> Há 80 anos, entre 20 e 22 de agosto de 1937, se constituiu a Federação Nacional de Mulheres Livres
> Esta organização foi a mais numerosa e conhecida de toda a história da corrente de emancipação feminina anarquista no Estado espanhol
> Muitas das reivindicações assumidas na atualidade foram demandas de Mulheres Livres no passado
Por Carme Bernat Mateu
A organização de mulheres anarquistas nasceu em Madrid durante a primavera de 1936, com a aparição de sua revista homônima. As libertárias Amparo Poch, Lucía Sánchez e Mercedes Comaposada foram suas principais impulsionadoras. O grupo se ampliou mediante a fusão do “Grup Cultural Femení” de Barcelona, nascido em 1934, com o grupo madrilenho que já havia iniciado a publicação da revista e a expansão das agrupações pelo centro da península. O crescimento do coletivo aumentou notavelmente, até que conseguiram ao redor de 28.000 associadas e umas 170 agrupações durante a Guerra Civil.
A Federação Nacional se criou faz oitenta anos em Valência em seu primeiro congresso, entre 20 e 22 de agosto de 1937 em seu local situado na Rua da Paz, 29. As militantes definiram a fundação da federação como “um acontecimento histórico”, a partir do qual se buscava “criar uma força feminina consciente e responsável que atue como vanguarda da revolução”. De fato, neste congresso se declararam como o primeiro caso de uma organização política feminina. Como ato de encerramento do Primeiro Congresso Nacional, se celebrou um comício no teatro Apolo de Valência que contou com a participação de Federica Montseny, primeira mulher ministra da história do Estado espanhol, que declarou: “À Federação Mulheres Livres cabe cumprir um grande trabalho revolucionário”. Em comemoração deste aniversário, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) organizará entre 8 e 10 de setembro em Madrid umas jornadas de formação que contarão com a participação de reconhecidas historiadoras sobre esta questão.
Autônomas mas muito próximas ao resto de grupos anarquistas, Mulheres Livres se alimentava tanto dos ideais e recursos, como das ações e esperanças que nasciam no seio da Confederação Nacional de Trabalhadores (CNT), a Federação Anarquista Ibérica (FAI) e a Federação Ibérica de Juventudes Libertárias (FIJL). Apesar de seus fortes vínculos, a organização feminina não foi admitida como ramo autônomo dentro do movimento libertário. Os motivos giravam em torno à desunião que sua entrada poderia supor, gerada majoritariamente pela hostilidade existente com a FIJL. A crítica e a escassez de cooperação que receberam do resto do movimento fez com que as militantes o atribuíssem à perpetuação de prejuízos machistas e à aversão de deixar em mãos de mulheres tarefas consideradas de domínio exclusivo do homem.
A causa de Mulheres Livres perseguia novos matizes, como a máxima expressão da humanidade livre e do ideal libertário, mas acentuando o “humanismo integral”. Impulsionavam a equiparação humana, o equilíbrio entre a essência social dos homens e as mulheres e foram predecessoras do atual feminismo da diferença. Pretendiam motivar uma colaboração feminina ao que consideravam um mundo tremendamente masculinizado. As finalidades da organização eram: emancipar a mulher da tripla escravidão à que estava submetida (de mulher, de ignorante e de produtora), criar um coletivo consciente e responsável que atuara como vanguarda da revolução (sempre em relação com o resto do movimento libertário) e combater a ignorância à qual as mulheres estavam subordinadas para preparar uma poderosa colaboração feminina à tarefa revolucionária.
Neste sentido, realizavam múltiplos trabalhos para a capacitação feminina na direção emancipatória, ademais das atividades de retaguarda, que cobraram uma grande importância pela conjuntura bélica. Organizaram numerosos cursos que tratavam desde a alfabetização das mulheres até a sua capacitação profissional (enfermaria, puericultura, taquigrafia, mecanografia, comércio, avicultura, mecânica, eletricidade, formação social, defesa passiva e cultura geral). O programa de atividades culturais também foi amplo, organizando exposições, bibliotecas ambulantes, conferências informativas e participação em programas radiofônicos, entre outros.
No âmbito laboral criaram bolsas de trabalho feminino e colaboraram na abertura e na gestão de casas de maternidade. E também promoveram outras iniciativas como o primeiro anteprojeto de lei do aborto de âmbito estatal ou os liberatórios de prostituição, que foram assumidas pelo Ministério da Saúde gestionado por Federica Montseny. Mas o funcionamento de Mulheres Livres se truncou com a vitória franquista na Guerra Civil. Durante o mês de fevereiro de 1939, as militantes mais implicadas saíram ao exílio, dispersando-se por diferentes zonas da França e América Latina.
Apesar da breve experiência da organização, Mulheres Livres antecipou faz 80 anos alguns debates da atualidade. Algumas posturas da polêmica sobre a maternidade sub-rogada, aspecto tão discutido no presente, se relacionam com a aposta de Mulheres Livres pela maternidade consciente. A questão sobre a situação dos filhos e filhas em famílias onde os pais exercem violência machista, visibilizada em casos como o de Juana Rivas, também nos mostra as pontes do feminismo atual com Mulheres Livres. Estas anarquistas consideravam que o entusiasmo e pureza natural nos meninos e nas meninas devia manter-se antes de tudo, protegendo uma infância digna frente às denominadas contaminações exteriores como a Guerra Civil que elas viveram ou a violência machista que agora se debate.
Por último, com estes exemplos se pretende mostrar que os feminismos atuais tem suas raízes em correntes de emancipação feminina já presentes desde princípios do século XX. Os antecedentes dos feminismos do presente não se encontram só no conhecido sufragismo ou demanda do voto feminino. No caso do Estado espanhol, o feminismo histórico foi em grande medida de caráter obreiro e esteve estreitamente ligado a culturas políticas socialistas.
Uma parte importante das reivindicações feministas que provocaram incompreensão ou rechaço faz oitenta anos, foram assumidas na atualidade. Quem trabalhou em Mulheres Livres lutou duramente pela revolução social e pela importância das mulheres nela, sofrendo em seguida a repressão franquista. Por tudo isso, é necessário recordar, agradecer e difundir os esforços de grupos como Mulheres Livres por criar um mundo novo. A memória histórica há de ser também memória feminista.
Mas contra o patriarcado fica muito por fazer. Grandes debates apresentados pelas mulheres anarquistas de princípios de século seguem abertos e muitas de suas demandas continuam sendo hoje as nossas. É vital continuar reivindicando, questionando e criando novas possibilidades para as gerações futuras. Como disse uma das militantes de Mulheres Livres: “nossas asas truncadas, mas asas ao fim, são um tesouro inapreciável. Com elas, até na noite há luz. A desgraça teria sido tê-las perdido. Ou não tê-las tido nunca”.
Fonte: http://www.eldiario.es/contrapoder/memória-feminismos-Mujeres-Libres-despues_6_677592240.html
Tradução > Sol de Abril
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