[Em entrevista concedida a P. Maceiras, Carlos Taibo fala de seu mais novo livro: “Repensar a anarquia. Ação Direta, autogestão, autonomia”. Confira abaixo essa conversa.]
Pergunta > Há três anos publicaste uma antologia do pensamento libertário. O que tem a ver esse livro com aquele?
Resposta < São trabalhos com objetivos diferentes. Se em “Libertari@s”, que Del Lince publicou, meu propósito maior era demonstrar que os clássicos anarquistas, e com eles um punhado de pensadores afins, tiveram muito que nos dizer quanto a iluminar o mundo no qual estamos. Neste trabalho pretendo escavar, desde uma visão que não pode ser senão pessoal e não dogmática, nos grandes debates que rodeiam o pensamento libertário: o Estado, o capitalismo, a luta de classes, a democracia e a ação direta, a autogestão, as eleições e os parlamentos, a própria questão nacional…
P. > Nas páginas de “Repensar a anarquia”, voltas à distinção entre anarquistas e libertários.
R. < Volto a essa distinção para que me sirva para chamar a atenção sobre uma ideia importante, mas que não me envergonho em impor. O adjetivo anarquista tem uma condição ideológico-doutrinária mais forte do que a correspondente ao adjetivo libertário. Ainda que já saiba que forço o argumento, um anarquista é alguém que leu Bakunin e Kropotkin, e que se identifica com suas ideias. Ainda que essas leituras sejam muito recomendáveis, o adjetivo libertário tem um sentido mais amplo, na medida em que remete à condição de muitas pessoas que, anarquistas ou não, apostam em assembleias, na democracia direta e na autogestão, e rejeitam as hierarquias e lideranças. Creio firmemente que haja cada vez mais libertários, algo que pode se comprovar através da expansão que entre nós estamos experimentando nos espaços autônomos, que se reclamam da autogestão e da desmercantilização.
P. > Acredita que realmente assistimos a um renascimento das ideias e das praticas libertarias?
R. < Parece-me que isso salta à vista e que tem, pelo menos, duas explicações principais. A primeira se configura pela quebra sem saída das propostas trazidas pela socialdemocracia e pelo leninismo. A segunda é, a meu ver, sem dúvida, a mais importante: para fazer frente aos problemas de um capitalismo que avança para uma fase de corrosão terminal, e que nos conduz ao colapso, a proposta libertária, que não é outra que a da organização da sociedade desde abaixo, em defesa aberta da autogestão e da desmercantilização, que acabo de mencionar, tem hoje mais atualidade que nunca. Creio que essa proposta se justifica mais pelo que se anuncia do que, também, pelo que aconteceu no passado.
P. > Teu livro é um argumento contra os que continuam a acreditar em eleições, partidos e parlamentos.
R. < Segue me produzindo fascinação o eco que a via eleitoral, e com ela a figura dos dirigentes políticos, tem em pessoas por demais inteligentes e respeitáveis. Não sei se posso atribuir isso ao ascendente poderosíssimo que acabou por alcançar a cultura ao uso do sistema que padecemos ou a uma sorte de cegueira transitória derivada do desespero. Mas esclareço que tampouco me sinto muito cômodo nessa batalha: que cada um faça o que estime conveniente. Ainda que esteja certo de quais são os becos sem saída a que nos conduz a via eleitoral, e em especial o que se traduz num esquecimento inevitável de tudo o que cheire a democracia direta e autogestão, me interessa mais a parte propositiva da proposta libertária. E me permito resgatar um argumento que utilizava com frequência Ricardo Mella: se querem vocês, votem, mas trabalhem pela emancipação, desde abaixo, os restantes 364 dias do ano. Se é que o feitiço das eleições e representações o permitir.
