Por Laura Vicente
A ATUALIDADE DO ANARQUISMO NO 80º ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO DE 1936 (20/11/2016)
Estes três homens conhecidos por todas/os se converteram no simbolo da famosa citação de Proudhon, Destruam et edificaba. Destruir e edificar, uma síntese que evita que a destruição se converta em simples terrorismo e o edificar em construir sem um critério de emancipação.
Compartilho com Ramón Acín a seguinte afirmação:
Nós não temos santos, nós não temos apóstolos, nós não temos nem mártires; mas temos coração e somos amigos do amigo e camaradas do camarada.
Por isso este ano voltamos a nos reunir aqui, no meu caso convocada por uma admirável mulher, Antonina Rodrigo, para lembrar a três homens e, para destacar neste 2016, o 80º aniversário da revolução que se pôs em marcha como consequência do golpe de Estado de boa parte do exército sustentado pela Igreja Católica e pela oligarquia. O vazio de poder que provocou a atuação militar, fracassada em parte pela reação das classes populares através de suas organizações (assim morreu Ascaso), facilitou a investida ao poder impulsionado pelo sindicalismo e pelo anarquismo. A defesa foi assumida pelas milicias, o “povo em armas”, que provocou a morte de alguns que voluntariamente foram ao fr ont (desta maneira morreu Durruti); a organização política foi assumida pelos Comitês e a economia se coletivizou em parte.
Logo a revolução encontrou dificuldades relacionadas com a própria inexperiência do movimento libertário e com as forças contrárias ao processo de transformação no lado republicano, incluídas as exigências inerentes à guerra. O final conhecemos bem. A derrota foi de grandes dimensões e o anarquismo pareceu passar à história e converter-se apenas em uma lembrança gloriosa para protagonizar comemorações.
No entanto, não estaria aqui se pensasse que a anarquia é coisa do passado. Pelo contrário, é um projeto político e filosófico válido e atual, sempre e quando se adapte ao presente e a o que está por chegar. Tem a possibilidade de ser um projeto comum para uma quantidade de situações, para uma infinidade de maneira de sentir, de perceber e de atuar [1].
Não podemos pretender que o anarquismo seja uma espécie de catálogo de princípios imutáveis, se o pensássemos assim desativaríamos o mais valioso de suas propostas, posto que sua essência é movimento, transformação e adaptação às novas realidades. A ideia não pode permanecer estática se a realidade muda, por isso o anarquismo futuro não pode se parecer ao que temos herdado ao que hoje conhecemos. Se os dispositivos de dominação vão se transformando no transcurso do tempo histórico, tamb&eac ute;m se modifica correlativamente o que se opõe a eles, o que lhes confronta, incluída a luta que desenvolve o anarquismo [2].
Se tivesse que destacar alguns aspectos que considero plenamente atuais, seriam os seguintes:
Em primeiro lugar, sua crítica ao Estado e ao poder político, assim como a denúncia de manipulação que o poder realiza sistematicamente do espontaneísmo e da democracia direta. O anarquismo sempre vê no Estado uma fonte de controle e coerção. A essência de todos os governos continua sendo desempoderar fatidicamente aos cidadãos [as] e contaminar suas consciências à necessidade que tem de governos fortes para garantir a governança [3].
Em segundo lugar sua desconfiança à capacidade do Estado para fazer iguais as pessoas renunciando à liberdade, algo que edificou na URSS e em outros países terríveis distopias. Desta desconfiança se deriva a necessidade de unir em um todo, liberdade e igualdade, já que a uma sem a outra não cabem em um planejamento anarquista.
E em terceiro lugar, sua negativa a pôr em marcha vastos projetos de engenharia social, como fizeram o comunismo e o fascismo, com as consequências que conhecemos. No anarquismo é primordial o compromisso ético, ou seja, não se podem alcançar uns objetivos acordes com os valores anarquistas tomando uns caminhos que os contradigam [4]. Os fins nunca se justificam pelos meios. Pela dimensão ética da rebelião que converte a cultura e a educação em elementos fundamentais foi executado Ferrer y Guardia.
O mais valioso do anarquismo hoje são as instituições básicas que jogaram profundas raízes em experiências variadas que foram sendo depositadas, a modo de capas superpostas, grande quantidade de homens e mulheres que protagonizaram mil e um combates anteriores. Se trata de recuperar o menos doutrinário, o mais informal, em definitiva, o mais difuso, que, às vezes percebemos como debilidade quando sua fortaleza está presente nas muitas vozes da desconformidade do século XXI.
Por isso compartilho o conceito de “anarquia positiva” de Proudhon que atualiza Daniel Colson quando afirma que a anarquia é um “prender”, um “solidificar” de corpos e sentidos, não como se solidifica o concreto (essa é maneira do fascismo religioso e o integrismo islâmico), senão mais bem no sentido de uma improvisação do jazz: modos de associação de entidades radicalmente dispares e singulares que recompõem no fundo sem deixar nunca de ser diferentes, de ter uma realidade, um modo de ser e um ponto de vista radicalmente irredutíveis a todos os demais [5].
O anarquismo ou é uma utopia ou não é nada, aí reside sua atualidade, nos desejos que canaliza de uma sociedade cujo epicentro é a liberdade.
E concluo, como é habitual em mim neste ato, com as palavras do escritor Eduardo Galeano:
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
[1] Daniel Colson (2003): Pequeno léxico filosófico do anarquismo. De Proudhon a Deleuze. Nova Visão, Buenos Aires, p. 30.
[2] Tomás Ibañez (inverno de 2016): “O anarquismo que vem”. Libre Pensamiento, nº 88.
[3] Féliz García Moriyón (primavera de 2016): “O anarquismo e os anarquismos”, Libre Pensamiento, nº86.
[4] Tomás Ibañez (inverno de 2010): “O anarquismo que vem”. Libre Pensamiento, nº 88
[5] Entrevista a Daniel Colson (07/10/2016): “O anarquismo é extremamente realista”.
http://www.eldiario.es/interferencias/Daniel_Colson-anarquismo_6_567003317.html
Fonte: http://pensarenelmargen.blogspot.com.br/2016/11/ferrer-ascaso-y-durruti-homenaje-en-el.html
Tradução > KaliMar
Mais fotos:
agência de notícias anarquistas-ana
jardim sem flor
entre as páginas do livro
a rosa e sua cor
Alice Ruiz
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!