, mas acredito que a visibilidade nas ruas é o mais essencial. A música pode ter um papel nisso. Com nosso duo, Your Local Pirates, expressamos ideias anarquistas. Nossas letras são anarquistas e falamos sobre várias questões entre as músicas. Quando tocamos na rua, isso tem um impacto significativo. A ajuda mútua cria coisas lindas. Já tocamos em uma distribuição de alimentos em Utrecht, onde muitas pessoas vieram comer, pegar roupas e ouvir nossa música com nossa mensagem política. Isso foi incrível. Também conseguimos levar nossa música para acampamentos de solidariedade com a Palestina. Esse é o nosso trabalho favorito.

De qual apresentação você mais gostou?

Escrevemos uma música sobre ocupações chamada O que não é permitido ainda é possível, que foi adotada pelo movimento Woonstrijd. Fomos convidados para tocá-la em diversas manifestações. Agora que as pessoas começaram a cantá-la nas ruas, penso: isso realmente valeu a pena. Também escrevemos uma música sobre a luta climática, que tocamos na grande marcha climática de 2019. Quando participamos de uma manifestação em Haia, levamos um megafone e um violão, distribuímos panfletos para que as pessoas pudessem cantar junto. Foi incrível.

Que música você adicionaria à trilha sonora da revolução?

Já me preparei para essa pergunta! Traduzi a música L’estaca, de Lluis Llach, para o holandês, chamando-a de De staak. A versão que mais gosto, no entanto, é a dos Klezmatics, chamada Der Yokh, cantada em iídiche. Acho tanto a língua quanto a música incrivelmente belas.

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/02/11/joke-kaviaar-we-make-music-very-clearly-from-an-anarchist-point-of-view/

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

gota no vidro
um rosto na janela
olhar perdido

Carlos Seabra

[Alemanha] Bremen: Desligue o Estado de segurança! Quatro veículos da polícia civil incendiados na delegacia de polícia de Doventor!

De 9 a 10 de março fomos à delegacia de polícia de Doventor, na Daniel-von Büren-Straße, que estava ocupada à noite. Com a consciência tranquila, ateamos fogo atrás da delegacia, em frente a ela e no estacionamento.

Para os policiais:

Vocês prenderam as pessoas erradas naquela noite. Vocês estão mais uma vez pesquisando no escuro. Para fazer a imprensa, e consequentemente todos nós, acreditar que vocês têm tudo sob controle. Isso é mais do que problemático. Mostra mais uma vez como suas ações são arbitrárias e racistas quando descobrimos quais pessoas foram presas. Tenham vergonha na cara e cuidem de seu ego autoritário inflado. Em vez disso, admitam que é possível driblar suas patrulhas e colocar dispositivos incendiários sob seus veículos.

Deixe que a vergonha e o medo mudem de lado. Por mais imitadores

Para as nove pessoas com idade entre 15 e 27 anos:

Lamentamos muito que os policiais os tenham perseguido pelo que fizemos e que tenham ficado detidos até segunda-feira à tarde. Sabemos o que é estar à mercê de uma delegacia de polícia. Isso é péssimo. Esperamos que vocês se recuperem e que seus amigos cuidem bem de vocês.

Aos nossos inimigos:

O novo governo da Alemanha quer mais armamento militar. Todos concordam em dar às empresas de armamento ainda mais dinheiro e ordens para matar. O fascismo está cada vez mais próximo. Para onde quer que olhemos no mundo, vemos loucos, em sua maioria homens, transformando suas fantasias desumanas patriarcais e de direita em realidade. Estamos sendo escrupulosamente chutados para um novo patamar. Não devemos nos enganar pensando que isso simplesmente caiu do céu. Em muitos países da UE, trata-se mais de um processo rasteiro e, pouco a pouco, tudo o que tem a ver com autodeterminação e solidariedade está sendo sufocado. A história está se repetindo. A democracia, com sua atitude covarde, abre as portas para os fascistas. O discurso de ódio continua sendo uma tendência alemã e a remigração está na boca de todos.

Como resultado desses debates, a polícia também está sendo aprimorada e está recebendo mais liberdade de ação e melhores armas. Não aceitaremos o poder e as ameaças da polícia e do Estado. Menos quatro carros para os malditos policiais usarem para nos espionar, nos denunciar, nos ameaçar e nos observar…

Atacar os policiais é um ato de resistência e desarmamento!

