Este relato foi escrito por 9 pessoas que testemunharam o que aconteceu. Decidimos escrever, anonimamente, para fazer justiça a memória das pessoas que perderam suas vidas vítimas da violência de Estado, da violência das desigualdades produzidas pelo capitalismo, vítimas do racismo, do machismo, do fascismo e da homofobia.
Dia 18 de fevereiro de 2017. Em torno das onze horas da noite em São Paulo, rua General Jardim, em frente ao Instituto de Arquitetos do Brasil: 2 homens em situação de rua foram vítimas de 7 tiros. Pelo menos mais três pessoas estavam envolvidas no ataque, em uma moto e um carro, ação que culminou na morte do morador de rua conhecido como “Taiguara” por seus companheiros e outras pessoas no comércio local.
Imediatamente após ouvirmos os disparos, em conjunto com a grande massa de pessoas que estava na rua, em contexto de pré-carnaval, adentramos os bares com o intuito de nos proteger dos tiros, e a confusão se misturava com a música alta e os boatos de que havia sido apenas fogos. Foi possível perceber que o homem que atirou era branco, careca, de estatura média. Pessoas relataram que vestia uma bermuda camuflada. Ele atravessou a rua a pé, as pressas, ainda empunhando uma arma calibre .40, na frente do bar em que nos abrigamos. Logo após, fomos até o local do assassinato, próximo a uma esquina onde estavam alguns homens em situação de rua dormindo e encontramos os corpos de duas pessoas estirados no chão, um delas já morta. Algumas pessoas (poucas em relação ao número de pessoas que p resenciaram os disparos) foram ajudar e logo ligaram para a ambulância. Um dos homens ainda estava com sinais de vida, enquanto o outro não estava mais respirando. Um homem ligou para polícia e repassando os fatos foi indagado sobre as características e paradeiro do autor do homicídio perguntando a um de nós a sua raça/etnia, o que foi rapidamente respondido com a afirmação de que era branco. A polícia demorou para chegar e a ambulância chegou depois, quando solicitaram que as pessoas deixassem o local. As viaturas fecharam a rua e os policiais militares portavam armamento pesado. Ao tentar contrib uir com um relato, pessoas tiveram seus testemunhos negados. Um homem que recolhia itens para reciclagem e que conhecia a vítima e os outros moradores do local disse chorando que tratava-se de um amigo, conhecido também pelo comércio local e que era chamado de Taiguara. Segundo ele, Taig uara apenas costumava pedir dinheiro nos arredores e estava dormindo na rua, indefeso e vulnerável. O catador refletiu que estando ele também em situação de rua e que por ter dormido no mesmo local do homicídio no dia anterior poderia ter sido a vítima desta vez. Finalizou dizendo “Mas fazer o que, a gente mora na rua. É muita covardia”. A agressão foi, aparentemente, premeditada: um ataque coordenado para assassinar pessoas em situação de rua.
Em notícia veiculada pela Folha de São Paulo¹, é sugerido que segundo a Polícia Militar, os agressores eram policiais à paisana, que haviam sofrido uma tentativa de assalto pelo homem assassinado. No entanto, testemunhamos que eles estavam dormindo e não portavam nenhum tipo de armamento. E também, o comportamento dos agressores chama atenção pelo fato de terem fugido do local, para diferentes direções, o que contradiz a hipótese de autodefesa. Somando ao número de disparos efetuados, o cenário de um ato de execução parece muito mais plausível. Diante das impressões não descartamos a ação como fruto da atuação de grupos de extermínio ligados à Polícia Militar em São Paulo. Também se levanta a hipótese de ser uma ação vinculada a grupos neonazistas/skinheads e fascistas.
Relembramos que o fato acontece no aniversário de 17 anos da morte de Edson Neris. Um jovem homossexual que passeava com seu companheiro na Praça da República, à pouquíssima distância do ocorrido na noite de ontem, quando foi atacado e brutalmente assassinado por trinta skinheads nazifascistas. Esse acontecimento torna a data um permanente resgate da memória e luta contra o fascismo em todas as suas manifestações, rememoração que ocorre anualmente, desde este acontecimento, durante as “Jornadas Antifascistas”, ou “Fevereiro Antifascista”. Também é uma data pa ra lutar pela defesa e mobilização das pessoas vitimizadas todos os dias. Chamamos atenção para um ascenso em âmbito mundial de ideias de extrema-direita, desde o ódio contra imigrantes at&eacu te; as manifestações nacionalmente identificadas em figuras como Jair Bolsonaro (PSC), MBL, e representações junto às bancadas “evangélica, ruralista, e da bala” no Brasil, em um contexto de golpe de Estado e aprofundamento da crise econômica e retirada de direitos básicos para existência humana.
Recentemente ainda, o trabalhador ambulante Luis Carlos Ruas, o “Índio”, foi assassinado por 2 homens skinheads (Alípio Rogério Belo e Ricardo Nascimento Martins), na estação de metro Pedro II, ao tentar proteger travestis que estavam sendo perseguidas pelos agressores. Apesar de serem reconhecidamente parte de grupos de ódio, a mídia fez questão de ocultar estes dados sobre os assassinos.
No Mato Grosso do Sul, o indígena Guarani e Kaiowá Clodiodi de Souza, em luta pela defesa de seu território tradicional indígena, é assassinado com um tiro na cabeça por paramilitares a mando de grandes latifundiários, durante um ataque organizado pelos ruralistas.
Tudo isso, entre tantos outros casos, reforça a necessidade de nos organizarmos para combater o fascismo e a extrema-direita, para não esquecermos dos nossos mortos. As Mães de Maio nos dizem: “Nossos mortos tem voz”, e não podemos permitir que tentem nos calar ou amedrontar. É preciso se organizar nos bairros periféricos, nos movimentos sociais, nos locais de trabalho, para enterrar de uma vez por todas o vírus do fascismo no Brasil e no mundo. Como aqueles que fizeram voar “as galinhas-verdes” integralistas no Brasil em 1934; como os revolucionários anarquistas em 1936 na Espanha; como todo s e todas que resistiram e caíram combatendo as ditaduras sanguinárias da América Latina; como pessoas em situação de rua, mulheres, trabalhadores, imigrantes, indígenas, quilombolas e campone ses, juventude negra e periférica nas grandes cidades, que sofrem com o genocídio orquestrado pelo Estado, pelo capital, e suas instituições perversas, como a Polícia Militar brasileira: a polícia que mais mata no mundo.
Por um mundo onde caibam muitos mundos, gritamos:
TAIGUARA VIVE!
Luiz Carlos Ruas, tantas Luanas, Amarildos e Clodiodis: não esqueceremos de vocês!
Pelo fim da Polícia Militar!
“O Fascismo não se discute, se destrói” – Buenaventura Durruti, revolucionário anarquista Espanhol
agência de notícias anarquistas-ana
Noite no jasmineiro.
Sobre o muro,
estrelas perfumadas.
Yeda Prates Bernis
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!