[A seguir, carta escrita por um dos tantos combatentes da Unidades de Proteção do Povo (YPJ) que em inferioridade numérica e sem armamento estão defendendo a cidade de Kobani. São centenas de defensores curdos, mulheres e homens que lutam contra a agonia de uma cidade que está 60 % ocupada pelo “Estado Islâmico”. ]
“Estou bem mamãe. Ontem celebramos meu aniversário de 19 anos.
Meu amigo Azad cantou uma bela canção sobre as mães. Me lembrei de ti e chorei. Azad tem uma bela voz, ele também chorou quando cantava. Azad também perdeu sua mãe, a quem não vê faz anos.
Ontem ajudamos um amigo ferido. Ele foi ferido por duas balas. Não sabíamos da segunda ferida quando foi atingido pela primeira bala no peito. Sangrava pelas costas também, vendei suas feridas e lhe dei meu sangue.
Estamos no lado este de Kobani, mãe… Uns poucos kilômetros se interpõem entre nós e eles. Vemos suas bandeiras negras, escutamos seus rádios, às vezes não entendemos o que dizem quando falam idiomas estrangeiros, mas podemos dizer que eles têm medo.
Somos um grupo de nove combatentes. O mais jovem, Resho de Afrin, lutou em Tal Abyad, logo se uniu a nós. Alan é de Qamishlo, do melhor bairro, lutou em Sere Kaniye, também se uniu a nós. Ele tem algumas cicatrizes em seu corpo e nos diz que é para Avin. O mais velho é Dersim, ele é da Montanha Qandil, e sua esposa foi assassinada em Diyarbekir, deixando dois meninos.
Estamos em uma casa nas proximidades de Kobani. Não sabemos quem foram seus donos. Há fotos de um ancião e outra de um homem jovem com um laço negro, parece que foi outro mártir… Há uma foto de Qazi Mohamad, Mulla Mustafa Barzani, Apo, e um velho mapa otomano com o nome de Curdistão.
Faz muito tempo que não temos café, nos inteiramos de que a vida é bela, inclusive sem café. Honestamente nunca tomei um café tão bom como o teu, mamãe.
Estamos aqui para defender uma cidade pacífica. Nunca matamos civis, em troca recebemos muitos refugiados feridos de nossos irmãos sírios. Estamos defendendo uma cidade muçulmana que tem dezenas de mesquitas. Estamos defendendo-a das forças bárbaras.
Mãe, eu te visitarei uma vez que esta guerra imposta termine. Eu estarei ali com meu amigo Dersim que irá a Diyarbekir para estar com seus filhos. Todos deixamos nossa casa e queremos voltar a ela, mas esta guerra, não sabemos quando termina. Talvez não volte mãe. Sonho com voltar a vê-los. Sei que você visitará Kobani um dia e buscará a casa que foi testemunha de meus últimos dias… Está no lado este de Kobani, parte dela está estragada, tem uma porta verde que tem muitos furos de disparos de francoatiradores e verás três janelas, uma no lado este, poderás ver meu nome escrito ali em tinta vermelha… Mãe, detrás dessa janela esperarei contando meus últimos momentos, vendo a luz do sol ao penetrar meu quarto pelos buracos de bala na janela. Detrás dessa janela, Azad com sua bela voz cantou a última canção a sua mãe, dizia “mamãe te deixamos”.
Mamãe, sinto sua falta”
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um gatinho
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Rogério Martins
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!