Aos nossos companheiros de luta na prisão e a todos os companheiros afetados pela repressão:

Tenham certeza de que continuaremos nossas lutas conjuntas contra a exploração e a opressão. Liberdade e felicidade para Maja, Hanna, Nanuk, Gino, Nele, Paul, Luca, Zaid, Paula, Tobi, Clara, Moritz, Mariannas, Dimitra, Sahra… Saudações furiosas aos anarquistas de Munique que foram atacados à noite por 140 policiais fortemente armados e aos anarquistas M. e N. presos em Stadelheim.

Para Burkhard:

Lemos seu texto de discussão “A possibilidade de um momento histórico é agora”. Também acreditamos que a situação se tornará tão grave nos próximos anos que talvez não possamos mais evitar uma luta armada. Continuaremos a discutir essas opções em nossos círculos. Até lá, atacaremos o cruel mundo autoritário com os meios atuais, como o fogo.

Nós também o cumprimentamos e lhe enviamos muita força, onde quer que esteja.

Até que todos sejam livres!

(A)

Fonte: https://de.indymedia.org/node/498270

agência de notícias anarquistas-ana

Parada do trem –
Com o vendedor de flores
Vêm as borboletas.

Sôshi Nakajima

As seções da CIT de todo o mundo se juntam às manifestações do 8M

Nossas seções se somam a centenas de milhares de pessoas em um dia de luta feminista

Os sindicatos locais das seções da CIT de todo o mundo foram às ruas para marcar o 8 de março como um dia de luta feminista. Unimo-nos a centenas de milhares de pessoas em diferentes partes do mundo para enviar uma mensagem clara: apesar da ofensiva machista e da extrema direita, feminismo sempre!

Não são palavras vazias. Nos últimos anos, houve um aumento das atitudes machistas e patriarcais, junto com o crescimento dos partidos de extrema direita em todos os âmbitos, que, em alguns casos, chegaram a posições de poder a partir das quais aplicam sua agenda reacionária. Assim, atacaram migrantes, pessoas com deficiência, diferentes raças e grupos étnicos, mulheres e a comunidade LGBTQ+, entre outros setores. O feminismo está na linha de frente dessa batalha e é uma barricada a partir da qual podemos nos opor a essa ofensiva. As manifestações do 8M são uma boa oportunidade para nos lembrarmos de que somos muitas e gritar que não queremos suas políticas racistas, sexistas e discriminatórias.

Esse empenho se traduz em medidas muito específicas em cada contexto e situação, e as seções da CIT refletiram isso em suas reivindicações concretas. O feminismo não é uma torre de marfim que se eleva acima do mundo real. Afeta nossa vida cotidiana de muitas maneiras diferentes. Seja defendendo o direito ao aborto, lutando contra os fanáticos religiosos que abundam em nossas sociedades, combatendo a discriminação contra nossas companheiras LGBTQ+ ou exigindo banheiros limpos nas fábricas e acesso a produtos de higiene menstrual, não faltam razões práticas para se juntar à luta feminista.

Todas as nossas seções e seus sindicatos locais fizeram isso, cada uma com suas próprias reivindicações e respostas aos problemas locais e globais. Assim, contribuíram para enviar uma mensagem bem alta e bem clara: viva a revolução transfeminista, que defende nossos direitos no local de trabalho e na sociedade!

Fonte: Iclcit.org

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

calor na nuca
sol lá fora me faz
sombra dentro

Alexander Pasqual

Konvergência Anarquista da Mata Atlântica – Inscrições Abertas

Convidamos a todys para a Konvergência Anarquista da Mata Atlântica (KAMA) a ser realizada no outono de 2025, entre os dias 18 e 21 de abril, no município de Maquiné, em território hoje ocupado pelo Estado do Rio Grande do Sul.

KAMA é, antes de tudo, um momento de confluência na mata, de circulação de histórias, ideias e saberes, atividades autogestionadas, mutirão, onde vamos refletir sobre o nosso passado, absorver o presente, sonhar e conspirar um futuro coletivo para viver práticas mais livres e iguais.

