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Chamado à solidariedade: A situação dos trabalhadores sem teto no Japão

By A.N.A. on 25 de Junho de 2013

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Somos os sem teto do parque de Tatekawa Kasenshiki, ao leste de Tóquio. O parque onde vivemos foi construído em cima de um rio aterrado e se entende ao longo de uma rodovia elevada. Ali construímos cabanas e é onde vivemos. Em 2012, sofremos duas operações de expulsão. Cortaram a água no parque, proibiram o acesso aos banheiros durante quatro meses com a desculpa de trabalhos de reforma, e atualmente, os banheiros ficam fechados à noite.

Desde o começo dos trabalhos de reforma, o parque fica fechado durante a noite das 6 da tarde às 8 da manhã e grandes grades impedem o acesso. Levantaram grades de 2 metros de altura ao redor de nosso lar e estamos encerrados em um espaço muito restrito. Por isso lançamos um chamado à solidariedade de nossos companheiros do mundo que, assim como nós, estão lutando contra expulsões.

A situação dos trabalhadores sem teto no Japão

No período de alto crescimento dos anos sessenta e setenta, em um contexto de êxodo rural e de migração para as cidades, se contrataram inúmeros trabalhadores por todas as partes do Japão para a indústria de construção e para obras públicas. Milhares de trabalhadores se juntavam nos mercados de trabalho diário chamados yoseba. Cada manhã um intermediário lhes apontava seu lugar de trabalho daquele dia. Inúmeros jovens que foram chamados kin no tamago (os ovos de ouro), foram contratados massivamente para as fábricas e lojas das cidades. As condições de trabalho eram duras e perigosas.

Os trabalhadores viviam em “hanba”, essas barracas de operários onde o lugar da vida se confunde com o lugar de trabalho. Pouco se respeitavam os direitos dos trabalhadores e eram frequentes os casos de trabalhos não pagos e de violência por parte dos empregadores. Quanto à exploração da mão de obra, estas “hanba” retomaram os modelos chinês e coreano de colônias japonesas que deixaram de existir após a Segunda Guerra Mundial.

No começo dos anos oitenta, a economia japonesa entra em depressão pelo aumento do Yen; é a época da bolha financeira e, depois, de sua explosão no final até finais dos anos oitenta. No começo dos anos noventa, pela explosão da bolha, pela mudança estrutural da industria e pelo envelhecimento dos trabalhadores, houve uma expulsão massiva das “hanba”. Os que não tinham recursos suficientes para abrigar-se nas “doya” (moradias baratas onde o aluguel se paga por dia) terminaram na rua. Viram-se obrigados a dormir em acampamentos improvisados, onde não só haviam trabalhadores diaristas como também operários e outros trabalhadores. Barracas de acampamento e barracos foram levantadas em quase todos os parques importantes de Tóquio, que se encheram. Foi uma ocupação totalmente espontânea.

Segundo as normas administrativas dessa época, os que não tinham casa tampouco tinham direitos. Sem casa com registro, se negava aos sem-teto a assistência pública (sistema de ajuda financeira aos pobres), a não ser que tivessem mais de 65 anos ou que estivessem gravemente doentes e que os levassem aos serviços de emergência. O governo decidiu não fazer nada para ajudar aos desempregados. Excluídos da ajuda social e diante da indiferença do governo, só a ajuda em acampamentos sem-teto lhes permitiu sobreviver no combate cotidiano contra a fome, o frio e as enfermidades.

No começo dos anos 2000 a política neoliberal do governo de Koizumi acentuou a precariedade do emprego ao flexibilizar a regulamentação do trabalho. O código do trabalho foi revisado para pior e o trabalho temporário se fez cada vez mais corrente entre os jovens. Costuma-se dizer que nesta época o estatuto dos trabalhadores diaristas e dos yoseba se estendeu a toda a sociedade. Sem novas medidas contra o desemprego e com o corte sistemático da ajuda às empresas, o Japão se viu assolado pela crise dos subprimes (créditos de risco) acarretado pela quebra dos Lehman Brothers. Os trabalhadores temporários são despedidos uns atrás dos outros sem que houvesse medida social alguma para ajuda-los. Ainda que a crise pouco afetasse os que viviam na rua, as perdas de emprego acarretaram em novos sem-teto.