P. > É imaginável um projeto libertário se a luta de classes não correr constantemente pelas suas veias?
R. < Obviamente não. Nunca foi imaginável sem a luta de classes, e menos o será agora que assistimos a uma manifestação ostentosa da luta de classes levada a cabo pelos de cima. Outra coisa distinta é que no colocamos de acordo no que se refere aos desafios colocados pela luta de classes hoje. Neste sentido, me sinto desconfortável tanto com aqueles que consideram que a classe trabalhadora é um artefato dispensável do passado quanto com aqueles que estimam que essa mesma classe trabalhadora não experimentou mudança nenhuma no transcurso do ultimo século. Seja como for, garantir um projeto anarcosindicalista que tenha o seu núcleo maior no mundo do trabalho me parece que é uma tarefa vital em um cenário no qual as relações laborais estão regressando ao século XIX. Se o nosso objetivo não é encontrar uma saída social para a crise, que seja pelo menos deixar para trás o capitalismo urgentemente.
P. > É preciso revisar o papel do Estado na tradição anarquista?
R. < Melhor, devemos atualizá-lo. Creio que nessa tradição tem se assentado em duas percepções que merecem reflexão. A primeira é certa obsessão pelo Estado que esquece que ele é, ao fim e ao cabo, um instrumento, ainda que central, de dominação a serviço do capital. Muitas das opressões que hoje padecemos não têm necessária e claramente como origem o Estado. A segunda é, contudo, mais delicada, na medida em que se assenta em uma ingênua intensificação de uma suposta função protetora do Estado, bem materializada nos chamados Estados de bem estar social. É importante questionar o que significam estas instâncias exclusivas do capitalismo, hostis a toda perspectiva autogestionaria, estreitamente vinculadas com a socialdemocracia e o sindicalismo de conciliação, a duras penas liberadores em relação com os problemas das mulheres, ecologicamente insustentáveis e insolidários em relação aos problemas dos países do Sul. E é importante recordar, em paralelo, a dimensão repressiva e controladora que, desde sempre, corresponde ao Estado.
P. > Dedicas um espaço considerável no livro a procurar as relações entres os clássicos do anarquismo e as propostas do que hoje conhecemos como ecologia, feminismo e pacifismo.
R. < A relação com o pacifismo e o antimilitarismo é fluida; existe, ainda que com entraves e problemas, no caso do feminismo, e é muito débil, no entanto, na ecologia. Ainda que, com alguma exceção menor, os clássicos do anarquismo foram, no que toca ao grande problema de limites ambientais e de recursos, pensadores ancorados no século XIX. É certo que seu rechaço dos grandes complexos produtivos e das formas de organização do trabalho, inevitavelmente opressivas, de seu tempo, junto com sua defesa da organização desde baixo, prefiguram amiúde de sua parte um mecanismo de defesa quase biológico frente à idealização do desenvolvimento das forças produtivas à que se entregaram Marx e os seus epígonos.
P. > Os críticos da democracia direta enfatizam que é uma forma completamente inadequada para enfrentar os problemas das sociedades complexas.
R. < E em parte têm razão. O que ocorre é que a reivindicação da democracia e da ação direta não aparecem sós. Se fazem acompanhar da defesa paralela de uma reestruturação radical de nossas sociedades que reclama, frente ao colapso, decrescer, desurbanizar, destecnologizar, descentralizar e descomplexar. Há que tomar o pacote inteiro. Se a tarefa correspondente parece difícil, e sem dúvida o é, não é demais recordar o que dizia com ironia o trecho de uma canção anarquista francesa do século XIX: “abolimos, sim, o capital, mas, se o fizermos, quem nos pagará o jornal de sábado?”. Muitos dos problemas que hoje nos parecem insustentáveis, talvez não sejam um obstáculo tão severo quando nos pusermos mãos à obra. www.carlostaibo.com Tradução > Caróu
agência de notícias anarquistas-ana
Sobre o monte liso
contra o céu uma só árvore.
Gesto de vitória!
Alexei Bueno
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!