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Anarquismo no Egito – Uma entrevista da Praça Tahrir

By A.N.A. on 3 de Julho de 2013

atah

Por Joshua Stephens – 2 de julho de 2013

Eu conheci Mohammed Hassan Aazab no início deste ano tomando chá em uma mesa composta por jovens anarquistas, no centro do Cairo. Tinha acabado de acontecer o aniversário da revolução com protestos massivos e o surgimento de um “Black Bloc” ao estilo ocidental que parecia ter pouco a ver com os anarquistas da cidade. Nesta época, a maior parte dos movimentos de base era contra a violência sexual – em particular, as agressões sexuais contra mulheres que usavam turbantes, que se tornaram sinônimo de qualquer grande concentração de pessoas em Tahrir. O trauma de tanta violência praticada contra manifestantes ficou evidente em nossa conversa. Na verdade, Aazab me disse que ele estava farto dos protestos e da política, e que se resignava à disfuncionalidade do dia-a-dia no Egito.

Então veio o dia 30 de junho de 2013. Multidões, supostamente de até 33 milhões de pessoas, foram às ruas em peso para pedir a renúncia da Irmandade Muçulmana, apenas um ano depois de Mohammed Morsi [presidente islamita do Egito] ter tomado posse. Momentos antes da madrugada do 1 de julho, enquanto a bateria do seu celular minguava constantemente, reconectei com ele para conversarmos um pouco sobre seu retorno a resistência.

Joshua Stephens > Qual é o sentimento no Cairo agora? Estamos vendo reportagens aqui [nos EUA] que indicam os maiores protestos da história humana.

Mohammed Hassan Aazab > Hoje, temos trabalhado muito duro para levar a cabo esses protestos sem violência. Todo o mundo teme que aconteça uma guerra civil. Os manifestantes deram a Morsi 48 horas para renunciar. Se esse prazo passar do limite dado pelos manifestantes, haverá uma greve geral. Nas últimas cinco horas, 10 pessoas foram mortas – quatro em Assiat e seis na frente da sede central da Irmandade Muçulmana. O sol está saindo agora mesmo. Todos os velhos revolucionários estão se preparando para os confrontos nas ruas.

Joshua > Ouvi dizer que as sedes centrais da Irmandade Muçulmana foram incendiadas. Isso é verdade?

Aazab > Sim. E ainda está cercada por manifestantes agora mesmo.

Joshua > Quem chamou a greve geral? Há algum sindicato em particular envolvido?

Aazab > Não. Os sindicatos são totalmente ineficazes.

Joshua > Então, como foi organizada a greve?

Aazab > Tamarod [o Movimento Rebelde] apelou para a greve geral. Na verdade, não foi organizada com antecedência, aconteceu espontaneamente. Funcionará através das esperanças e o apoio das pessoas.

Joshua > Você acha que as pessoas vão seguir a greve?

Aazab > O porto Said vai começar a greve geral amanhã. Eu não tenho nenhuma ideia de até que ponto as pessoas vão seguir com eles. Mas é claro que as pessoas estão determinadas a tirar Morsi.

Joshua > Quando nos encontramos em fevereiro, você parecia muito cansado, como se tivesse perdido a fé na resistência.

Aazab > Eu ainda me sinto assim, mais ou menos, para ser honesto. Mas quando as pessoas enchem as praças nestes números enormes, esse sentimento se dissolve. Estou muito feliz.

Joshua > Como estão se organizando os anarquistas nesse momento particular. Tenho a sensação de que alguns de vocês estavam envolvidos com Tamarod, mas vocês estão jogando um papel particular?

Aazab > Não, os anarquistas não assinaram a declaração de Tamarod. Decidimos nos unir aos protestos pois estava claro que o movimento conectava milhões de egípcios, de modo que nos juntamos aos protestos. Ontem, os manifestantes foram contra a ideia de um ditador islâmico, mas, ao mesmo tempo, a maioria deles aceita um ditador civil ou militar. Foda-se qualquer ditador! Nós nunca vamos esquecer. Nós nunca vamos perdoar.

Joshua > Agora mesmo os anarquistas tem uma barraca em Tahrir?

Aazab > Sim. Temos quatro tendas, na verdade.

Joshua > Vocês estão fazendo algo especial a partir desses espaços?

Aazab > Agora, estamos trabalhando para garantir que os que apoiam o antigo regime não acabem com a ocupação.

Joshua > Como pará-los fisicamente? Há felool [as pessoas nostálgicas com o antigo regime] na praça?

Aazab > Um monte deles.

Joshua > Eles estão atacando os manifestantes, ou apenas tentando se infiltrar no movimento?

Aazab > Eles estão tentando convencer as pessoas para que deixem o SCAF [Conselho Militar do Egito] tomar o poder novamente.

Joshua > Há neste momento revoltas acontecendo na Turquia, Brasil, Bulgária e Chile. Há indícios de que ela está se espalhando para a Indonésia e Paraguai também, e é claro a luta em curso no Bahrein. Egito tem sido uma grande inspiração para muitos desses movimentos. Quando derrubaram Mubarak, já na Tunísia tinha acontecido, mas não muito mais. A sensação é diferente desta vez? Vocês se sentem parte de algo global?

Aazab > É diferente, com certeza. Agora, o medo vem da possibilidade de uma guerra civil. Mubark era uma merda, mas ele nunca jogou com a carta de uma guerra civil. Morsi é tão estúpido que nem sequer entende que provavelmente terminaríamos matando uns aos outros nas ruas. As coisas estão acontecendo agora como nunca aconteceu antes, por exemplo, as pessoas atacando e insultando homens barbudos nas ruas.

Sinto que esta geração de jovens ao redor do mundo é poderosamente revolucionária, e agora temos a capacidade de compartilhar ferramentas, e transmitir ideias.

Joshua > O que tens de esperançoso agora?

Aazab > Espero que as pessoas tenham aprendido alguma coisa do que fez a Irmandade, e espero que seja o começo do fim para o Islã político, ou qualquer tipo de partido religioso.

Joshua > Como as pessoas daqui [dos Estados Unidos] podem apoiá-los?

Aazab > Espalhando a palavra de que Obama e o governo estadunidense estão apoiando ativamente a formação de Estados religiosos no Oriente Médio. O embaixador dos EUA disse que os egípcios deveriam aprender o significado da democracia! Porra, quem é ele para dizer isso?

Joshua Stephens é membro do conselho do Instituto de Estudos Anarquistas, e tem sido ativo em movimentos anticapitalistas e de solidariedade internacional nas últimas décadas. Ele passou grande parte dos últimos dois anos cobrindo movimentos sociais desde Nova York até Atenas, Cairo, Palestina e México para Truthout, AlterNet, NOW Lebanon, Jadaliyya, entre outros veículos. É autor de “Self and Determination: An Inward Look at Collective Liberation”, (2003, AK Press).

Fonte: wagingnonviolence.org

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Tempo imprevisível
Me pegou desprevenido
Que frio congelante!

Kiyomi

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