Recentes incidentes de caráter racista nas cidades saxãs de Bautzen e Clausnitz refletem problema de longa data nos estados do oriente alemão. Para especialistas, violência xenófoba teria raízes na Alemanha Oriental.
O aplauso para o incêndio de um abrigo destinado a refugiados é o ápice de uma longa trajetória, registrada em tristes estatísticas. Segundo dados do Ministério alemão do Interior, a metade de todos os atos de violência racista cometidos no país ocorre nos estados do Leste, embora eles representem apenas cerca de um terço da superfície total do país. Em 2015 houve um aumento de 40% da violência racista em relação ao ano anterior na região.
As organizações Amadeu Antonio e Pro Asyl apontam que ataques a refugiados, atos incendiários, passeatas violentas e vandalismo são perpetrados principalmente na parte do território nacional que, entre 1949 e 1990, compunha a República Democrática Alemã (RDA), de governo comunista.
A partir dos atentados contra um alojamento para estrangeiros em Hoyerswerda, na Saxônia, em 1991, nos últimos 25 anos diversos sociólogos e cientistas políticos se ocuparam das causas reais do acúmulo de violência ultradireitista no Leste, assim como para as atividades do movimento Pegida (sigla para “Patriotas europeus contra a islamização do Ocidente” em alemão) e a ascensão do Partido Nacional-Democrático da Alemanha (NPD) e do Alternativa para a Alemanha (AfD).
Não existe uma única resposta de validade universal, mas sim a combinação de uma série de fatores causais.
Medo de perdas e do desconhecido
Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a vida de grande parte dos habitantes da até então isolada RDA modificou-se radicalmente. O novo sistema de livre economia gerou taxas altas de desemprego, algo que não se conhecia na economia planificada do comunismo.
Especialmente desestabilizador era o fato de que “de um dia para o outro experiências profissionais e biográficas nada mais valiam, e tudo precisava ser reaprendido”, especifica o sociólogo David Begrich, acrescentando, numa referência ao afluxo crescente de refugiados, que “agora se está diante de uma nova mudança”.
Do ponto de vista subjetivo, predomina a sensação de estar perdendo tudo mais uma vez e de ter que se adaptar a uma situação totalmente nova. Hans Vorländer, professor de ciências políticas na Universidade Técnica de Dresden, também detecta insegurança, sentimentos de medo e da impressão de ser posto de lado.
Em especial nas regiões de fronteira na Saxônia e em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, milhares deixaram suas cidades, o que até hoje origina problemas sociais e econômicos, desembocando frequentemente em falta de perspectivas.
“Os que se veem subjetivamente como perdedores dos processos de transformação procuram um outro grupo para compensar”, aponta Tom Mannewitz, que pesquisa o extremismo pela Universidade Técnica de Chemnitz. Segundo ele, a própria insatisfação é projetada nos estrangeiros em geral, nos refugiados, nas religiões de fora, como o islã.
Falta de contato com estrangeiros
Begrich dirige a seção que trata do extremismo de direita na rede Netzwerk für Demokratie, em Magdeburg, no estado de Saxônia-Anhalt. Para ele, só agora – 25 anos depois da Reunificação – a sociedade alemã oriental está descobrindo “algo parecido com diversidade”. “Até então ela era uma sociedade basicamente homogênea”, complementa.
De fato, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a proporção de pessoas de outras partes do mundo na Alemanha Oriental variava apenas entre 2% e 4% da população total. Na época da RDA havia os “trabalhadores contratados” vindos de “países-irmãos socialistas”, como Vietnã, Polônia, Moçambique, Hungria e Cuba, mas o regime os escondia em alojamentos especiais.
Até 1988, as mulheres desse grupo eram até mesmo proibidas de ter filhos na RDA. Para Mannewitz, esse é um aspecto decisivo: “A rigorosa política para estrangeiros perseguida pela RDA levou à confinação em guetos dos que vinham do exterior, privando-os de quaisquer pontos de contato”, diz o cientista político.
Ditadura em vez de experiência democrática
Na época da RDA, o Ministério de Segurança Estatal (Stasi) já relatava sobre suásticas pintadas nas paredes das casas. Já na época, os radicais de direita se mostravam extremamente violentos, diz o sociólogo Matthias Quent, da Universidade de Jena. As atividades desses grupos eram mantidas sob sigilo severo, embora os autores fossem punidos com rigor.
O extremismo de direita foi reprimido – o que também se aplica, em geral, à interação entre a liderança política e o povo: decretos eram impostos de cima para baixo, fatos eram criados segundo a necessidade.
“Isso significa que aqui há relativamente pouca experiência com a concorrência, a confrontação política no sentido de um embate de opiniões e de um pluralismo de interesses”, analisa Mannewitz. Para certas parcelas da população, isso resultou num rechaço total do establishment político e em atos de violência no lugar de um debate sério.
Estrutura de encorajamento no Leste
Na Saxônia, o ultradireitista NPD conseguiu manter assentos no parlamento estadual de 2004 até 2014. Em 2006, entrou para o parlamento de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, onde permanece até hoje. Na opinião de muitos cientistas políticos, isso funcionou como uma espécie de confirmação e sinal de encorajamento. A ideologia de direita se tornou, por assim dizer, um pouco mais socialmente aceitável.
Begrich frisa: “Quem acredita que isso não deixe resquícios na estrutura política de um estado é incapaz de ver os efeitos de longo prazo que as dinâmicas políticas têm. Claro que isso deixou traços.” Mannewitz chama a atenção também para a evolução do Pegida e do AfD: “As pessoas têm menos medo porque ficou mais fácil do que antes encontrar seus companheiros de ideologia.”
Sociólogos e cientistas políticos desenvolveram diversos planos para combater tais tendências e experiências. Nem todos mostraram o efeito desejado. Begrich tem uma recomendação simples: “Ter em vista também aqueles que se arriscam pela democracia e, acima de tudo, os que se empenham pela integração dos refugiados e requerentes de asilo.” É preciso uma cultura de reconhecimento que vá além das calorosas prédicas de domingo, defende o especialista.
Fonte: http://www.dw.com/pt/por-que-a-xenofobia-%C3%A9-t%C3%A3o-forte-no-leste-alem%C3%A3o/a-19071547
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