O governo que, até agora, havia conseguido dissimular a exclusão de trabalhadores diaristas e dos sem-teto do sistema de assistência pública, já não pôde ignorar a existência dos inúmeros desempregados que resultaram do choque Lehman. Então, o governo pediu que as práticas administrativas discriminatórias de atribuição da assistência púbica sejam modificadas, e que as ajudas sociais também se deem aos pobres além dos idosos ou incapacitados. Esta mudança nas práticas administrativas reflete a vontade do governo de manter a ordem pública nestes momentos de grandes mudanças sociais.

Ainda que os critérios para beneficiar-se da assistência pública se fizessem menos restritivos, as práticas de aplicação da lei seguem sendo muito criticáveis. Com a desculpa de abusos – pouco frequentes – dos beneficiários, os meios desvalorizaram o recurso à assistência pública e estigmatizaram os beneficiários. São inúmeras as vexações nos guichês de assistência pública, bem como recusas abusivas às petições de assistência. Neste contexto ameaçam com a imposição de uma redução de pressuposto da assistência pública sem nenhuma avaliação das necessidades reais.

Enquanto se impõem reformas retrógradas à assistência pública, o próprio sistema de proteção social é usado como uma ferramenta para a discriminação de dos sem-teto. Isto é óbvio nas práticas. Muitas vezes os sem-teto são recusados nos guichês de assistência social e no caso de serem aceitas as demandas de ajuda social, obrigam aos sem-teto a viver em centros de alojamento privados e duvidosos, cujos gerentes são cúmplices da administração.

Enquanto progride a reabilitação urbana e se multiplicam as expulsões nos parques e nas margens dos rios, em nome da “descontaminação do espaço urbano”, se usa esse mesmo dispositivo de proteção social para eliminar os sem-teto. Em troca da atribuição da ajuda social, a administração exige que os beneficiários renunciem à vida na rua e se instalem em apartamentos.

Clássica técnica do “dá e toma”

Atualmente, a parte leste de Tóquio está em plena reabilitação urbana. A nova torre de transmissões de Tóquio – A Skytree – inaugurada em maio de 2012, se transformou em uma atração turística, com a criação paralela de centros comerciais enormes nos arredores e, ao mesmo tempo, com a expulsão dos sem-teto. Nas margens do rio Sumida, se encontrou um sem-teto afogado, poucos dias depois de sua expulsão pelos empregados do distrito. As obras no parque de Tatekawa formam parte de um plano de reabilitação de toda a zona próxima a Skytree. Um circuito de canoa e caiaque e uma quadra de futsal foram construídos depois das obras de renovação. O uso da quadra de futsal custa 10 000 yens por hora (cerca de 230 reais). Além disso, o parque fica fechado a noite, como uma comunidade fechada. Neste contexto que se desenvolveram várias operações de expulsão dos sem-teto do parque Tatekawa Kasenshiki.

Nós já levamos quatro anos lutando contra tais expulsões, enquanto faz 20 anos que os mais antigos estão instalados no parque. Muitos vivem de trabalhos diaristas ou recolhem latas e papeis para reciclar. Antes de empreender as obras de renovação do parque, o conselho distrital não levou nenhuma ação de informação até os habitantes do parque sobre os direitos que têm em relação à proteção social. Durante 20 anos, os pobres tem construído seus próprios refúgios, tem encontrado trabalho e tem sobrevivido ajudando-se, sem intervenção da assistência pública. Por isso, muitos expressam dúvidas quando lhes propõem proteção social em troca de sua expulsão – umas associações ajudam os que aceitam sair para realizar os trâmites administrativos. O modo de vida destes sem-teto reflete a luta de todos os de abaixo. É uma luta forte a que levam os pobres para manter sua existência sem depender das autoridades e para preservar, desta forma, sua dignidade de seres humanos. Desejamos nos aproximar de nossos companheiros de todo o mundo através desta luta e chamamos à solidariedade de todos vocês!

Contato:

San’ya Rodousha Fukushi Kaikan, 1-25-11 Nihonzutsumi, Taito-ku,
111-0021 Tóquio, Japão
E-mail: san-ya[arroba]sanpal.co.jp
Blog: http://san-ya.at.webry.info/
Twitter: @sanyadesu
 

 

Tradução > Caróu

agência de notícias anarquistas-ana

Venha senhor trovão
Só não vá virar o vinho,
Nem deitar o pão ao chão.

Analucía

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