Por Capi Vidal
O anarquismo, continuamos a afirmar de forma pertinaz que, não está morto e nem anuncia, felizmente, data de morte. É certo que os seus limites, em forma de “movimento” ou como queiramos denominá-lo, são difusos e, por vezes custa reconhecê-los, não desistir ou se frustrar no seu peculiar universo, sobrecarregada por certas condicionantes exteriores.
No entanto, seja na forma de propostas políticas ou éticas, ambas tão incorporadas, ou como uma filosofia existencial, tão simples e tão complexa como reza a máxima de “não dominar e nem ser dominado”, acabamos seduzidos e fascinados por umas ideias, que estamos seguros que são a grande esperança para a humanidade. As únicas ideias que, na sua práxis, não acabaram adaptadas a um ambiente mesquinho, como outras em mutação e ao mesmo tempo rendidas. É, se queremos, um certo paradoxo: o movimento que pretende e promove o anarquismo supõe não mudar o fundamental: um mundo livre e solidário pleno de autonomia. O anarquismo, ou anarquismos, também não é uma utopia nem uma bonita recordação de museu, já que o corpo histórico, que pode refletir o seu presente e o seu futuro através da contínua criatividade e a recusa de dogmas, supõe uma realidade social, política e cultural espetacular. Não há reducionismo, nem monopólio nas ideias libertárias, unicamente não existe colaboração e nem submissão perante o poder e a dominação, próprios de doutrinas fechadas e construídas para sempre. O anarquismo é uma contínua e permanente luta pela liberdade e a autonomia, embora às vezes como seres humanos condicionados e moldados seja um enorme esforço para reconhecê-las.
Não é coisa de um mundo pós-moderno, esta espécie de etéreos contornos das ideias anarquistas. Se olharmos a sua história, comprovamos que não existe uma única teoria, fixa e constante. Há quem tenha assinalado isso como uma certa debilidade ideológica, mas nós sabemos que se trata de uma das grandes fortalezas: a capacidade para albergar diversas propostas e até mesmo opostas. É mais, uma suposta debilidade teórica, num mundo repleto de dogmas, é na realidade uma de suas grandes fortalezas práticas (ou, pelo menos, o seu grande potencial). Como já se comprovou, onde não existem diretrizes e dirigidas proclamações cresce e se expandem as práticas sociais. Dir-nos-ão que tudo é vago e difuso, próprio de uma sociedade pós-moderna sem grandes pegadas, mas sabemos que os mais sólidos cimentos residem, não em nenhum dogma, mas na defesa da liberdade e solidariedade. A partir desses traços libertários, que se concretizam na associação livre e voluntária, baseada no apoio mútuo, compreende-se bem a complexidade do real. Uma complexidade permanentemente reduzida pelos promotores da identidade fechada e homogeneizadora.
O anarquismo, apesar de ser expressado por vezes como ideias, não é nenhum ideal, que precisamente ignora essa complexidade da realidade humana e pretende que se adapte a ele como ao leito de Procrustes. Efetivamente, o anarquismo posiciona-se contra todo o modelo unitário da realidade (e, até, da racionalidade). A realidade humana, longe de estar condicionada por dogmas, ideais ou abstrações, está formada por singularidades vinculadas a espaços e tempos muito concretos. É por isso que sempre se negou Deus, ou outros temas terrenais do mesmo, ou negando qualquer delírio metafisico. Se outras ideias insistiram na adaptação da prática à teoria, o anarquismo considera que tudo é movimento e ação, uma determinada condição de possibilidade libertária na realidade humana. Ética, decisão pessoal, e política, atividade social, incorporadas, embora nem sempre propensas às ideias libertárias. Ninguém disse que o anarquismo seria o caminho com menos esforço, embora encontre enormes e suficientes momentos de satisfação para moldar a realidade.
Pode-se, obviamente, ser anarquista de múltiplas formas, aparentemente até opostas, todas enfrentando o poder entendido como dominação. Um poder que pretende ordenar, criar espaços objetivos, definidos e fechados, algo impensável para o anarquismo, que observa a realidade como algo vivo e dado para a liberdade. Nos dirão que a realidade contradiz muitas vezes essa visão libertária, mas pensamos precisamente que não há determinismo algum, nem na condição humana, nem na práxis social. O ser humano cede, em grande medida, perante a pressão do contexto social, mas é um fato que pode ser mudado. Nós humanos somos, também, ativos e criativos, por isso podemos desenvolver as nossas potencialidades graças à uma comunidade social que o promova. O anarquismo, diferente da ideologia oficial, recusa o atomismo do individuo, o seu isolamento e insolidariedade, condição que não têm ferramentas para desenvolver as suas melhores potencialidades ou que entrega, com facilidade, a causas alheias. Se o anarquismo nega todo o essencialismo na condição humana, também sabe que a mesma está ligada e determinada pelos paradigmas sociais. É algo que, encarando a realidade que as vezes padecemos, convêm não esquecer e manter, tão lucidamente quanto sejamos capazes, a análise libertária.
Fonte: http://reflexionesdesdeanarres.blogspot.com.br/2017/11/aparente-debilidad-gran-fortaleza-del.html
Tradução > Rosa e Canela
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