[Confira a seguir a entrevista que a tatuadora Marina Knup concedeu à ANA. Ela acredita que as tatuagens feitas por anarquistas quase sempre acabam partindo da idéia de expressar no próprio corpo a rebeldia e criatividade anárquica.]
Agência de Notícias Anarquistas > Como foi esse encontro com a tatuagem? Como começou?
Marina Knup < Comecei há quase 10 anos atrás, quando chegou na minha mão uma primeira maquininha caseira, que um amigo me deu. Eu era bem nova na época e não tinha pretensão alguma de tatuar realmente, mas como sempre desenhei desde pequena, achei que seria legal tentar. A máquina era totalmente precária, mas gostei da coisa e fui atrás de equipamento profissional, que fui conseguindo com o tempo. Também não tinha a mínima idéia dos procedimentos de tattoo, técnicas, cuidados de biosegurança, e por isso comecei a ir atrás também de outros tatuadores e trabalhei em alguns estúdios fazendo desde serviços externos até limpeza e montagem de bancada pra aprender tudo o que precisava – já que pra além das técnicas de tatuar, o processo também envolve todo um cuidado com contaminação cruzada e outras coisas que podem colocar em risco tanto quem tatua como quem é tatuado.
ANA > Você lembra qual foi a primeira tatuagem que fez?
Marina < A primeira tatuagem que fiz, já com uma máquina profissional, foi em mim mesma. Como não tinha noção de técnicas de traço e pintura, quis treinar na minha própria pele para ver como seria. Depois foram surgindo várias pessoas próximas, do meio punk, que se ofereceram pra ser minhas primeiras “cobaias”. Então as primeiras foram todas desenhos como A-na-bolas, imagens punks, de bandas, e símbolos relacionados.
ANA > E qual foi o desenho que você fez em si mesma? Aliás, você tem várias tatuagens. Poderia descrevê-las e como escolheu cada desenho?
Marina < O desenho que fiz em mim mesma é parte de um maior que fui fazendo com o tempo, que vem da idéia de orquídeas nascendo do concreto e rompendo o chão com suas raízes. Pensei na orquídea a partir do velho mito da “planta exótica” que era muito usada pelos críticos e opositores do anarquismo entre o século XIX e começo do XX no Brasil – algo que segundo eles seria externo à realidade local e que não criaria raízes. Disso então, as orquídeas enraizadas que quebram o concreto conforme crescem. A maior parte das minhas tatuagens vem primeiro de uma idéia ou poesia, que depois vira desenho e então tatuagem.
ANA > Qual a sua linha?
Marina < Na verdade gosto de tatuar em linhas diversas, procuro não me limitar a um único estilo. A única coisa que nunca gostei muito foi o estilo mais comercial de tattoo, que não me estimula em nada… Tento fugir do que para mim seria uma forma “industrial” de tatuar.
Mas já há alguns anos tenho me desenvolvido mais para o lado do preto e sombra, e nos últimos tempos estou trabalhando muito com a técnica de pontilhismo – tanto para tattoo quanto para criações. É uma técnica que comecei a usar há cerca de 1 ano e meio, e desde então estou aplicando em muitos trabalhos pelos efeitos que o pontilhismo consegue dar para a tatuagem.
ANA > Décadas atrás a tatuagem carregava um certo grau de marginalidade, preconceito… mas isso de certa forma mudou nos últimos anos. Podemos dizer que hoje a tatuagem é moda?
Marina < Para uma enorme quantidade de pessoas acho que podemos dizer sim que é uma moda. E dá pra perceber que se tem investido muito nisso, com reality shows, revistas e publicações diversas, roupas, bolsas e outras tantas coisas ligadas a tatuagem, e por aí vai… E nisso surgem pessoas querendo fazer as tatuagens que os famosos têm, ou perguntando qual tipo de tatuagem tá na moda no momento (como se desse pra trocar de tatuagem depois), ou buscando exatamente o mesmo desenho que viu em outras pessoas na rua, e por aí vai…, como se tudo se resumisse a um carimbo que você faz na pele.
ANA > Você conhece outros tatuadores e tatuadoras anarquistas?
Marina < Conheço outros tatuadores anarquistas e punks, tanto daqui quanto de outras partes. Alguns deles começando agora, outros já tatuando há muitos anos. Um dos tatuadores que sempre me apoiou muito é também anarquista e punk, e o interessante destes contatos é exatamente encontrar uma visão libertária tanto da questão de como desenvolver o trabalho em si, como também formas diferentes de se pensar a relação com as pessoas, as criações, as rotinas, a busca por uma forma não “industrial” de tatuar… Enfim, desses contatos surgem trocas de experiências muito interessantes que vão além da questão técnica de se fazer uma tatuagem.