A participação do evento será feita mediante inscrições através do formulário disponível neste link:

https://cryptpad.disroot.org/form/#/2/form/view/YM6kxjWK7iBGtkJ6kRI6UEW8CkGvVrUO28DeMhSTbYQ/

Se houver dúvidas, escreva para o e-mail konvergencia@riseup.net

KAMA – Konvergência Anarquista da Mata Atlântica

18 a 21 de abril

Maquiné/RS

agência de notícias anarquistas-ana

Noite escura,
chuva fina esconde
a lua cheia.

Fabiano Vidal

[Espanha] Manifestação 8M 2025: Bloco Crítico Feminista

Apesar do empenho reacionário de alguns machistas ou medíocres por arrancar e censurar os cartazes da convocatória, centenas de pessoas nos reunimos em 8 de março às 20h30 na plaza de Fuente Sorada e percorremos o centro de Valladolid para reivindicar uma jornada combativa, de classe e de luta transfeminista. Reivindicávamos o 8M 2025, dia internacional da mulher trabalhadora, a convocatória do Bloco Crítico Feminista (Marabunta Autodefensa Feminista, CNT, Camada Queer Castelhana, CGT).

Gritando e defendendo que não queremos transfobia nem machismo em nossos bairros, que há que pôr fim à diferença de gênero no mundo laboral, que tanto faz pessoa estrangeira ou nativa porque somos todas a mesma classe obreira.

Inevitável fazer nossas as palavras das companheiras da Casa Feminista:

Começamos a marchar. Somos uma massa de pessoas caminhando e gritando: a luta será transfeminista ou não será! De norte a sul, de este a oeste, a luta segue custe o que custar! Não é um caso isolado, se chama patriarcado!

Marchamos com frio, mas contentes porque a chuva nos respeita, levantando cada vez mais a voz, orgulhosas de olharmos entre as companheiras, de ver umas meninas deixando sua voz com um megafone, recuperando a esperança. Olhando para frente e para trás, e dizendo: há muita gente, verdade? Sim, há. Após passar pela Plaza Mayor, Plaza Santa Ana, Plaza Poniente, Bajada de la Libertad e chegar à Plaza de Portugalete, onde se lê o manifesto, creio que todos temos na boca essa frase e no coração essa sensação de calor que se tem quando te sentes satisfeita e acompanhada, quando crês que vale a pena, que estás certa de que há que seguir lutando, mais forte se possível. Porque o inimigo está aí, mas nós estamos juntas, temos força e somos irrefreáveis.

Nosso objetivo é um mundo compatível com a vida, com a de TODOS: a das pessoas trans, as mulheres palestinas, as discas, as de classe obreira, de todas as idades e todas as origens, em uma terra habitável e sustentável. Essa é e será nossa luta. Em 8 de março e no resto dos dias do ano.

É em Portugalete, onde finalizou a manifestação multitudinária, onde se leu o emotivo manifesto recordando as companheiras de «las 6 de La Suiza», condenadas por lutar sindicalmente, ou o último desalojo de uma mulher e suas três pequenas.

Ao final do manifesto se agradeceu a toda a gente que apoiou o transfeminismo e o Bloco Crítico Transfeminista, com uma recordação carinhosa à companheira Vero.

Fonte: https://www.cntvalladolid.es/manifestacion-8m-2025-Bloco-critico-feminista/

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

sol em plenitude
uma rã pula — em versos
barulho de Vida

Roséli

[Espanha] Concentração: “Não nos arrastem para a guerra”

A OTAN e a UE estão nos arrastando para um conflito que só beneficia as elites globais e locais, enquanto nós, os “ninguém”, estamos colocando nossos corpos e nossas vidas nele.

Essa guerra que paira sobre nós esconde outra violência mais silenciosa: demissões, salários de miséria e jornadas de trabalho exaustivas, despejos, aumento dos preços de produtos básicos e a deterioração e privatização dos serviços públicos.

Diante do discurso belicista dominante, que quer recuperar o imposto de sangue (o serviço militar) e tira os recursos do povo, é mais urgente do que nunca sair às ruas contra a guerra imperialista, contra o genocídio na Palestina, contra a OTAN, as bases militares e contra a UE e seus Senhores da Guerra.

A luta é pela vida, a soberania e a dignidade dos povos.

Não nos arrastem para a guerra!

Plaza de los Fueros, Tudela. Navarra

Sábado, 15 de março. 12 horas

agência de notícias anarquistas-ana

livro aberto gelado
o norte geme no vento
sobre a página branca

Lisa Carducci

[Itália] Um café bom e justo? Sim! Obrigado!

