Suspeita é de que grupo planejava alguma ação em Porto Alegre, provavelmente contra judeus ou homossexuais, afirma delegado
Cerca de 40 agentes da Polícia Civil cumpriram, na manhã desta quinta-feira (08/12), oito mandados de busca em sete cidades gaúchas com o objetivo de impedir eventuais ações de um movimento armado que estava realizando reuniões com neonazistas no Rio Grande do Sul. Um homem foi preso, em Cruz Alta, por porte ilegal de munição. Os policiais apreenderam com ele um vasto material de apologia ao nazismo.
A operação foi realizada em Cruz Alta, Caxias do Sul, Passo Fundo, Erechim, São Nicolau, Viamão e Canoas. A polícia também apreendeu documentos, computadores e material de propaganda ideológica.
Segundo o delegado Paulo César Jardim, há pelo menos 10 meses um integrante italiano do chamado Misanthropic Division (grupo nacional socialista internacional e que já tem facção no Brasil) esteve em várias cidades do Estado recrutando jovens para lutar na guerra civil da Ucrânia.
Foi confirmado pela investigação que este movimento armado é ligado ao “Batalhão Azov”, milícias neonazistas que estão em combate no leste europeu. O delegado Jardim confirmou que um integrante destes grupos esteve cooptando jovens gaúchos seguidores de Hitler.
— Eles ofereceram dinheiro e treinamento militar, estão fazendo isso no mundo inteiro e comprovamos que um porto-alegrense esteve lutando na Ucrânia após ser recrutado — revela Jardim.
O delegado suspeita que pelo menos outros cinco também estiveram na Europa, mas ainda precisa de provas e por isso foi realizada a operação desta quinta. Houve, desde o início do ano, reuniões em Caxias, Passo Fundo, Canoas e Cruz Alta sobre recrutamento e ações de guerrilha.
Jardim acredita que eles planejavam alguma ação em Porto Alegre, provavelmente contra judeus ou homossexuais, por isso, entende que foi necessário realizar a operação preventiva.
— O objetivo era evitar que a gente estivesse se omitindo em relação a alguma ação drástica que pudesse ser tomada por eles. Preferimos prevenir, mostrar que nós sabemos da existência deles — ressalta.
Segundo a investigação, ainda está sendo apurado o valor pago para que os neonazistas gaúchos fossem para a Ucrânia. Já se sabe que o integrante do movimento armado saiu do país e a polícia não está divulgando nomes pelo fato da apuração continuar.
Neonazismo
A 1ª Delegacia da Capital descobriu o plano porque monitora neonazistas há 15 anos no Rio Grande do Sul e, desta forma, conseguiu identificar a presença desta facção armada no Estado. O chamado Misanthropic Division, vinculado ao grupo armado e neonazista Batalhão Azov, realizou dois ataques em janeiro deste ano contra um espaço de cultura em São Paulo. Além disso, a investigação apontou que há 300 células nacionais socialistas no Brasil com páginas na internet.
No Rio Grande do Sul, considerado em 2013 como o segundo Estado brasileiro que mais baixa da Internet conteúdo neonazista, já teve mais de 50 pessoas indiciadas em 25 inquéritos por este tipo de racismo. E 14 destas pessoas podem ir a julgamento por terem esfaqueado judeus no bairro Cidade Baixa em 2005. No momento, um recurso de 10 réus está sendo analisado.
Desde 2003, já foram registrados seis grandes atos neonazistas no Rio Grande do Sul, o mais recente na Capital, em 2012. Um estudo da Universidade de Campinas apontou que há no Sul do país cerca de 100 mil simpatizantes de Hitler, sendo que 42 mil são gaúchos.
Em 2006, a Rádio Gaúcha divulgou série de reportagens sobre os chamados Nazistas Sulinos e, em 2009, revelou o envolvimento de um neonazista gaúcho na morte de um casal no Paraná. Jovens estavam criando um novo grupo, a Neuland, para práticas racistas no Sul do Brasil.
Misanthropic Divison
Grupo paramilitar neonazi, o Misanthropic Divison ganhou força durante o acirramento dos conflitos na Crimeia. O movimento nasceu na Ucrânia, mas criou ramificações em países como Rússia, Bielorrússia, Alemanha, Espanha, Estados Unidos e também no Brasil. A rede age principalmente por meio da internet, com atualização de blogs, de redes sociais e publicação de informativos digitais, também usados para cooptar integrantes.
As premissas ideológicas da Misanthropic incluem o socialismo nacional, o antissovietismo, o racismo contra não-brancos, a homofobia, o antissemitismo e o sexismo. Como lema exposto em sites, o grupo propaga: “Revolta Contra o Mundo Moderno”. O grupo ainda defende pela independência da Ucrânia (tanto da União Europeia como da Rússia) e a extinção da imigração de pessoas não europeias para o país.
O movimento usa amplamente os símbolos nazistas. A bandeira oficial inclui dois símbolos conhecidos de Totenkopf (crânio) e dois Kalashnikovs (armas AK 47).Segundo seus próprios relatos, o grupo foi formado em Kiev em 31 de outubro de 2014 por três ativistas ucranianos. Quando eclodiu a guerra civil, passaram a defender a Ucrânia com conflito armado.
A guerra na Ucrânia
A guerra civil na Ucrânia teve início oficial em fevereiro de 2014, quando manifestantes invadiram a Praça Maidan na capital Kiev. Eles protestavam contra a decisão do então presidente Viktor Yanukovych de não assinar um acordo com a União Europeia e fazer um pacto com a Rússia por ajuda financeira no final de 2013.
Yanuvych acabou deixando a presidência e fugindo para Kiev, o que acirrou o conflito entre forças ucranianas e separatistas pró-Rússia — lembrando que a Ucrânia era anexada à antiga União Soviética (URSS). Somente em 1991 o país passou a existir de fato.
Em meio aos conflitos, a Ucrânia passou a acusar o governo de Putin de patrocinar e dar armas aos rebeldes. Já Moscou diz que Kiev faz “operação punitiva” contra os separatistas, com atos criminosos.
Em março de 2014, a Crimeia, região ucraniana onde a maioria da população é de origem russa, pediu para se separar da Ucrânia. Após uma intervenção militar, a Rússia formalmente anexou a Crimeia via referendo — que foi duramente questionado dentro e fora da Ucrânia.
Os protestos no leste do país e na fronteira com a Rússia se intensificaram. A anexação da Crimeia também repercutiu internacionalmente, resultando numa das maiores tensões entre as potências ocidentais e a Rússia desde o fim da Guerra Fria, e uma onda de sanções europeias e americanas foram deflagradas contra Moscou.
Petro Poroshenko, eleito em 25 de maio, decidiu enviar o exército para as regiões rebeldes. Foi quando as batalhas se tornaram mais violentas e os combates multiplicaram-se por toda a região fronteiriça.
O suposto abate do Boeing-777 da Malaysia Airlines, que caiu na região de Donetsk, palco dos combates separatistas, deu uma nova dimensão ao conflito. A Rússia foi alvo de novas de sanções por parte dos países ocidentais, que passaram a tentar uma mediação entre os dois países.
Um primeiro cessar-fogo foi negociado em Minsk, na Bielorrussia, em setembro de 2014, mas nunca foi respeitado. Outros dois se sucederam, mas os confrontos nunca cessaram completamente.
Até 15 de setembro deste ano, o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH) registrou 9.640 mortes e 22.431 pessoas feridas, mas ponderou que os números podem ser ainda mais altos. Em maio, o presidente ucraniano já havia estimado em mais de 10 mil o número de mortos pela guerra civil.
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