Nabi, um marroquino de uns 20 anos, está deitado no chão. Ele parece morto.
Vinte minutos antes, estávamos juntos, sentados em cadeiras e móveis recuperados do lixo que estão decorando um vagão da antiga estação de trem de Corinto, onde reside Nabi juntamente com 50 outros imigrantes do Afeganistão, Iraque, Argélia, Tunísia, Marrocos, Iêmen… Nasir, o afegão poliglota e amante da arte que nos faz de intérprete, pede a Nabi, também um grande amante da arte, que desenhe algo e o jovem marroquino esboça o navio da Hellenic Seaways, ancorado na baía, a cerca de 500 metros da estação. Todos os imigrantes esperam o feliz dia em que conseguirão embarcar no ferry boat; escalando com ajuda de cordas ou escondidos em caminhões de carga que o barco transporta para a Itália. E lá… mais ao norte, em busca de um emprego, um futuro, uma vida segura e normal. Grécia, atingida pela crise, tornou-se um pesadelo para eles. Eles não têm a mais remota chance de conseguir um emprego em um país onde as taxas de desemprego estão fora de controle. Os gregos não os querem, e eles tampouco querem ficar na Grécia, mas estão presos aqui porque os acordos da União Europeia permitem que terceiros países os devolvam para o lugar pelo qual entraram na UE. E, nos últimos anos, a Grécia tem sido a porta de entrada da Europa para 90% dos imigrantes.
Agora, Nabi está deitado no chão.
Tudo aconteceu muito rapidamente: um grupo de 4 ou 5 moradores da localidade conduzem seus dois veículos a antiga estação ferroviária, alegando que um imigrante havia roubado algum dinheiro no mercado ao ar livre naquela manhã de sábado. Primeiro desferem murros no primeiro imigrante que encontram pela frente, um velho que cozinhava em um fogo improvisado. Em seguida tratam de fazer o mesmo com outros imigrantes, mas os gritos colocam o restante de imigrantes em alerta e mais imigrantes aparecem entre os vagões com paus e pedras para expulsar os agressores. Os agressores voltam para seus carros, embora um deles, antes de entrar em seu Renault Megane preto, aproveita para golpear na cara de outro imigrante. O resto de imigrantes tenta parar o Renault preto, mas o motorista gira rapidamente batendo em outro imigrante, um argelino de uns 35 anos. Depois, param o carro, com a sua parte traseira apontando para nós. E, de repente, o motorista pisa no acelerador e se dirige, em marcha ré e a toda velocidade contra nós. Salto para uma mureta alta, o mesmo faz o fotógrafo Alessandro Penso e outros imigrantes, para evitar ser atingido pelo carro preto. Outros correm, mas Nabi é incapaz de superar a velocidade do carro, que o atinge com força. Seu corpo é arremessado vários metros para trás na frente de nossos olhos atônitos. O demente motorista volta a pisar no acelerador, e escapa, deixando Nabi deitado no chão.
Todos nós corremos para verificar seu estado de saúde. Ele recebeu uma forte pancada e seu rosto sangra, mas está vivo (mais tarde saberíamos que ele teve vários ossos quebrados). Chega a polícia e, em seguida, a ambulância, com um atraso considerável naquele dia porque não há motoristas de ambulância de plantão em Corinto, dado os cortes exigidos pelas medidas de austeridade, e assim tem que vir uma ambulância desde uma cidade vizinha.
Os imigrantes estão revoltados e desesperados. Alguns choram e dizem que dois de seus colegas argelinos – um com cerca de 50 anos chamado Ibrahim e outro de uns 20 anos, chamado Hassan – foram sequestrados pelos agressores, que os haviam levado no primeiro carro. Ligam para eles pelo telemóvel, mas ninguém responde.
“Essas pessoas vêm em dois ou três, armados com cassetetes e paus. Se encontram alguém só o esmurram até deixá-lo meio morto”, denúncia um tunisiano de 30 anos, com muito medo de dar seu nome. “Nós não fazemos nada de errado, até mesmo comemos o que encontramos no lixo, para não perturbar os moradores”, diz Abdulyalil: “Tudo o que fazemos é esperar o momento certo para escapar deste país”. “Dez dias atrás – explica o argelino Ahmed – vieram alguns e me dispararam com uma arma de balas de borracha. Dirigiam um Toyota 4×4 branco”. No entanto, estes imigrantes não podem ir à polícia para denunciar os abusos e ataques.
“Se eles vêm denunciar algo, eu tenho que detê-los porque eles estão vivendo aqui ilegalmente. Lamento, mas assim é a lei”, se desculpa um inspetor de polícia de Corinto. Mesmo agora, que um grupo de jornalistas – o fotógrafo italiano Alessandro Penso, o fotógrafo grego Giorgos Moutafis, o jornalista espanhol Antonio Cuesta e eu – temos sido testemunhas, os oficiais da polícia tentam minimizar o incidente.
– “Você sabe… o dono do carro tem problemas psiquiátricos. Paramos ele antes. Inclusive esteve internado no hospital”, diz o chefe de polícia.
– “Pode ser, mas também seus amigos têm problemas mentais?”, lhes perguntamos.
– “Esta manhã, os imigrantes roubaram dinheiro no mercado…”, justifica o policial.
– “Mesmo que fosse assim, isso não lhes dá direito de ir e tentar matar os imigrantes”, eu reclamo.
– “Sim, essa é a sua opinião”, diz o chefe de polícia.
– “Não, oficial, isso não é a minha opinião. Isso é a lei”.
Estes fatos ocorreram no sábado, 18 de fevereiro, em Corinto, por volta das 15h45.
Atualização: Na manhã de domingo, imigrantes de Corinto nos informaram por telefone de que seus dois companheiros supostamente sequestrados não haviam sido localizados. A polícia segue sem dar notícia da prisão de suspeitos da agressão.
Fonte: http://noticiasdesdegrecia.wordpress.com
agência de notícias anarquistas-ana
No Planalto Central,
as cigarras cantam sangue.
A Justiça dorme.
Onofra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!