ANA > E já pensaram em organizar algum evento de tatuagem?
Marina < Essa idéia já surgiu algumas vezes em momentos diferentes, e inclusive chegou a acontecer um encontro de tatuagem em um espaço que existia há alguns anos atrás em Cotia (cidade próxima de São Paulo). Não pude ir neste encontro, mas a idéia sempre acaba voltando em algumas conversas. Também já tatuei em uma atividade anarcopunk há alguns anos atrás, enquanto rolavam as bandas.
ANA > Lá pelos idos da década de 80 e 90 eu não via tantos libertários tatuados… Hoje a cultura da tatuagem é mais intensa no meio anarquista, não?
Marina < Realmente, hoje é mais difícil encontrar pessoas não tatuadas no meio anarquista do que pessoas tatuadas! Sei que existem também motivações estéticas, mas o interessante é que as tattoos feitas por anarquistas quase sempre acabam partindo da idéia de expressar no próprio corpo os pensamentos, questionamentos, críticas, idéias e propostas libertárias, e toda a criatividade que o meio libertário tem! E disso surgem desenhos e propostas para tatuagens completamente diferentes do que existe por aí, nas revistas de tattoo e catálogos de desenhos…
ANA > Você vê alguma relação de anarquia com tatuagem?
Marina < Essa pergunta é um tanto difícil de responder, já que como eu falei em uma pergunta anterior, muita gente trata a questão da tatuagem como um modismo e mesmo como um nicho de mercado com enorme potencial de lucro. Então, neste sentido, não teria relação anárquica nenhuma. Por outro lado, como estava falando, acaba sendo, para os e as anarquistas que se tatuam, uma forma de expressar no corpo suas idéias e aspirações libertárias. Para mim, enquanto tatuadora e anarquista, e da forma como levo adiante este trabalho, acaba sendo também uma forma de trabalhar com total autonomia, criando minha própria rotina e tempo conforme minhas possibilidades e necessidades, e possibilitando dentro disso o tempo que preciso para desenvolver os projetos anarquistas e anarcopunks em que estou envolvida, e que não conseguiria levar adiante se tatuasse 12 horas por dia em escala industrial. Então a forma como levo esse trabalho me permite atuar mais ativamente, conciliando as coisas.
ANA > Já tatuou alguma frase libertária em alguém?
Marina < Como desde o início tatuei muita gente do meio anarquista e punk, foram várias as tattoos com imagens ou frases libertárias. De A-na-bolas dos mais diversos tipos, punks jogando molotovs, fazendo ocupações, incendiando o capitalismo, gatos negros, formas diversas de se expressar a palavra Liberdade, estrelas vermelhas e pretas, colagens de zines, passando por rosas negras que surgem das engrenagens, poesias libertárias, e tantas outras…!
ANA > Uma curiosidade. Já tatuou o rosto da Emma Goldman em alguma pessoa?
Marina < Não… Que me lembre agora nunca tatuei o rosto de nenhum anarquista!
ANA > Tem notícias de alguém que já ficou em maus lençóis por ter uma tatuagem libertária? Uma vez eu li numa matéria sobre alistamento militar que as Forças Armadas brasileiras aceitavam pessoas tatuadas, mas não com tatuagens anarquistas… (risos)
Marina < Não me lembro agora de nenhum caso específico, mas uma coisa que já aconteceu muito é a prática de fotografar as tatuagens de punks e anarquistas que são detidos em manifestações e atos, que vão diretamente para um banco de dados específico para isso. De qualquer forma, tomar um enquadro da polícia pode se complicar mais dependendo da tatuagem que você tem…
ANA > Para terminar, entre tantos trabalhos, qual tatuagem libertária que te marcou mais?
Marina < Uma que me marcou muito, em um sentido emocional, foi a que fiz em um amigo anarcopunk que morreu de câncer há pouco mais de um ano, o Mudinho. É um desenho de um homem rico que está no meio de um incêndio tentando salvar seu dinheiro, que já está nas chamas. Ainda hoje é bem estranho pensar que nunca mais vou ver essa tattoo…!
ANA > Mais alguma coisa? Valeu!
Marina < Valeu pelo espaço! Fica um e-mail de contato pra quem quiser trocar idéia… Abraços y resistência!
agência de notícias anarquistas-ana
Chuva de verão —
barquinhos de papel seguem
enxurrada abaixo.
Regina Célia de Andrade
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!