Domingo, 16 de março de 2025 – Praça do Município – Marigliano
A partir das 10h00 – Coletivo utopiA e TATAWELO; 18 anos de rebeldia em uma xícara de café excelente.

A partir das 11h00, a radioplazA transmite o evento ao vivo da praça e em streaming no collettivoutopia.noblogs.org

Para mais informações e outras sugestões, escreva para
collettivoutopia@bruttocarattere.org

Pressupostos

Em Marigliano, existe um grupo de compra promovido pelo coletivo utopiA, que há 18 anos apoia e promove a distribuição direta de um café muito especial, bem diferente daquele ao qual todos nós estamos acostumados a consumir em nossas casas ou nos bares do mundo inteiro.

Há muitos anos se sabe que a maioria do café comercializado pela grande distribuição, além de ser símbolo da exploração dos trabalhadores e da devastação descontrolada de certos territórios, não é nem mesmo um produto genuíno e fresco da estação. Ele é, na verdade, cultivado com o uso massivo de produtos químicos, tóxicos e poluentes; depois, é colhido ainda verde, amadurece estocado por meses em navios mercantes e, em seguida, é empilhado por anos em alguns armazéns ao redor do mundo, antes de ser transformado e consumido por milhões de pessoas, muitas vezes sem saber de tudo isso.

Isso é comprovado por dezenas de livros, investigações e documentários dedicados ao tema.

E por isso…

No domingo, 16 de março de 2025, a partir das 10h30, o coletivo utopiA convida todos que estiverem na Praça do Município em Marigliano a participar da apresentação do projeto TATAWELO, uma cooperativa de Turim que, há muitos anos, mantém contato com pequenas comunidades de agricultores do Chiapas (México) que, nessas terras, resistem ao poder dos mercadores das multinacionais, através da venda direta de seu café, cultivado com métodos agroecológicos, respeitando o meio ambiente, a saúde e a dignidade das pessoas.

Tudo verdadeiro!

 A cooperativa TATAWELO, que importa, transforma e distribui esse café na Itália, apoia o trabalho e a autonomia dessas comunidades por meio de um pré-financiamento promovido todo ano na primavera, e garante para quem o adquire a alta qualidade dos grãos, colhidos no ponto certo de maturação e transformados no próprio ano da colheita.

A receita do pré-financiamento, além de cobrir os custos de produção e distribuição do café, é empregada em projetos sociais para apoiar as realidades autônomas zapatistas nas terras de Chiapas.

Então, todos na praça para um bom café!
E para quem não puder estar lá no calçadão, ouçam bem! Tem radioplazA.

A partir das 11h00, transmissão ao vivo da praça e em streaming “ExtemporAnea (Ultra)rAdiofOnica rAdioplazA” no collettivoutopia.noblogs.org:
notícias, música, histórias reais e testemunhas oculares; para uma xícara de café (TATAWELO!) que tem o cheiro da liberdade.

Pela autonomia – coletivo utopiA
Marigliano – Inverno de 2025

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Na velha roseira,
entre as folhas e os espinhos,
uma aranha tece.

Humberto del Maestro

[Reino Unido] Façam vocês mesmos e cuidem uns dos outros

Reflexões sobre três décadas de ativismo ambiental 

Helen Baczkowska ~ 

A primeira coisa a fazer foi reorganizar os móveis—o que estava disposto para um palestrante e uma plateia rapidamente se transformou em um círculo improvisado. Afinal, uma discussão significa ouvir muitas histórias, não apenas uma.

Estávamos na Caracol Books, em Norwich, para uma conversa sobre as últimas três décadas de ativismo ambiental no Reino Unido. Comecei a noite lendo trechos do livro Twyford Rising—a história do primeiro protesto anti-rodovia no Reino Unido na década de 1990. O livro é uma história oral, com as vozes daqueles que participaram narrando a campanha de ação direta contra a construção da rodovia M3. Essas vozes incluem moradores locais de Twyford Down, a “Tribo Dongas” que acampou na terra ameaçada, e ativistas do Earth First!, então em sua infância no Reino Unido. Como sempre, imprimi citações-chave do livro e as distribuí para que as pessoas as lessem durante a noite. Twyford Rising não é apenas a minha história, mas uma história da qual muitas pessoas fizeram parte, e o caos, os ocasionais desacordos, a música, os mitos e o cheiro de urina de cabra no abrigo comunitário fazem todos parte do relato.

