15 de novembro de 2016
Isbel Díaz Torres
Depois de receber a indignante noticia da demissão de Julio Antonio Fernández Estrada, um dos jovens acadêmicos cubanos de esquerda mais talentosos e apaixonados do país, fiquei muito inquieto.
Pessoas do meu entorno, pertencentes a projetos alternativos que tiveram momentos de grande atividade na área do pensamento, e que são radicalmente propositivos, como Observatorio Crítico, Cátedra Haydeé Santamaría ou Havana Times, também têm sofrido esse tipo de represália há anos.
Além disso (ou sobretudo) outros coletivos ou pessoas catalogadas dissidentes ou opositoras padeceram não apenas destas medidas administrativas, como também têm sido vítimas de violência direta sobre suas pessoas e seus pertences.
O Estado cubano avança implacável, por um lado aperfeicioando os jantares luxuosíssimos oferecidos aos empresários e investidores, corrigindo os protocolos e os logotipos, enquanto que por outro, maltrata a juventude inconformada com qualquer signo ideológico.
Sequestrou a Revolução para convertê-la nesta coisa prostituída, esta infame caricatura que vendem na América Latina para que os turistas levem para casa uma boina do Che, umas garrafas de rum, e a certeza de que nesta terra a justiça social nunca voltará a estar entre as prioridades daqueles que a governam.
É por isso (entre outras razões) que nós, anarquistas, já pensamos duas vezes antes de nos chamarmos pessoas “de esquerda”. Uma esquerda que se iguala à direita em corrupção, oportunismo, repressão, mascarada de capuzes e estrelas vermelhas (e em Cuba nem isso).
Agora, se saio um momento desta visão geral e volto o rosto aos indivíduos que FAZEM a censura, a repressão, a corrupção, a indolência, o que verei?
Será possível identificá-los? Esses que estampam sua assinatura na folha de demissão, esses do sindicato que apoiam a decisão, os companheiros de trabalho que olham para o outro lado enquanto você sai do escritório do diretor… Quem são essas pessoas?
Será possível convocá-las? Dizer-lhes que eles também fazem parte da merda que criticam às escondidas, enquanto sobem em um ônibus lotado? Podemos denunciá-los ante alguma instância moral? Isso servirá de alguma coisa? Despertariam?
É tão difícil ver a falta de solidariedade entre os jornalistas, todos conscientes da censura que vivem enquanto veem passar o figurinha de cabelo branco do Partido, que acaba de sair de uma reunião onde a Segurança do Estado ditou uma nova política que nunca chegará à Assembleia do Poder Popular.
O que é lutar desde dentro? Isso serve para algo? Sim: para manter o estado das coisas: um Estado abusador, que chantageia as pessoas com a saúde e a educação gratuita de péssima qualidade.
Julito diz que não se calará mais. Isso é o que deveriam fazer todas e todos os que sofrem com a arbitrariedade dos Órgãos da Justiça Trabalhista, das Procuradorias, dos Tribunais Populares (Populares?).
E nós, que já passamos por lá e os que ainda não o fizeram, deveríamos apoiar-lhes também, ser solidários, ainda que não seja na nossa pele. Porque se trata da pele da dignidade, que não cobre apenas as pessoas enquanto indivíduos, mas que rodeia a humanidade dos grupos sociais que integramos.
Quem se senta para fazer Antropologia ou Sociologia na segurança de sua cátedra e depois viaja aos congressos da LASA ou profere conferências mornamente críticas (chistosamente críticas) em universidades em Paris, Espanha, Porto Rico, é tão cúmplice como os tristes “agênticos” em suas motos Suzuki vermelhas.
Sim, compreendo que é uma espécie de suicídio, que há famílias que dependem desses postos de trabalho e até dessas viagenzinhas que nunca caem mal. Mas a outra opção é colaborar com o mal, com a mentira, com a simulação, com os “dois pesos, duas medidas”, com a injustiça.
Hoje não tenho ideias originais nem frases engenhosas. A verdade deve ser suficiente para me dirigir a vocês.
Fica claro que o melhor serviço que o Estado cubano está fazendo ao neoliberalismo global é aniquilar sua juventude crítica, seus artistas questionadores, seus jornalistas conflitivos. É a receita perfeita para que as tentativas de construção socialista sejam justamente o que a direita diz que elas são: tristes ensaios de autoritarismo e aniquilação da diferença.
Já não me calo mais.
Fonte: http://www.havanatimes.org/sp/?p=119675
Tradução > KaliMar
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