Amadeu Casellas, o anarquista que esteve preso 22 anos por haver expropriado bancos em sua juventude para ajudar famílias com problemas econômicos, esteve ontem em Oviedo, apresentando seu livro, “Um reflexo da sociedade, Crônica de uma experiência nos cárceres da democracia”, em um ato organizado pelo Ateneu Libertariu d’Uviéu. Casellas falou de sua vida nos cárceres espanhóis, de suas lutas, da organização dos presos e denunciou o regime penitenciário estatal, a quem abertamente acusa de induzir às mortes por overdose e os suicídios dos presos.
Casellas já havia estado em Oviedo em 2010, logo depois de sair do cárcere e regressou ontem para apresentar seu livro. O ato foi na CNT de Oviedo e foi assistido por numerosas pessoas que lhe fizeram muitas perguntas ao final de sua exposição.
O ex-presidiário anarquista começou contando como acabou no cárcere: “Em 1973 a CNT era ilegal e eu era militante. Meu início foi em Vic (Barcelona) e propus aos companheiros expropriar bancos para obter fundos para lutar, mas na CNT me rechaçaram, por isso me uni a grupos mais radicais e fomos aos bancos, que são os que nos roubam. Repartíamos o dinheiro, uma parte ia para a infraestrutura do grupo e o resto para famílias necessitadas. Costumávamos obter entre um milhão e três milhões de pesetas, que nessa época era muito. As famílias podiam viver um ano sem se preocupar, com o que lhes dávamos. Um pai de família nos havia pedido um rebanho de ovelhas e depois do assalto fomos comprá-lo. Solucionamos sua vida”.
Finalmente, em 1979, são presos e entram no cárcere modelo de Barcelona. Enquanto isso, alguns membros do grupo haviam se viciado em heroína. “Quando chegamos ao cárcere, ainda havia carcereiros franquistas, com uniformes militares e o primeiro que fizeram foi dar-nos uma surra “por anarquistas”. Funcionava pela parte de alguns presos a COPEL (Coordenação de Presos em Luta) e lá entrei para trabalhar. A situação no cárcere era penosa. Muitos dormiam no chão, as celas estavam lotadas e as condições eram desumanas, convivendo com insetos e ratos. Copel era defensora da organização de motins, mas sempre acabava pior, porque os carcereiros usavam isso como desculpa para reprimir mais. Assim nós propusemos fazer greves de fome e de braços caídos para paralisar o cárcere. Fizemos uma primeira greve de fome pedindo a reforma do Código Penal franquista e a revogação da Lei de Vagabundos e Malfeitores. A greve aconteceu em setembro de 1982 e outras prisões nos apoiaram. Na primavera de 1983 foi feita a reforma e graças a isso libertaram muitíssimos presos, limitou-se a prisão preventiva e foi anulada a Lei de Vagabundos e Malfeitores. A vitória nos dava asas para novos protestos”.
Greve de braços caídos
“Em 1986 – explica Casellas – fizemos uma greve de braços caídos. Na época a aids havia se introduzido como uma besta nos cárceres e usaram os presos para testar as primeira retrovirais. Caíam como escombros. Tentamos fazer outra greve de fome mas os presos estavam a maioria doentes e com as defesas baixas, assim decidimos não trabalhar e paralisar o cárcere. Também ganhamos esta batalha e conseguimos outras melhoras, como as comunicações diretas uma vez por mês. Instituições Penitenciárias querem então dispersar-nos para evitar novos protestos, sem dar-se conta de que essa medida nos favorecia, por que ensinamos a outros presos do Estado a organizarem-se”.
Chega a década dos 90 e Juan Antonio Belloch (PSOE), ministro de Justiça (hoje prefeito de Zaragoza) cria o regime FIES (Arquivos Internos de Perseguição Especial). Prossegue Casellas: “Estava dedicado a nós porque se te aplicam vais para uma cela de isolamento, te interrompem o correio, limitam tuas chamadas…”.
Também se cria o CIRE, uma empresa que gestiona os trabalhos dos presos que antes se desenvolviam em cooperativa, convertem as lojas baratas em boutiques e em consequência dobram os preços. No livro Casellas dá nomes e sobrenomes dos que se enriqueceram com este negócio. “Tentaram levar-me a juízo mas eu lhes denunciei e preferiram não seguir com o pleito. São funcionários que com seu soldo normal vivem como ricos, com carros caros. São uma organização piramidal e faturam 24 milhões de euros por ano dos quais 23 milhões ficam com os intermediários e diretores que não fazem nada e o resto aos presos”.
As fugas
Amadeu Casellas fugiu em várias ocasiões. Uma foi no cárcere de Figueras e também se dedicou a explicar a outros presos as melhores maneiras de fugir. Teve algumas fugas exitosas e outras tantas abortadas. No ato de apresentação do livro, explicou algumas das mais rocambolescas.
Casellas denuncia publicamente nos atos a que é convidado que as mortes por overdose de drogas de presos que divulgam na imprensa “são induzidas pela própria instituição penitenciária. Te dão metadona ao entrar e ansiolíticos e outras drogas legais e vão aumentando a dose. Te saturam de drogas e assim morrem muitos. É verdade que há drogas ilegais, mas em pequenas quantidades. O que conseguem com esta política, na qual colaboram médicos e psiquiatras da prisão, é ter um pátio tranquilo e evitar que o preso pense. Com os suicídios ocorre o mesmo. Muitos poderiam ser evitados. Eu acuso o sistema penitenciário de ser responsável por estas mortes, porque a maioria se produz por abusos e arbitrariedades dos carcereiros”.
A luta de Casellas acabou finalmente com sua liberdade, já que em uma das greves de fome pediu a revisão da condenação e se deram conta de que havia cumprido oito anos mais do que deveria. Em pouco tempo se detecta também que 23 presos mais estavam também com excesso de anos, ainda que a imprensa tenha silenciado. “No cárcere há muitos presos que cumprem uma condenação maior do que a que têm, mas são anônimos e não têm dinheiro para demonstrar sua inocência”.
O ex-preso anarquista explicou algumas lutas mais que desenvolveram com êxito. Assim denunciaram que trabalharam sem cotizar e obtiveram o reconhecimento da Seguridade Social nas oficinas de presos de toda a Espanha. Em março de 2010 Amadeu Casellas obtêm a liberdade. Desde então manteve contato com os presos, aos quais anima na luta e ajuda a organizarem-se, ainda que o perfil dos presos de agora tenha mudado (está entrando gente que não são delinquentes, alcoólatras, manifestantes de protestos…) e que estão sós e pouco conscientes. Se não têm recursos te esquecem”.
Casellas denunciou também o enriquecimento de algumas empresas espanholas com o negócio dos cárceres. Um dos empresários que cita é Florentino Pérez “que é o que constrói as prisões e com isso ganha 130 milhões de euros por cada uma que faz”. Também menciona a El Corte Inglés, que realiza toda a produção têxtil nos cárceres, explorando aos presos e enriquecendo graças a eles. Denuncia também ao filho de Jordi Pujol e a sua mulher, Ferrusola, que foi gerente do Cire”.
O livro pode ser pedido a editorial El Grillo Libertario. Parte dos recursos obtidos por sua venda se destinarão à reconstrução do CSOA de Can Viés.
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Tradução > Sol de Abril
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