[entrevista realizada em abril de 2005 – parte I…]
Música para informar, mobilizar, zombar, protestar, distrair, emocionar, dançar… Simplesmente música: vida, força e calor! E Alessio Lega é essa sensibilidade e explosão anárquica em poesia cantada. Cantor e anarquista italiano, jovenzinho já soltava a sua voz, com forte influência dos grandes cantores libertários: Brassens, Ferré, De Andre… Em 2004 lançou seu primeiro CD, “Resistenza & Amore”, muito bem recebido pela crítica musical italiana, emplacando o prestigioso prêmio “Tenco 2004”. Confira abaixo a sua entrevista, em duas partes, eis a primeira!
Agência de Notícias Anarquistas > Podemos começar essa conversa com você contando como apareceu na cena musical italiana, o contato com o anarquismo, enfim, sua trajetória “anarco-musical”…
Alessio Lega < Para tentar explicar o meu trabalho e a minha evolução vou fazer uma breve história da canção anarquista na Itália. No início do Século XX, a canção popular consistia muitas vezes na expressão de temáticas de luta, de reivindicação sindical, de histórias de bandidos, que não eram outra coisa senão rebeldes ao poder central. Juntaram-se estas temáticas com aquelas das canções de propaganda dos primeiros personagens históricos do anarquismo italiano (o Pietro Gori não foi só um grande teórico, mas também um grande autor de canções), que utilizaram este meio tão popular como instrumento de propaganda.
O fascismo tentou apagar esta profunda cultura popular e, em parte, teve êxito. Durante muitos anos o povo teve que ficar calado e as canções só falavam de amor. Nos anos 60 muitos trovadores italianos, imitando os cantores anarquistas franceses (Brassens e Ferré), descobriram as temáticas de um anarquismo que podemos definir cultural.
Eu nasci em 1972. Procurei as raízes da minha cultura popular, mas sempre gostei muito das canções requintadas dos grandes poetas e cantores. Sou um anarquista militante e um musicista, e assim procuro colher a herança destas duas grandes escolas: ser muito explícito acerca das minhas temáticas e tratar as palavras e as melodias como obras de poesia cantada.
ANA > Como você descreveria seu trabalho musical para quem nunca teve a oportunidade de escutá-lo?
Alessio < Exatamente porque sou anarquista, julgo que a arte não deveria ser objeto de transações comerciais e, como primeira coisa, muitas das minhas canções podem ser descarregadas livremente do meu sítio (alessiolega.it). Portanto, também os que não me conhecem vão poder ter uma idéia do meu trabalho.
Se devo falar da minha música (o que é para mim muito mais difícil que descrever a música de outrem), digo que é uma tentativa modesta e louca ao mesmo tempo. Procuro uma linguagem revolucionária para significados revolucionários. Não creio no Artista com a A maiúscula que destila “a verdade”. Desejo fazer canções que sirvam a alguma coisa. Creio que sou nem mais, nem menos, que um artesão. É pouco? É muito? Não sei.
ANA > Você tem alguma formação musical? Já estudou música?
Alessio < Tive uma breve formação com estudos de guitarra clássica (mas tenho esquecido quase tudo!). Pois, duas escolas muito poucas “escolares”, mas igualmente instrutivas e muito “musicais”: cantar em público uma grande quantidade de canções populares e de outros autores (festas de rua, concertos escolares, grupos de música popular) e começar a cantar as minhas primeiras canções para meus amigos durante longas noites, quando a gente se reunia para discutir um pouco de tudo e “mudar o mundo”…
ANA > E quando foi sua estréia profissional? Onde?
Alessio < Não é fácil lhe responder, porque a passagem da atividade de amador à atividade profissional foi gradual e realizou-se de maneira intermitente (eu desenhava quadrinhos, pintava etc.). A primeira vez que eu me apresentei num palco importante, dando-se também publicidade a meu nome, tinha dezesseis anos, em 1988, durante uma festa do partido comunista italiano (verdade!!!). Pois sempre fui cantar onde a gente me chamava, e sempre tenho me considerado “profissional” porque procuro fazer o melhor que posso, e “amador” porque não penso muito no dinheiro, mas em me divertir. Desde 1997, os meus espetáculos começaram a aumentar e a abranger todo o território nacional.
ANA > Você se apresenta fora da Itália também?
Alessio < Muito pouco, infelizmente… mas se vocês quiserem me convidar, estou pronto a todo o instante!
