3 anos de faltas de evidências – 3 anos que fuderam nossas vidas
O tumultuado caso Fênix consiste em muitas acusações de diversos crimes, desde a chamada “promoção do terrorismo” até a preparação de ataques terroristas. Estes são os mais discutidos no último julgamento do Tribunal Municipal de Praga. Durante o seu veredito, o juiz absolveu todos os cinco réus do caso Fênix 1. É uma vitória? Por quê essa decisão não é definitiva? O artigo abaixo é uma tradução de uma visão geral de um mês sobre as audiências do tribunal e algumas análises de nossa situação e experiência, originalmente escritas na língua tcheca.
Esta longa audiência foi sobre cinco anarquistas, três delxs acusadxs de conspirar um ataque terrorista em um trem que usava parafernália militar. Dois delxs foram acusadxs de saber sobre tais planos e não ter parado xs autorxs presumidxs. Duas dessas cinco pessoas também foram acusadas de preparar um ataque com coquetéis molotov contra carros da polícia durante o desalojo da okupa Cibulka. Basicamente, de acordo com os policiais, existem no total cinco pessoas e três crimes diferentes envolvidos. (E tudo isso é apenas para Fênix 1, porque algumas dessas pessoas estão enfrentando novas acusações no contexto da Fênix 2).
No grupo onde xs cinco acusadxs estavam envolvidxs, havia dois policiais infiltrados. Esses dois indivíduos prepararam ativamente os dois ataques e também os iniciaram parcialmente. No entanto, o juiz não identificou suas ações como uma provocação, porque os materiais que detectariam a provocação não estão disponíveis.
A juíza, Hon Hana Hrncirova, enfatizou que absolveu todxs xs acusadxs por falta de provas suficientes. Ela destacou a falta de transparência do trabalho da polícia: “A razão pela qual o tribunal tomou tal decisão é o fato de que, durante a avaliação da evidência, o juiz expressou fortes dúvidas sobre a transparência policial em seus métodos, tanto antes do início da ação penal quanto quando foi legalmente permitido envolver os agentes implantados no caso”, disse ela.
A juíza destacou que a polícia agiu sem ter mandado por meses e quando o advogado da defesa pediu os registros de sua atividade, a polícia não os teve: “O tribunal não possui vestígios de registros, nem mesmo um”, disse a juíza. Então ela disse: “O advogado de defesa tentou obter esses materiais porque pode-se supor que, com base nessas licenças individuais, deve haver algum registro em algum lugar. Esses registros nunca foram incluídos no arquivo”.
De acordo com o que a polícia disse, os materiais dos primeiros meses de infiltração “não existem ou não podem ser usados”. Então, temos outra pilha de arquivos que estão existentes, arquivos com uma transcrição da comunicação do telefone celular gravada e, de fato, podem ser usados. Especialmente para provar que os agentes secretos, a infiltração e a construção do caso não são uma questão do passado, como ouvimos com muita frequência. Cômico foi o momento quando o juiz levantou esta pilha sobre a cabeça (é um volume de cerca de 400 páginas A4) e disse que, a partir de todas essas transcrições, nenhuma coisa tem nenhum valor como evidência.
A decisão não é definitiva porque o promotor público Pazourek sentiu que ainda não destruiu a vida das pessoas o bastante e apelou. Como ex-policial, ele acredita que a polícia atuou corretamente e espera que a Suprema Corte confirme sua opinião. Certamente, ele fará todo o possível para encontrar algo que “deve estar lá e pode ser usado”. Podemos simplesmente esperar que este caçador de anarquistas (ele também propõe pelo menos 12 anos de prisão para xs acusadxs no caso Fênix e também desempenha papel no Fênix 2), terá elementos sem valor de evidência no próximo julgamento.