Antes do encontro, um membro local do Just Stop Oil perguntou se eu era uma ativista “aposentada”—acho que essa suposição foi feita porque não faço parte do JSO. Responder a isso vai direto ao coração das conversas que tivemos—o ativismo assume muitas formas e trabalha em muitas frentes. Talvez a melhor resposta que eu poderia dar foi que passei grande parte do dia ao lado de outros, em solidariedade com as Marchas Populares na América, realizadas antes da posse de Donald Trump. Um pequeno gesto, não radical, admito, mas tudo o que senti que podia fazer a essa distância, e algo recebido com gratidão por nossos contatos nos Estados Unidos. A mensagem vinda de muitos grupos nos EUA neste momento é que a ajuda mútua será uma das formas mais importantes de resistir aos piores excessos da presidência de Trump. Na reunião da noite, discutimos como a ajuda mútua e a organização local poderiam ser cruciais nos próximos anos.

A Caracol Books organizou o evento como parte de uma série de aprendizado intergeracional entre anarquistas e grupos ativistas. Como resultado, uma das perguntas feitas foi o que nós, mais velhos, aprendemos; a resposta unânime foi cuidar mais de nós mesmos e dos outros. Com isso, queríamos dizer que, nos primeiros anos dos protestos contra rodovias, não dedicávamos tempo para cuidar de nós mesmos ou das pessoas ao nosso redor. Muitos de nós ficamos esgotados e tratávamos isso como normal. Para mim, a necessidade de autocuidado e apoio mútuo é algo que aprendi trabalhando ao lado de pessoas negras e ativistas LGBTQIA+.

Eu disse que organizar-se sem hierarquias e líderes há muito tempo é crucial para meu ativismo ambiental. Na prática, isso garante inclusão, diversidade de ideias e, muitas vezes, maior segurança nas ações. Também é parte de criar o futuro que desejamos, aqui e agora, e colocar o mundo natural no centro de todas as decisões. Sempre deixo claro nas minhas falas que a classe social também é parte disso. Com muita frequência, as preocupações ambientais são vistas como questões de classe média, mas vemos cada vez mais que o acesso a espaços verdes e selvagens é crucial para a saúde humana. Isso não é novidade, meu bisavô, que começou a trabalhar em uma mina de carvão aos sete anos, era um defensor da campanha pelo direito de caminhar na década de 1930 e um apoiador da proteção das terras comunais no País de Gales. Minha vida como ativista faz parte de um legado de gerações, e aprender a história de muitas lutas na Grã-Bretanha foi algo que discutimos naquela noite.

As pessoas também me perguntaram sobre as infiltrações de policiais-espiões e como a vigilância disfarçada impactou minha geração de ativistas (muito, e ainda está acontecendo). Outra pergunta foi como continuamos com ações diretas em uma época de legislação cada vez mais draconiana. Isso foi respondido por várias pessoas, que apontaram que muitas nações e gerações anteriores enfrentaram desafios semelhantes. Essas observações são verdadeiras, mas as penalidades cada vez maiores para protestos políticos estão se mostrando um fator dissuasivo para aqueles que, por muitos e válidos motivos, não podem arriscar ir para a prisão.

A questão sobre “para onde vamos a partir daqui”, no entanto, permanece importante e precisa ser abordada coletivamente, por meio de discussões e da inclusão de muitas vozes. Como disse uma das pessoas entrevistadas para Twyford Rising, em uma citação que sempre gosto de incluir: “a melhor maneira de entender tudo isso é sair e fazer você mesmo… fazer parte da resistência é mais significativo do que ler ‘e nós resistimos’.”

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/01/23/do-it-yourselves-and-take-care-of-each-other/

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

Abro o armário e vejo
nos sapatos meus caminhos.
Qual virá no séquito?

Anibal Beça

[França] A biblioteca Libertad precisa de você!

A biblioteca anarquista “Libertad” foi criada em Paris, em 2010, como um espaço “onde experiências e perspectivas podem ressoar umas com as outras, para pôr fim a um mundo mortal baseado na lógica da exploração e dominação”. Mês após mês, muitas discussões, debates, palestras e exibições de filmes aconteceram lá, entre milhares de livros, arquivos e zines disponíveis para empréstimo ou distribuição. Suas paredes ecoaram as vozes de camaradas de outros continentes que vieram compartilhar suas lutas.

