por Alberto Gayo | 9 de maio de 2018
Estamos sempre em 1968. E quando chega maio, muito mais. O quinquagésimo aniversário da revolta parisiana que não foi só em maio, que não foi só em Paris, que não foi apenas uma revolta – e é sempre reconfortante para passar um tempo lendo histórias das batalhas, revisões da realidade e teorias sobre o que aconteceu com aqueles estudantes e trabalhadores. Dos especiais e livros que folheie sobre o ano em que nasci, o mais curioso, como distinto, é “Esplendor en la noche. Vivencias de mayo 1968” (La Linterna Sorda ediciones), uma colagem emocional que exala aromas libertários e situacionistas e defende a presença das mulheres na subversão. “As mulheres em 1968 participaram das barricadas, lutaram nelas, ocuparam fábricas… e foram ignoradas. Dizem que o mês de maio de 68 não era feminista porque não havia líderes femininas. Isso é besteira. A importância daqueles dias foi à crítica da autoridade, às pequenas elites que queriam liderar os outros. Ali o coletivo foi reivindicado, o anonimato. “Não mais líderes, me basto sozinha” foi um dos lemas”. Ana Muiña, historiadora, escritora e editora, compartilhou com Agustín Villalba a edição desta homenagem aos perdedores da revolução, que também envolveu Tomás Ibáñez (Zaragoza 1944), filho de uma família anarquista que foi para o exílio na França em 1947 e durante a década dos 60 participou ativamente na luta anti-franquista e no movimento libertário francês. Após os eventos de maio de 1968, Ibáñez foi banido de Paris e “designado para vigilância” em uma remota região gaulesa.
Ontem, no Teatro do Bairro, em Madrid, o velho anarquista explicou que o famoso estalido surgiu contra “o tipo de vida cinza e vazia que estávamos condenados a viver. Que tal ‘Metro, curro y lecho. No a la rutina’ era uma canção de liberdade, uma revolta radical contra a autoridade, uma explosão criativa, sem experiência política, mas com inspiração libertária que encerrou o modo leninista de entender a revolução. Aconteceu, funcionou ao acaso e foi preenchido ao longo do caminho. O poder não estava na agenda de 68. Os comitês de ação em bairros, sindicatos e universidades não tinham tutela alguma”. Meio século depois, o ‘Metro, curro y lecho’ praticamente não mudou, mas agora é por 900 euros e com telefones celulares como barricada.
Naquela revolução do desejo, e não da necessidade, havia muitas mulheres. Em “Esplendor em la noche” se publica um texto inédito em castelhano de Ariane Gransac, ativista que participou dos motins, que resume alguns dos debates que as feministas libertárias realizaram a partir de 68, onde questionavam o conceito ‘mulher‘; e um trecho de uma carta linda da então adolescente Claire Auzias, nascida em Lyon em 1951, como estudante do ensino médio que participou no Comitê de Ação Estudantil 22 de Março (CAL-22Mars) em 1968. Esta anarcofeminista mantém viva, ainda hoje, a memória daqueles dias.
Vou me fixar um pouco mais no capítulo que Lola Iturbe assina. LaLinterna Sorda recuperou um texto da jornalista e ativista anarquista que publicou em novembro de 1968. Iturbe quase desde criança trabalhou como empregada doméstica em Barcelona, foi costureira com 9 anos e se juntou ao sindicato da CNT aos 14. Depois, montou com a mãe uma pensão na capital catalã, através da qual passavam todos os tipos de obreiros conscientes e agitadores sociais. Foi uma das fundadoras do movimento Mujeres Libres, participou na organização do Casal de la Dona Treballadora onde tiveram lugar os conhecidos ‘liberatórios da prostituição’, uma das primeiras experiências de luta contra a exploração e o tráfico de mulheres. Durante a guerra, ela foi correspondente na frente de Aragón para o jornal “Tierra y Libertad”. Em 1939, foi para o exílio na França, lutou na resistência contra os nazistas e depois contra o regime de Franco. Morreu em Gijón em 1990.
Iturbe viveu o maio parisiense com 65 anos e sua visão refletida no texto ‘O Maio de 1968‘ tornam-se cartões postais confiáveis do que aconteceu. Começa desenhando uma multidão na avenida Saint-Germain. “Havia muitas mulheres jovens entre aquelas folhas humanas, algumas vestidas em minissaias e outras usando jeans. Nelas e neles se mostrava uma negligência natural ou afetada no vestir; em outros, o mais completo ‘negligé’ (desalinho).” O tráfego interrompido, os transeuntes param para ouvir as tiradas “peludas”. O paralelepípedo que havia sido arrancado para ser usado como projéteis e barricadas foi consertado. Ao longo do Bairro Latino havia vestígios de furacão revolucionário, a noite das barricadas de 10 de Maio, quando os enfrentamentos provocaram incêndios, espancamentos, centenas de detenções e mais de 800 feridos. Lola Iturbe se aproxima da Sorbonne, uma universidade ocupada por estudantes. Meninos e meninas oferecem na porta os jornais propagandísticos:‘L’enragé’, ‘Le Pavé‘, ‘Action‘… Na grande sala com estátuas e decoração antiga há uma bandeira com fundo preto e letras vermelhas, CNT-AIT. Nas paredes, pasquins, e a Mona Lisa com o rosto do ministro André Malraux. Um tremendo grito e alguns jovens distribuindo folhas “que colocam Mao sobre as nuvens“. No anfiteatro Richelieu, muitas mulheres se reúnem, com seus filhos, assistindo aos discursos. A instituição universitária que Lola observa é um foco de ideias em movimento, havia trotskistas, maoístas, leninistas, guevaristas, anarquistas… O local também exigia um serviço de limpeza. Um cartaz recomenda fazer amor ali mesmo no chão, sem avançar. Lola sorri.
Quando ela saiu, viu como as tampas das latas de lixo estavam empilhadas no chão. Elas serviram como escudos para confrontos com a polícia. Não muito longe, encontraram outro local que funcionava como hospital para curar os manifestantes. O Teatro Odeon, também ocupado. Lola Iturbe se detém para refletir. A paixão e a fraseologia enfurecida lembraram-na da luta antifascista de 36. “Um aspecto da ocupação me produziu admiração e emoção sincera. Vendo jovens, especialmente mulheres, desligadas das futilidades e frivolidades da vida cotidiana, lutando com determinação e entusiasmo em defesa de uma causa social e política que exigia delas muitos sacrifícios de todos os tipos“. “Quando esses meninos comem e dormem?”, Pergunta ela. Entre as lições que Iturbe reteve destaca “a força que confere a forte união de trabalhadores, técnicos, intelectuais e camponeses (…) para desorganizar a máquina estatal“. Estamos falando de 10 milhões de trabalhadores em greve, fábricas e universidades ocupadas, tumultos em todos os lugares.
Mas Lola Iturbe não acredita que esta foi uma revolução, “foi uma tempestade que tinha agitado a juventude do mundo não-comunista, uma juventude que se debate em pressões de várias ideologias que buscam seu norte ou esperança na melhoria das condições atuais de vida“.
Fonte: https://albertogayo.blog/2018/05/09/no-a-la-rutina-el-canto-libertario-del-68/
Tradução > Liberto
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!