Ao contrário de Pazourek, o ministro do interior, amante de armas e social-democrata, Josef Chovanec, não tem tempo para esperar pelo tribunal superior. As eleições parlamentares estão se aproximando e ele tem que dar prioridade ao polimento de sua imagem, apresentando-se como justo e um bom pai. E, portanto, depois de três anos, percebeu de repente, que no caso Fênix “algo não está certo”. Em seu perfil do “Twitter”, ele deixou alguns comentários fazendo referência a fatos pertencentes à história tcheca: “Se isso prova que foi apenas uma provocação policial, eu pedirei um caso de investigação minuciosa e uma punição dos culpados. A polícia de um estado tão democrático […] não pode destruir arbitrariamente a vida das pessoas, e isso independente do seu pensamento político. Espero que o “julgamento de Omladina¹” pertença à nossa história e não ao nosso presente”. Pena que ele não estivesse lá dizendo essas palavras quando, no momento da prisão de Martin Ignacak, o detetive principal Palfiova, olhando para o arquivo, declarou: “podemos fazer tudo!”
Se o próprio Chovanec é diretamente ou parcialmente responsável pelo processo contra o movimento anarquista ou não, não sabemos e demorará muito tempo antes de descobrirmos. Certamente, se o tribunal enviasse as cinco pessoas para trás das grades, podemos apostar que ele irá tocar os ombros de seus amigos “pelo bom trabalho que fizeram”. Agora, quando o contrário aconteceu, ele pode culpar por seus erros e abuso de poder apenas a alguns indivíduos de um aparelho policial e punitivo que de outra forma é “impecável” e “útil para toda a comunidade”.
A falta de evidências vence
Para muitos de nós, o veredito do Tribunal é um alívio. Por um momento, podemos respirar, nos encontrar para jantar e ver nossxs amigxs em um estado de espírito mais relaxado fora das paredes da prisão. Estes momentos são importantes na vida e é bom que possamos aproveitá-los. A prisão é uma instituição inútil, divide relacionamentos, isola pessoas e destrói vidas. É por isso que o veredito, por mais agradável do que “culpado”, não é uma vitória total para nós. Não esquecemos o que três anos de infiltração e posterior investigação significaram. Ales, Martin e Peter ficaram presxs por 27 meses no total, Lukas por 7 meses, e antes disso ele tinha estado um ano na clandestinidade. Todxs elxs ainda aguardam julgamentos (apelo da Fênix 1 e algumxs delxs e outrxs dois camaradas da Fênix 2). Algumxs delxs com possíveis sentenças de vida ainda no ar. Não nos esqueçamos de que Igor, que hoje é considerado inocente, esteve na maior dificuldade durante três meses, e ainda está enfrentando dificuldades e estava reportando aos serviços de liberdade condicional há quase um ano e meio. Além disso, ele ainda está sob risco de deportação da República Tcheca devido a sua permanência em custódia.
As famílias, amigxs e as pessoas mais próximas dxs réus e presxs, bem como aqueles que são diretamente afetadxs pelo caso Fênix, estão enfrentando uma grande pressão emocional e separação. A polícia entrou em vários apartamentos e tem levado mais e mais pessoas para interrogatórios. A polícia está usando seus poderes, como levar as pessoas à floresta, ameaçando xs parceirxs e pais e mães dxs suspeitxs. Uma lista do que foi feito durante as várias ações repressivas (e estamos falando apenas dos últimos três anos na cena antiautoritária na chamada República Tcheca) provavelmente seria longa e assustadora.
Em suma, é claro que não há nada para comemorar. A necessidade de esmagar o sistema opressivo ainda está em jogo, basta pensar em uma estratégia melhor e encontrar novas formas de lutar. Em casos como o Fênix, é necessário entender o que isso realmente trata. As unidades repressivas não têm medo de nós sozinhos, nem temem Martin, Peter, Sasha, Ales, Katarína, Radka, Igor, Lukas, Ales e xs outrxs acusadxs. O que os assusta é que mais e mais pessoas se identificam com nossas ideias, especialmente se começarem a usar uma variedade maior de táticas. Os protetores do status quo investem muitas forças, energia e recursos para manter as pessoas na crença de que esta é a liberdade para a qual sonham.