Elas nos permitiram reunir documentos e testemunhos de lutas passadas para aprofundar as possibilidades do presente. Elas falaram em solidariedade com camaradas presos e com as ondas de ataques ao existente. Vibraram com debates vivos sobre os novos assaltos da dominação à liberdade e à vida, e os diferentes caminhos a serem trilhados para derrubar o mundo como ele é.

Muitos encontraram nesses debates uma fonte de inspiração para rupturas, assim como encontros significativos, “tantas oportunidades de abandonar os caminhos alienantes da resignação e de afiar nossas críticas para o aqui e agora”.

Ao longo dos últimos catorze anos, a biblioteca Libertad sempre fez questão de se manter longe de financiamentos institucionais, graças, em particular, a eventos de apoio, como refeições, concertos, mas também doações e criatividade coletiva. Localizada no bairro de Belleville, em Paris, a biblioteca enfrenta um aluguel que se torna mais pesado a cada ano. É por isso que estamos fazendo este apelo excepcional por apoio financeiro, para que possamos quitar a dívida acumulada com o aluguel que nos sufoca… e continuar a explorar os vasos comunicantes entre ideias e ação com total autonomia, sem mestres nem escravos. Precisamos arrecadar vários milhares de euros para pagar esse déficit e continuar a pagar o aluguel semestral de 6.000 euros.

Acolhemos todos os tipos de doações anônimas e iniciativas públicas organizadas de forma descentralizada, que, é claro, serão somadas aos nossos próprios esforços.

Se tiver perguntas ou quiser mais informações, escreva diretamente para amiesdelibertad@riseup.net… e, de qualquer forma: viva a anarquia!

Participantes da biblioteca anarquista Libertad,

(bibliothequelibertad.noblogs.org)

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

Um trovão estronda –
e os trovõezinhos ecoam
na selva em redor.

Nenpuku Sato

[Espanha] Uma solução para o problema da guerra

Por Acratossauro Rex

A esquerda não dizia que a culpa da direita vencer as eleições era da abstenção? Pois bem, na Alemanha, nessas eleições, a direita venceu com 84% de participação. Ou seja, quase todo mundo votou, exceto aqueles que não puderam se aproximar das urnas por problemas de mobilidade, documentação vencida, erros no censo, distrações, etc., além dos que votaram nulo… Eu mesmo não votei nessas eleições porque tinha que escovar o cachorro. Queria votar com todas as minhas forças, e foi impossível.

Mais uma vez, fica demonstrado que a abstenção não tira nem coloca a esquerda. O que faz a esquerda não vencer as eleições não é que as pessoas se abstenham. A esquerda perde porque não convence os eleitores. Não sei por quê. Por algo será. Parece que as bobagens e os slogans que a esquerda lança deixam seu eleitorado completamente indiferente. Por isso, este é o meu conselho: esquerdista, para ganhar as eleições, você só precisa conseguir que as pessoas votem em você. É isso. Garantido. É o que a direita faz.

Segundo a imprensa, as coisas estão esquentando no mundo. EUA, UE, Rússia, China, Índia e um monte de outros países estão se preparando para a guerra. Chamam isso de dissuasão, ou seja, se você tem um exército enorme e poderoso, ninguém vai se meter com você. O que acontece é que, se seu exército é grande e muito forte, a tentação de invadir seu vizinho ou de colocar seus interesses à frente de tudo vai provocar a guerra. Bom, sim, é que isso é o que sempre aconteceu. Isso não facilita uma visão otimista do futuro, quando esquerda e direita estão dispostas a aumentar seus orçamentos militares para 5% da arrecadação. Pela paz e pela segurança, já veem.

Ah, e outra coisa: um problema da esquerda é que alguns de seus slogans acabam sendo adotados pela extrema direita. Diziam que Zelensky, o da Ucrânia, era um governo nazista. Agora, Trump aparece e afirma que ele é um ditador e que deve renunciar. A esquerda verdadeira afirmava que os EUA e a UE deveriam parar de financiar o governo da Ucrânia em sua guerra com a Federação Russa. Aí vem Trump e diz que ele e Putin vão resolver o assunto. A esquerda autêntica proclama que a União Europeia é uma porcaria, e o Partido Conservador do Reino Unido faz o Brexit… Enfim, os reacionários não deixam os progressistas acertarem nem uma, nacionalistas de Estados soberanos, cuja única visão de uma Europa Unida é dada pelo Festival da Canção da Eurovisão.

