Operárias, camponesas, professoras, imigrantes, profissionais, poetas, analfabetas, todas militantes, as mulheres anarquistas foram esquecidas por quase cem anos, pela historiografia em geral, e ainda por seus próprios companheiros. Pouco a pouco, sob o interesse acadêmico pelos estudos da mulher a partir da década de 1960, foi emergindo a rede anarcofeminista que brilhou com luz própria na América do Sul desde o final do século XIX. Este trabalho buscou recuperar a memória dessas ilustres desconhecidas, salvo contadas exceções, que se dedicaram de corpo e alma à luta por sua dignidade feminina dentro do pensamento anarquista, uma luta realizada de forma organizada através do movimento, mas pondo sua ênfase nas reivindicações específicas de seu gênero.
Com a entrada da América do Sul no mercado internacional de trabalho, como produtora de matérias primas em grande escala, complementar ao desenvolvimento industrial em seu apogeu, se incorporará massivamente a mão de obra que inclui agora a mulher. No Brasil, Argentina, Chile, Bolívia e países vizinhos a instalação de linhas ferroviárias cria a infraestrutura necessária para transladar aos portos os frutos da terra. Milhares de nativos e imigrantes constituirão a força de trabalho que põe em movimento a maquinaria capitalista cujo crescimento vertiginoso atrai e aglutina a mais e mais trabalhadores, incluindo mulheres e crianças. Ao redor das fábricas, portos e estações ferroviárias florescem os bairros operários com suas pocilgas, casas de pensão, moradas, onde a mulher será protagonista. No lar da nova família operária o poderio masculino tradicional entra em crise.
Em Buenos Aires, São Paulo, Rosário, agora grandes urbes industriais, se lança a luta anarquista, chegada com a imigração europeia. Nativos e estrangeiros aderem à “Ideia” da liberdade e empreendem sua militância com a abertura de sindicatos, jornais, bibliotecas, centros culturais, escolas livres e fazem explodir a greve contra as patronais. Assim como na Europa e Estados Unidos, surge também aqui a ação combativa da mulher durante essas lutas sociais.
Seguindo o exemplo da communard¹ anarquista Louise Michel e o discurso feminista da estadunidense Emma Goldman, um punhado de valentes moças trabalhadoras dão início na década de 1890 ao anarcofeminismo ao redor da região do Prata. Sobressaem entre elas os nomes de Virginia Bolten, Teresa Marchisio, María Collazo, no roteiro anarquista composto por Rosário, Buenos Aires, La Plata e Montevidéu. Logo se repetirá essa realidade entre Rio, São Paulo e o porto de Santos, entre Santiago do Chile e o porto de Valparaíso, nas salgadeiras de Iquique, entre Lima e El Callao, no mercado de La Paz. As organizações anarcofeministas se expandem como anéis na água, tocando em suas margens, entram em contato umas com as outras por mensagens escritas, as viagens, os congressos. Se descobre então o trabalho apaixonante destas mulheres ao longo de um século que temos tratado de recuperar.
O desafio para um Dicionário anarcofeminista da região tem sido a escassez de documentos sobre essas militantes já falecidas, o que determina muitas vezes a ausência de datas. Muito tem contribuído o relato oral de descendentes e companheiros que com entusiasmo e desinteresse tem oferecido todo o material de suas recordações. A imprensa da época, em especial a feminina, aponta as pistas para a continuação de suas vidas, e utilizando-se, além disso, dos trabalhos de investigação já realizados sobre a reconstituição do trabalho feminino dentro do anarquismo se tem tratado de completar esta memória. Se agradece então especialmente o apoio recebido do autor boliviano Huáscar Rodríguez García, recuperador da memória libertária, assim também como a colaboração incansável que de Montevidéu ofereceu Pascual Muñoz.
Um agradecimento caloroso às pessoas da FLA, que sob a orientação de Marina Barsuk ofereceu seu arquivo, dados, localizações, fazendo possível a concretização do dicionário. E um agradecimento imenso e substancial às históricas militantes da Biblioteca Popular José Ingenieros, que estando já na casa dos oitenta anos deram seu testemunho desinteressado e entusiasta para a realização desta memória.
Cristina Guzzo
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[1] Communard era a denominação dos membros e apoiadores da Comuna de Paris em1871.
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!