por Sara Montero | 28/05/2018
A historiadora Laura Vicente situa seu último livro no século XX, mas todos os elementos que aparecem em seu título tem eco na atualidade: “Mulher contra mulher na Catalunha insurgente” (Comuniter, 2018). A pesquisadora esmiúça a alma revolucionária de Barcelona pela mão de Teresa Claramunt, sem esquecer da outra parte, a burguesa, à qual põe carne e osso Rafaela Torrents. É a necessidade de compreender a que faz com que Vicente explore estas duas personalidades tão diferentes. Só uma condição comum: ambas são mulheres com ambição em um mundo de homens.
Que ninguém espere nem uma referência ao independentismo no livro. A rebeldia desta Catalunha à qual se refere Vicente é a dos obreiros contra a burguesia ou a das mulheres contra a sociedade opressora que pretendia sufocar suas aspirações. Na identidade pesava muito a classe social. De fundo, uma Barcelona com duas almas, que toma corpo através das minuciosas descrições. A burguesa da folga e dos balneários, e a proletária, cuja existência se aglomerava no bairro do Raval.
Apesar de que Vicente é uma boa conhecedora do pensamento libertário, o perfil da anarquista Teresa Claramunt tem que compartilhar protagonismo nestas páginas com a Marquesa de Villanueva e a Geltrú, Rafaela Torrents. “Havia estudado a Claramunt e me propus também ver desde o outro lado, o da burguesia. Quase ninguém conhecia a Torrents, mas vi sua correspondência e me conectei. Ela também buscou, a sua maneira, sua autonomia pessoal e não seguiu o papel marcado pela sociedade”, explica sua autora.
Vicente parte de uma premissa que ainda é difícil de entender. As mulheres não são um coletivo, são a metade do mundo. “O universal ‘mulher’ não existe. Todas as mulheres podem sofrer o estereótipo”, explica a historiadora. Esta ideia fez com que a pesquisadora pusesse o foco na subversiva Claramunt, mas também na burguesa Torrents, que usou suas próprias estratégias para escalar na sociedade na qual vivia: “Rafaela estava protegida por uma boa vida. Não tinha que arriscar tanto como Claramunt. Ela não questionava a sociedade, senão que buscou uma estratégia moderada, conservadora como ela. Se aproximava dos homens e movia os fios na política e nos negócios”.
Aproveitando a biografia destas duas mulheres, Vicente repassa a geografia dessa Barcelona insubmissa, detendo-se em alguns de seus lugares. De fato, o livro começa com o atentado do Liceo, um espaço de recreio para a exultante burguesia, onde estouraram duas bombas em 7 de novembro de 1893, lançadas pelo anarquista Santiago Salvador Franch. Este acontecimento agitou os mundos destas duas mulheres que, provavelmente, nunca chegaram a cruzar-se. As próprias circunstâncias econômicas as situavam em duas classes sociais conflitantes. Claramunt começou a trabalhar na indústria têxtil aos 10 anos para dar de comer a sua família, enquanto a Torrents desfruta de uma vida acomodada fruto dos negócios da Cuba escravizada.
Claramunt foi detida após a repressão que se seguiu ao atentado e voltaria a sê-lo várias vezes mais, sempre sob suspeita por sua atividade libertária. Foi uma mulher coerente com suas ideias, uma atitude difícil que exige renúncias. As penúrias econômicas e seu intenso ativismo marcaram sua existência. Também a maternidade, que foi a única circunstância que pode afastar Claramunt de suas tarefas obreiristas. Após várias tentativas, só sua Proletaria Libre conseguiu sobreviver e o fez por pouco tempo.
Claramunt já praticava a ‘sororidade’, essa palavra tão na moda, em finais do século XIX. “Por sua juventude, para Teresa foi importante a confiança gerada pelo grupo de mulheres (Narcisa Casanovas, Gerudris Fau, Federación López Montenegro, entre outras) com as quais colaborou para criar a “Sección Varia de Trabajadoras Anarco-Colectivistas de Sabadell” em 1884”, relata Vicente no citado livro. Também no pessoal destaca a importância de sua “irmã Purificación e suas amigas Saperas e Cayetana Griñón”. Para Torrents também foi de vital importância sua irmã Ramona.
O matrimônio marcou a ambas. Torrents se casou com o indiano Josep Samà, que a deixou viúva e rica poucos anos depois. Isto lhe permitiu mover-se com folga e dedicar-se à carreira política para posicionar seu filho Salvador. Mas se algo saiu da linha foi sua relação com o político liberal Víctor Balaguer, com quem teve uma estreita amizade que também se reflete nas cartas. Nas epístolas, Torrents busca influir em suas decisões.
Vicente visibiliza em seu relato conexões que a miúdo passam desapercebidas e que põem nome e sobrenomes ao refrão tão banal de que “por trás de um grande homem há uma grande mulher”. “Era muito habitual que os homens, maridos e filhos, utilizassem a mediação das mulheres para pedir favores, pois a influência de políticos destacados era chave em um sistema que não escondia o trato de favor que se praticava, desde o poder, para conseguir os empregos e outros favores para seus clientes e amigos políticos. Ela aprendeu e chegou a ser amiga de Balaguer e, através do afeto, conseguiu influência e favores”.
“Em Barcelona ainda fica muito de Claramunt. Suas ideias seguem sendo atuais. Ainda que era uma obreira, não uma intelectual, ela questionava de maneira claríssima o que hoje ainda custa”, explica Vicente sobre a independência desta anarquista, que foi coerente com suas ideias.
Duas mulheres, dois modelos da luta por fazer-se um rombo em uma sociedade patriarcal, machista e que deixava as mulheres em um segundo plano. Vicente se propõe revisar a história desenterrando nomes mas também prejuízos. Comecemos.
Fonte: https://www.cuartopoder.es/cultura/2018/05/28/la-barcelona-insurrecta-tiene-nombre-de-mujer/
Tradução > Sol de Abril
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