Não está claro, diante do panorama existente, que os Estados estão cada vez mais poderosos, que os milionários estão mais ricos e que essas concentrações de armas e dinheiro vão provocar o caos mais cedo ou mais tarde? Para mim, o que está claro é que a solução para todos esses problemas horríveis continua sendo o anarquismo: não mais exércitos, abaixo os Estados soberanos. Entrar em discussões sobre como nos defendemos só nos levará a gastar dinheiro, esforços e vidas em guerras que não nos dizem respeito. Só há uma forma de evitar as guerras: não participar delas. E me dirão que isso é uma loucura… Bem, parece que é mais inviável fazer a esquerda vencer uma eleição.

Fonte: https://acracia.org/una-solucion-al-problema-de-la-guerra/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

A abelha voa vai
vem volta pesada
dourada de pólen

Eugénia Tabosa

[Espanha] Agustín García Calvo, ou o pensamento como ação direta

Em um livro recente e relevante, ¡Al ladrón! Anarquismo y filosofía (Kaxilda, 2023), Cathérine Malabou argumenta que alguns dos pensadores mais significativos da filosofia contemporânea “roubaram” impulsos, orientações e conceitos do anarquismo para desenvolver uma crítica da dominação ou uma lógica de governo, sem reconhecer a origem dessas ideias e sem jamais se autodeclararem anarquistas. Assim, o anarquismo — ou o pensamento social anarquista — seria a fonte não confessada de filósofos como Schürmann, Levinas, Derrida, Foucault, Agamben ou Rancière, que sempre rejeitaram o rótulo. Existiria, portanto, uma persistente negação do anarquismo em um pensamento contemporâneo que, ao mesmo tempo, se alimenta dele em grande medida. Como se a relação dos filósofos com a literatura anarquista ocorresse às escondidas, de forma clandestina, como algo vergonhoso que se pratica, mas não se declara. Um anarquismo que a filosofia primeiro saqueia e depois disfarça em expressões conceituais sublimadas. No entanto, isso estaria começando a mudar hoje, com o chamado “giro anarquista” na teoria, em que diversos pensadores parecem sair do armário. É o caso de Malabou na filosofia, ao desenvolver um conceito propriamente anarquista: o do “não governável”. Algo semelhante ocorre em outras áreas, como com o antropólogo David Graeber ou a autora de ficção Ursula K. Le Guin. Parece que o anarquismo hoje se torna mais apresentável nos debates acadêmicos.

Antes de abraçar esse giro e arquivar a negação filosófica do anarquismo, proponho reabrir o caso e chamar uma última testemunha: o pensador Agustín García Calvo.

García Calvo parece, à primeira vista, um exemplo perfeito dessa negação. Malabou poderia tê-lo incluído em sua lista se conhecesse sua obra. Um exemplo: em 1972, editores da revista Ruedo Ibérico convidaram-no para colaborar em um número especial sobre anarquismo. García Calvo recusou, explicando em uma carta (publicada posteriormente em 1978 na História Libertária) que tal colaboração contribuiria para a institucionalização da anarquia, transformando-a em “doutrina” ou “identidade” apta a se tornar poder. Para ele, há uma contradição insuperável entre negar a Ordem e ser um negador da Ordem, entre rebelar-se contra a Sociedade e ter um ideal de Sociedade.

García Calvo defende um “coração anárquico” (ou “anarquizante, acrático, rebelde ou negativo”). O anarquismo não é teoria, mas prática — uma ação que destrói sistemas, não um sistema filosófico. Isso o aproxima da “desconstrução” de Derrida ou da “destituição” de Agamben. Para ele, a liberdade anarquista só existe como ato de libertação, não como conceito. Essa liberdade negativa (prática, não identitária) o liga também à emancipação em Rancière. García Calvo, que praticou atos anárquicos a vida toda, recusou o rótulo de “anarquista”, herdando a tradição prática do anarcossindicalismo espanhol, mas elevando-a ao terreno contracultural.