Pessoas antiautoritárias e anarquistas que acreditam que podemos viver nossas vidas de uma forma mais genuína do que a oferecida pelo neoliberalismo e que não precisamos de Estado e Política, podem oferecer uma alternativa que possa interferir com esse estilo de vida consumista. A repressão é então vista como a ferramenta ideal para suprimir ideias. E por eles, o aparelho estatal quer desacreditar-nos através de meios sensacionalistas e rotulando-nos como terroristas, intimidando-nos, usando o encarceramento e dividindo o movimento entre “xs radicais” e xs “não-violentxs” e colocando-nos umxs contra xs outrxs. Nos paralisam com a paranoia.
A questão é de onde essa tentativa de repressão é bem sucedida e em que pontos podemos trabalhar nós mesmos. Como não cair em armadilhas que são invisíveis à primeira vista e como derrubar paredes em nossas cabeças. As paredes dentro de nós mesmos e entre nós e outras pessoas. Como quebrar essas paredes e construir pontes fora delas. Como superar o medo, obter o que está lutando e respeitar cada umx. E por último, mas não menos importante, como não cair no desejo de ganhar em um jogo que não é nosso e que só nos afasta de coisas e atividades importantes.
O caso Fênix tornou-se um ponto crucial nas vidas de muitxs de nós. Podemos aprender muito com isso. Tomar como um ponto de referência para entender melhor como funcionam as estruturas de poder e para se entender mutuamente, bem como para analisar criticamente os nossos próprios erros. Nós não queremos fingir que temos as respostas para todas as perguntas. Mas aprendemos uma coisa. Se queremos que nossas ações e nossa organização sejam realmente efetivas e perigosas para as estruturas de opressão que nos mantêm sob controle, essas devem ser decorrentes de discussões coletivas e negociações que vão além dos esquemas fornecidos pelo Estado. Aprendemos que não há motivo para se esconder da repressão, é melhor estar pronto para enfrentá-lo e criar condições que tornem essas operações inativas. Enquanto as pessoas estiverem presas, primeiro, se discute se esta é a medida certa para implementar ou não apenas após a prisão, há uma razão para continuar lutando. Isso não quer dizer que, se o processo judicial acontecer na ordem oposta, a questão é resolvida, em vez disso, precisamos imaginar um mundo completamente diferente. Um mundo sem prisões, fronteiras e polícia, onde devemos realmente resolver os problemas em vez de nos espalhar por trás das paredes.
Fênix não é uma operação visando algumxs anarquistas ingênuxs, mas um ataque ao futuro da subversão como um todo. É também uma demonstração do poder policial e do trabalho dos agentes secretos do Estado na democracia que ouvimos tão frequentemente como sinônimo de liberdade.
Não seja pego!
Em Solidariedade,
Cruz Negra Anarquista – Praga
Equinócio de Outono de 2017.
“Meus pilares de valores são: Vida, Justiça, Liberdade e Igualdade. As pessoas que constroem casos e querem aprisionar pessoas dificilmente entendem tais valores. Estou pronto para qualquer veredito, e eu vou levá-lo com a minha cabeça erguida. Um veredito que afetará minha vida e a vida dos outros”. Final do discurso de Martin Ignacak.
Notas:
[1] Em 1894, o julgamento Omladina, convocado na capital regional austro-húngara de Praga, colocou ostensivamente o anarquismo e o anarcossindicalismo tcheco no tribunal, bem como condenando especificamente 68 nacionalistas tchecos por atividades radicais. (Fonte: Wikipedia)
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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2015/05/08/republica-tcheca-nao-somos-terroristas/
agência de notícias anarquistas-ana
no filme mudo
uma ave que eu cria extinta
está cantando
LeRoy Gorman
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!