ANA > Normalmente você se apresenta em que lugares?
Alessio < Tá bom, naturalmente exibo-me muitas vezes em festas e manifestações anarquistas, e em todos os lugares onde é cultivada a canção artística, política e popular. Mas o “purismo” não me diz respeito, e julgo muito interessante me apresentar também em lugares onde a gente não espera alguém que canta canções como as minhas. Se eu cantar idéias fortes para as pessoas que já estão de acordo com o que digo, julgo que as possibilidades dialécticas se reduziriam… Portanto, aceito o perigo de “lesa-ortodoxia”, ou também ser maltratado por um público hostil (o que se dá algumas vezes, embora não muitas) e vou cantar em todo tipo de lugar, com a condição de não me ser imposto qualquer tipo de censura.
ANA > Você tem algum show na memória que te marcou emocionalmente?
Alessio < Muitos, muitos! Claramente, os concertos (coletivos) que tiveram lugar em Gênova depois de 2001 – alguns na própria Praça Alimonda – a praça onde Carlo Giuliani foi assassinado; em 2003 havia mais de dez mil pessoas… Por motivos exatamente contrários, emociona-me às vezes cantar em lugares “institucionais”, como o Teatro Ariston de San Remo, porque os jornalistas atribuiram-me a etiqueta de “representante musical dos anarquistas” (risos), e assim fico com uma responsabilidade nas costas, que vai muito, muito mais longe que tocar e cantar bem ou mal.
Uma vez aconteceu-me também, enquanto eu cantava minha canção sobre Gênova, que um grupo de fascistas não só pôs-se a fazer barulho, mas também procurou agredir-me… Mas, por fim, acho que isso é normal: a minha música e as minhas canções são feitas para ofender os fascistas, é o mínimo que elas podem fazer! (risos)
ANA > “Resistenza e amore” é o seu único disco, não?
Alessio < Durante anos eu dei preferência aos concertos, muito mais que à produção de discos, e não porque me faltavam as oportunidades, mas porque julgo que enfrentar o público é muito mais interessante, especialmente num momento histórico em que toda a nossa vida (existencial, política, cultural) está submetida a meios de comunicação (televisão, rádio) que estão sujeitos, muitas vezes, ao poder do mercado.
No curso dos anos algumas canções, gravadas durante os concertos ou em produções domésticas, foram reunidas em dois CDs de ensaios (1996 e 2000) que circularam fora da distribuição comercial. Hoje, quase todas estas canções podem ser descarregadas livremente do meu sítio na internet. Em 2003 conheci os “Mariposa”, um grupo de vanguarda roqueira experimental italiano (do gênero de Frank Zappa), e pareceu-me que “recompor” as minhas canções com eles poderia significar uma dialéctica revolucionária que merecia ser documentada e reproduzida num disco.
ANA > O processo de produção, divulgação e distribuição do seu disco são independentes? O disco saiu por qual gravadora?
Alessio < A gravação do meu disco não só é independente, mas também totalmente autoproduzida (de fato, agora estou muito mais pobre!). Portanto, entregamos a casa produtora que o gravou, um disco que não podia ser anteriormente modificado: pegar ou largar!
Em todo o caso, a casa que produziu o meu disco é muito pequena, mas também goza de um grande prestígio no campo da música popular da Itália do Norte (ela produz os discos de Giovanna Marini e Gualtiero Bertelli) e não tem fins comerciais.
ANA > As letras das canções deste álbum refletem o quê? Parece que há uma música dedicada a “Gênova 2001”…
Alessio < As minhas canções refletem todos os aspectos da minha vida. Aspectos existenciais, sentimentais e políticos. Julgo que ninguém é um missionário que se ocupa só de uma temática, nem sequer a mais justa. Exatamente por isso, tudo o que me atinge acaba nas minhas canções. Eu estava presente nas manifestações de Gênova, em 2001 (e a coisa “atingiu-me” de tal maneira, que fui atingido por duas bastonadas… em todo o caso, são poucas em relação à média!). Eu acho que esta canção tem a particularidade de que ela não só toma uma posição precisa denunciando os abusos da polícia e do governo, mas é também uma página do jornal pessoal do autor. Ser ao mesmo tempo pessoal e política, individualista e social: julgo que esta é a característica mais interessante da poesia, e também da anarquia.
Tradução > Riccardo Venturi
continuará…
agência de notícias anarquistas-ana
oh, pequena flor,
que encanta o meu corpo
e a minha alma.
Nagah
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!