Sua ação direta era pensamento como dinamite: criar brechas na Cultura (com “C” maiúsculo) para que “o vivo e palpável” emergisse. Um exemplo é o hino da Comunidade de Madrid que ele compôs — um “anti-hino” que expõe a abstração do poder político. Para García Calvo, a ação anarquista no pensamento abre espaço para “o corpo” e “o povo” (entendidos como anti-Estado, não governáveis). O povo, dizia, “só existe quando se rebela”.

Isso se materializou no programa de rádio Pensamiento 3 (1988-1990), que levou filosofia ao grande público e conectou coletivos minoritários. O programa foi cancelado, mas García Calvo evitou o discurso de “censura heroica”, sugerindo que o fim era parte da rotatividade normal das mídias. Para ele, o pensamento como ação direta não busca a verdade, mas destrói abstrações (Estado, Capital, Futuro) para que o “vivo” respire.

García Calvo também rejeitou identidades fixas usando pseudônimos, anonimato e assinaturas coletivas (como na Comuna Antinacionalista Zamorana). Seu pensamento libertário exigia negação constante — não para fundar uma nova ordem, mas para ressuscitar o caos primordial, onde tudo é possível. Chamá-lo de “anarquista” seria trair essa negação, transformando-a em ideologia.

O anarquismo, para García Calvo, não é teoria, mas ação de qualquer um. Não pertence a “anarquistas”, mas à prática de quem nega a dominação — até mesmo no pensamento, quando a abstração é a forma moderna de opressão.

Jordi Carmona Hurtado 

Professor de filosofia

Nota: Texto citado em Jordi Carmona Hurtado, Cómo matar a la muerte. Agustín García Calvo y la filosofía de la contracultura (La oveja roja, 2022), p. 246.

Fonte: https://acracia.org/agustin-garcia-calvo-o-del-pensamiento-como-accion-directa/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Enquanto agachado
Ao lado da chaleira
Como faz frio!

Naitô Jôsô

Élisée Reclus: Um Visionário da Geografia e da Liberdade

Recordamos neste mês de março, o nosso camarada Élisée Reclus. 

Ele, que veio ao mundo em 15 de março de 1830, na França, Élisée Reclus consagrou-se como um dos mais brilhantes geógrafos e pensadores do século XIX, cuja obra transcendeu as fronteiras acadêmicas para dialogar com as urgências sociais e ambientais de seu tempo. Reclus revolucionou a ciência geográfica ao integrar uma visão humanista e ecológica, décadas antes de tais conceitos ganharem espaço mainstream. Sua monumental Nouvelle Géographie universelle não apenas mapeou o mundo físico, mas investigou as complexas relações entre sociedades e seus ambientes, antecipando preceitos da geografia humana e do ambientalismo moderno. Para ele, a natureza não era um mero cenário, mas um organismo vivo interligado à história e à cultura — uma perspectiva que o tornou pioneiro do pensamento interdisciplinar.

Além de seu legado científico, Reclus dedicou-se às lutas por justiça social, alinhando-se ao anarquismo e participando ativamente de eventos como a Comuna de Paris (1871). Sua crítica contundente ao colonialismo, à exploração capitalista e às estruturas de poder autoritárias ecoou em textos e ações, defendendo uma sociedade baseada na cooperação livre e na autonomia coletiva. Perseguido e exilado por suas ideias, jamais recuou de seu ideal: um mundo onde a ciência servisse à emancipação, não à dominação. Sua geografia, portanto, não era neutra — era um instrumento de transformação, que denunciava desigualdades e inspirava resistências.

Mais de um século após sua morte, o legado de Reclus permanece vivo. Seus escritos influenciam movimentos ecologistas, correntes anticoloniais e práticas pedagógicas libertárias, evidenciando que sua visão de harmonia entre humanos e natureza segue não apenas atual, mas urgente. Em tempos de crise climática e ascensão de autoritarismos, Reclus nos lembra que a ciência engajada e a ética solidária são armas contra a opressão. Sua crença na capacidade dos povos de construir alternativas horizontais e sustentáveis ressoa em lutas atuais, das ocupações agroecológicas às redes de apoio mútuo. Élisée Reclus não foi apenas um homem de seu tempo — mas um farol para quem ousa imaginar futuros mais justos e livres.

Federação Anarquista Capixaba – FACA

federacaocapixaba.noblogs.org

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Menino de rua
arrastando os passos
na névoa noturna

Jorge Lescano