Um poemário anarquista, atores com as caras pintadas qual mapaches, um caso de homonimia do editor do livro a respeito de um poeta morto faz sete anos, versos que celebram a santa anarquia, a dinamite, a inquietude, a apatia, a luta, porque se não há solução, a anarquia continua.
A noite [04 de maio] deu-se a segunda apresentação do poemário “La lira rebelde libertaria” (editorial Anarcritica, 2016), uma recompilação de mostras poéticas de uma vintena de autores intergeracionais de todo o país. Um livro que recolhe tendências que vão do anarcossindicalismo dinamiteiro (Leoncio Bueno, nascido em Trujillo em 1921) até o anarco-punk (Stephany Calderón, nascida em Lima em 1991). O livro é um esforço interessante de trazer e ordenar (palavra tão alheia ao espírito anarquista de Bakunin) essa cultura anarquista vigente todavia nas margens do circuito cultural estabelecido.
A apresentação foi no Instituto Porras Barrenechea, uma locação bastante burguesa e tradicional (Porras era um católico convencido e visitou a Espanha de Franco com certa frequência), consistiu em uma breve apresentação do livro por parte de seu editor, Luis Rodríguez, o crítico Franz García e minha pessoa (me sinto raro falando de mim mesmo em uma nota).
Se falou da cultura anarquista, de sua implicação política e seu efeito cultural na identidade peruana, especialmente como herdeiros de Gonzales Prada e seu devenir na história contemporânea, seu rechaço ao comunismo e suas estruturas partidárias verticais. Houve alguma menção a Bernard Henry Levi, se comentou certa influência de Bolaño nos novos poetas locais, ou do hercúleo esforço de que a poesia sobreviva em um ambiente tão hostil à cultura. Também se refletiu sobre a participação política dos anarquistas nas marchas contra a lei Pulpin, o TPP e o Não a Keiko (Fujimori – venceu o primeiro turno das eleições presidenciais no Peru). Ainda que de público limitado, ao redor de uma quinzena em um auditório com capacidade para trinta, o ânimo esteve bastante alto, em sua maioria os participantes eram jovens, com uma paridade na relação de homens e mulheres. Houve um breve intervalo em que o grupo “Sin auditorio” dirigido por Pablo Salas representou a peça “Los ciegos”, um pequeno interlúdio teatral dramático (a atuação de quase uma dezena de atores recordava a uma encenação de ataque zumbi de uma película saída de um pesadelo de Polansky, a melhor atuação segundo o público foi a de uma menina negra, que precisamente jamais falou em toda a obra, tanto que manteve sempre e de forma muito convincente seu papel de mulher louca (na verdade dava medo só de vê-la). A apresentação terminou com um breve recital dos poetas presentes (só esteve cerca de meia dezena dos cerca de vinte poetas que compõem a recompilação do poemário).
Entre os poetas ausentes o que mais chama a atenção, talvez pela aura trágica de estar morto seja Luis Ángel Rodríguez (não confundir com Luis Rodriguez, o editor do poemário que continua vivo), jovem poeta morto faz pouco, em 2009 em circunstâncias ainda não claras; que com pulso firme traça este verso frio, “hazme morir como un socavón abandonado“, ou este outro “Prepara tu cabeza de napalm / para el grito infinito“. Faz recordar o poeta trágico Recalde. Podem encontrá-lo como fantasma cibernético em seu blog “El beso negro“, que parece zombar-nos desde mais além. Outros poetas destacáveis no poemário são García Corcuera que tem uma aproximação “bolañesca¹” à poesia quando diz “soy el desierto latinoamericano y luego continua yo soy el desierto que torna brutos a los hombres”. Ou o poeta Marlet Ríos que tem um tom solene quando parece susurrar-nos versos gongorianos como “danzar con sacerdotisas y sílfides a la luz de la Luna Llena/ y quemar todas las banderas irrisorias”.
Como seja a apresentação se bem não chegou a uma hecatombe é uma mostra de que a cultura anarquista segue viva, que publica, e que reúne uma grande quantidade de nomes além de outras publicações como o fanzine “Desobediencia”. Desde aqui desejo que vossa poesia chegue à rua e toque a pele dos espíritos sensíveis como os tiros que dispara a polícia aos manifestantes.
[1] de Roberto Bolaño
Fonte: http://www.limagris.com/asiserealizolapresentaciondelultimopoemarioanarquistaperuano/
Tradução > Sol de Abril
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Rogério Martins
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!