Por Capi Vidal
O anarquismo é inimigo de todo dogma e propulsor de um autêntico pensamento livre; por isso, está obrigado a revisar e renovar suas propostas, máxime em um cenário tão diferente daquele que viveram os militantes clássicos.
O mundo mudou radicalmente nas últimas décadas, ao ponto de que as antigas receitas emancipadoras, com uma concepção da revolução social em letras maiúsculas, resultam questionáveis. Se perguntarmos à sociedade sobre os anseios anarquistas de liberdade, igualdade e justiça para todos, o mais provável é que, no melhor dos casos, consideram um belo sonho inalcançável. De tal modo, apesar de como o mundo se encontra, com uma evidente e crescente desigualdade econômica e política, e com a am eaça constante inclusive de destruição do planeta, as ideias libertárias são mais necessárias do que nunca. O que podemos fazer? Obviamente, não nos conduzir rumo a desesperança e automarginalização, nos fechando na defesa de princípios imóveis e nem em uma atitude estéril de superioridade moral. A primeira tarefa é compreender que, por muito que apreciemos um vínculo com o passado, com o anarquismo clássico ou moderno, o mundo de hoje é muito diferente. Temos que compreender que a práxis levada a cabo pelos libertários do passado, não sabemos se estão ou não obsoletas ou resultam absolutamente inviáveis, mas o certo é que pertencem a um mundo que já não mais existe. Isso não impede, obviamente, o aprendizado com esses militantes e pensadores de outro tempo, mas não podemos nos abun dar em concepções dogmáticas e nem em uma espécie de atitude simplória adornada com belas palavras emancipadoras.
Como anarquistas, estamos obrigados a nos renovar e mover constantemente, buscando essas novas vias de emancipação que verdadeiramente renunciam ao autoritarismo. Recordemos que as propostas do anarquismo, com sua coerência entre meios e fins, e sua renúncia a toda práxis coercitiva, está no oposto de outras correntes (supostamente) emancipadoras, como a socialdemocrata ou a comunista. Assim, é lógico que essas mencionadas opções pol&iacut e;ticas acabem na repetição, como vemos uma ou outra vez na prática, apesar de conhecer os resultados. As ideias libertárias, muito ao contrário, estão obrigadas a se reinventarem. Não é nenhum paradoxo, nem uma renuncia aos princípios fundamentais anarquistas, que tem precisamente a ver com essa prática real de solidariedade, descentralização e liberdade. Anarquismo é movimento e renovação permanente, precisamente porque o resto das propostas insiste em mudar o sistema desde dentro. As ideias libertárias apresentam verdadeira autonomia, a gestão exercida pela própria sociedade, frente a heteronímia, que insiste em representá-la e tutela-la. Se é possível atrair com essa linguagem a consciências das pessoas, o anarquismo é um aprofundamento da democracia, que semp re deveria ter sido a gestão social e política realizada pelo próprio povo (para recuperar a etimologia da palavra).
Talvez, no Séc. XXI nos deparemos com a autêntica evolução da democracia, que é esse aprofundamento que representa o anarquismo. A democracia representativa, a heteronímia política, subordinada ou fundida com o capitalismo, representa hoje o imobilismo, o Estado em letras maiúsculas, a desesperança e a continuação de fórmulas obsoletas. Tudo o que o anarquismo não pode ser, já que há de convencer de que se trata da melhor alternativa a qualquer forma de exploração e dominação, ainda que se revi sta de modos democráticos. O sistema econômico, o capitalismo, de sua parte, apesar de injusto, embrutecedor e destruidor que resulte, é o sistema consolidado na modernidade. A concepção socialista de sociedade parece hoje ultrapassada, identificada exclusivamente com suas fracassadas propostas estatais. Isso explica em grande parte, ainda que não somente, a supremacia do capitalismo, apesar de que o anarquismo também foi na origem uma corrente socialista com uma sólida concepção de liberdade vinculada a igualdade. Por isso, não podemos nos lamentar sobre o porque do anarquismo não haver encontrado seu lugar na modernidade e sim realizar uma análise do novo cenário e das novas estratégias ácratas.
Recordemos que o anarquismo não é simplesmente uma ideologia ou teoria, ainda que seja certo que possa ser influído em certos aspectos pelas visões marxistas sobre um movimento operário que vislumbrava um horizonte emancipador. É dizer, uma organização de massas trabalhadoras, por muito descentralizada que se apresentasse no caso da influência anarquista, e um grande evento revolucionário que nos conduzisse ao desejado socialismo libertário. Hoje temos que ser críticos com essa concepção. O marxismo, a outra grande corrente emancipadora, sofreu uma virada espetacular na moder nidade, fugindo do horror de sua práxis e buscando uma renovação que em suas melhores propostas acabam se aproximando das ideias libertárias. O anarquismo, sem grandes propostas teóricas (e logo, nad a científicas), nem muito menos totalitárias, mas com um grande e eclético corpus, busca batalhar sempre no seio dos movimentos sociais. Os estudiosos e investigadores asseguram que, ao menos, desde o Maio de 68, de uma forma mais evidente em diversas lutas concretas. Ao fim ao cabo, as denominações não são importantes, e o importante é essa concepção ampla de liberdade, vinculada a autogestão e a horizontalidade, com sua recusa ao poder e a hierarquia, tendo ou não a etiqueta anarquista. Essa renovação do anarquismo, com o nome que se queira (por isso há quem coloque o prefixo neo ou pós) está se produzindo desde as últ imas décadas e consolidando-se no séc. XXI. Sem entrar em viagens filosóficas acerca do pós-estruturalismo e da pós-modernidade, diremos que a própria condição anarquista obriga a essa crítica permanente, a essa revisão e renovação, que não renuncia totalmente ao passado, e sim o utiliza para enriquecer as propostas atuais. Como anarquistas, somente podemos rejeitar o dogma e amar o autêntico pensamento livre, não somente o que se reveste de meras oposições para evidenciar sua impotência. Tal e como expressam os pensadores anarquistas atuais como Octavio Alberola ou Tomás Ibáñez, o anarquismo do séc. XXI pode se caracterizar por certa conservação de alguns ideais clássicos “para construir a anarquia nos fatos” e ser capaz de colocar em prática suas potencialidades de emancipaç&at ilde;o.
Fonte: http://reflexionesdesdeanarres.blogspot.com.br/2017/06/el-anarquismo-y-la-renovacion-de-sus.html
Tradução > Liberto
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