No dia 17 de janeiro de 2018 o primeiro ministro francês anunciava o abandono do inútil projeto do aeroporto em terras de Notre-Dame-des-Landes. A alegria dos resistentes da ZAD [Zona A Defender], camponeses, ocupantes, vizinhos, amigos e simpatizantes, desencadeou numa clamorosa festa no dia 10 de fevereiro, data que expirava a Declaração de Utilidade Pública sobre o assustador aeroporto de Nantes. Era o momento de celebrar uma indiscutível vitória e desfrutar de algo que não acontece muitas vezes. No entanto, todo o mundo sabe que a luta não terminou pois o Estado não irá ficar parado e no futuro irá tentar reconquistar o terreno, ameaçando com processos pendentes, tentativas de evacuação, manobras divisórias e medidas de normalização. Contudo, os 1.950 hectares de “bocage”, uma espécie de paisagem de arbustos vivos e vedações tradicionais de terras atlânticas, serão preservadas, e com elas os bens comuns, as novas formas de vida e as relações sociais fora da lógica mercantil, estabelecida entre os seus habitantes. Os defensores zadistas afirmaram levantar barricadas cada vez que o Poder tente reconquistar o território e edificar um futuro mais livre no entorno da Zona Agrícola Alternativa.
O projeto do aeroporto é tão antigo como os protestos que sempre o acompanharam, mas deu um salto qualitativo ao deixar de lado procedimentos legalistas e passar à ocupação criativa. No verão de 2009 popularizou-se o nome da ZAD como Zona A Defender e a partir daí a repressão contra os ocupas e habitantes fizeram-se sentir com força, até culminar no 16 de outubro de 2012 numa “Operação César”, implantação policial que fracassou estrondosamente e multiplicou a solidariedade da população com a resistência. Contra ventos e marés, os habitantes souberam conciliar os seus interesses, superar as suas divergências e apresentar uma frente unida contra todas as inciativas anti-ZAD da multinacional VINCI, das forças vivas locais, dos juízes e das autoridades. Uma comunidade de luta foi se consolidando, apoiada por numerosos comitês dispersos por toda a geografia francesa. De uma outra maneira, ao longo dos anos, a solidariedade mostrou-se decisiva nos momentos cruciais, ocasionando imponentes mobilizações e, nesta persistência obrigou-se o Estado a retroceder. A ZAD ganhou. A ocupação mais extensa e duradora na Europa se deu bem.
A luta contra o projeto acresce a um novo cenário: trata-se agora de conservar e ampliar a herança da luta, desenvolver infraestruturas alternativas, autogestionar um território libertado. O fundamental é isto: manter e reforçar os organismos de autogoverno, evitar armadilhas institucionais e resistir às pressões da economia de mercado. Em poucas palavras, forçar vínculos, estabelecer laços morais de compromisso, cooperação e apoio mútuo. O que os sociólogos chamam de tecido social. A luta deixou de ser principalmente defensiva, para se converter numa ação construtiva baseada em relações em desenvolvimento. Fez-se bastante (redes de apoio, oficinas, hortas coletivas, cantinas, rádio, sementes…) mas fica ainda muito por fazer.
Trata-se também de evitar que a ZAD se degenere em um gueto marginal, ou que pereça por culpa de contradições internas. Uma “assembleia de usos” formou-se em dezembro de 2017 para mediar os conflitos internos derivados de práticas contrapostas. A mesma assembleia confeccionou uma lista de delegados que representam os distintos componentes de resistência para se reunir com os emissários do Estado. Os delegados não podem tomar decisões, limitam-se apenas a expor o mandato da assembleia (um documento que conta em seis pontos). A assembleia é que decide. Se pede, por exemplo, a anistia para os ameaçados de expropriação ou expulsão por defender o “bocage”, a permanência sem entraves dos ocupantes instalados para participar na luta e no congelamento da compra e venda de terras durante três anos pelo menos, para evitar uma privatização que iria contra a experiência coletiva. Tudo para construir um futuro sem aeroporto a partir de uma convivência respeitosa com a diversidade de pareceres.
Os zadistas não se empenham demasiado em negociar; sabem que nadam contra a corrente e que o melhor é manter o inimigo à distância, aliviar a pressão para planejar novas formas de convivência sobre o terreno mais sólido. Não ignoram que as mobilizações não tenham terminado, que os problemas entre os ocupas continuam ali, como por exemplo, o assunto da criação de uma entidade legal que represente o movimento; enfim, que o equilíbrio interno é frágil e a determinação do inimigo, poderosa. Em contrapartida, o que ninguém poderá tirar é esta demonstração que se pode fazer frente a condições adversas; de que se pode concentrar suficientes forças para resistir e reverter o percurso das coisas; em suma, não se perde tempo lutando, e que às vezes, até se ganha.
Viva o triunfo da ZAD!
Por uma sociedade livre e autogestionada!
Miguel Amorós
Sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018.
Tradução > Rosa e Canela
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tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!
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