por José Maria Barroso Tristán e Jefferson Virgílio | 26/06/2018
Apresentamos uma entrevista com Ricardo Liper, professor na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, sendo grande conhecedor de Michel Foucault e suas teorias. Além de docente, Ricardo tem uma longa trajetória como ativista social dentro do mundo libertário. Durante a ditadura militar brasileira foi um dos criadores do jornal “O Inimigo do Rei” na qual discutiam desde um olhar anarquista sobres as questões sociais e laborais mais relevantes naquela época sombria. Hoje podemos dialogar com ele sobre diversos temas.
Iberoamérica Social: Professor, havíamos pensado em iniciarmos com os seus contatos iniciais com o pensamento anárquico e como isso pode aparecer na sua biografia pessoal e acadêmica. Poderíamos começar assim? Sinta-se livre para dissertar sobre.
Ricardo Liper: Descobri a filosofia política libertária por acaso. Eu, desde adolescente, sempre lia muita ficção e filosofia. Li Marx, Sartre, Camus e alguns outros. Não ficava satisfeito. Achava que, principalmente em Marx, via a possibilidade de se formar uma nova ditadura econômica e política ao colocar sob partido único todos os meios de produção em um Estado ditatorial. Iria levar, não a uma ditadura do proletário, mas uma ditadura de uma nova elite do partido comunista. Na minha visão surgiria uma nova classe social que iria ter os melhores salários e, na realidade, mandaria também nos meios de produção. Então compreendi que o revolucionário de hoje será o burguês ditador de amanhã.
E isso ocorreu em todos os países que implantaram esse tipo de administração ditatorial após uma revolução. E, no meu entender, foi essa espinha dorsal que fez cair todos os países que foram comunistas. Li também sobre essa análise de poder e socialismo gerando uma nova classe dominadora A Nova Classe, de Milovan Djilas. Também confirmei este ponto de vista com a crítica de George Orwell em A Revolução dos Bichos. E então, ainda muito jovem, entrei em uma livraria e vi por acaso um livro: Anarquismo de Daniel Guerin.
E depois pude perceber que não se liberta a todos tomando o poder. O poder é que nos toma. Ele faz, quem o tomou, seu escravo. Tem de ser o seu servo, mesmo sem perceber, para manter com violência, os seus privilégios e o gosto de mandar em todos. Portanto: quem toma o poder, em qualquer organização ou país, vira objeto e escravo do poder. Por isso que grande parte dos libertários não querem tomar o poder, fazer partidos, mas sim, com seus ateneus libertários mudar opiniões para mudar mentalidades e assim, ir pacificamente, mudando o mundo. Foucault chamou a atenção da importância de lutas específicas, para a libertação, no aqui e agora. E que libertaram e estão libertando as mulheres dominadas pelos homens, eliminaram as palmatórias nas escolas e assim terminar as dominações das crianças, alunos, etnias. E ter como meta, fazer as rendas de todos ser iguais. Portanto ser internacionalmente uma grande frente ampla de lutas formando opiniões para mundo sem tomar o poder.
Pacificamente, porque é politicamente mais eficiente e, assim sendo, como disse Daniel Guerin: O futuro pertence ao socialismo libertário. Os libertários são os maiores formadores de opinião. Sua arma e sua força estão em ser formadores de opinião mostrando que a liberdade para todos em todas a relações humanas é a melhor maneira de se viver. E isto estamos vendo na maioria dos países mais organizados e evoluídos. A partir daí fiz uma pesquisa, que ainda contínuo, do pensamento libertário. Inclusive sobre as relações de poder de Foucault e, também, o cuidado de si, analisado por ele como a libertação epistemológica do sujeito sujeitado.
IS: Após esta breve apresentação nós gostaríamos de perguntar se você pode comentar sobre a carga de valor negativa que é frequentemente carregada para o termo anarquia e para os anarquistas, e sobre a importância e a dificuldade em revisar estas percepções.
RL: Vocês têm razão. Pode meter medo a alguns falar de anarquia como uma organização. Pode criar um certo desconforto em muitos que nos perguntam, desconfiados, se é possível nessas sociedades modernas, que eles acham muito complexas, poder funcionar sem governo e sem Estado.
O que está errado não é o nome anarquismo. É a anarcofobia. O medo de ser livre. E isso é que os anarquistas devem focar e estudar. O medo da liberdade é uma síndrome que gera pavor não só do anarquismo, mas de toda liberdade de si e dos outros porque sofre de uma patologia que é a anarcofobia. Em geral os anarcofóbicos gostam muito de sonhar ou lembrar de um fascismo, governos totalitários ou mesmo até nazismo. A utopia deles são essas. Só se sentem tranquilos em ditaduras e substituindo um pai dominador por um grande pai que é o ditador. E isso é bajulado, permitindo fazer o que a maioria dos seres humanos gostam: viver sem trabalhar, explorando os outros e ficando milionários. E o lado sádico, que faz parte dessa patologia, é ver o outro supliciado pelo paizão ditador e isso lhe causa prazer. E mesmo mudando o nome, como já fizemos com o termo libertário, não adianta achar que o anarquismo decepciona as pessoas porque é apresentado com esse nome. O que ocorre é uma patologia que, mesmo em uma democracia, eles manteriam o medo da liberdade de si e dos outros, que os levam a uma paixão por uma ditadura.
Os anarcofóbicos não esperam que se diga como vamos organizar e fazer surgir uma sociedade libertária. Ou seja, o resultado da metodologia e a epistemologia anarquista que são uma análise e uma crítica do poder. Entende-se por epistemologia que é o estudo do conhecimento, da ciência e das filosofias. Ela “estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento.” É uma crítica filosófica a toda forma de conhecimento, inclusive todas as ciências. O que os anarquistas fazem é uma epistemologia do poder. A crítica anarquista ao poder é que gera uma forma de mudar do autoritarismo para um formato especializado em liberdade. E a metodologia é a ação direta, quer dizer, sem partidos e sem querer tomar o poder. E resgatar o apoio mútuo que as sociedades autoritárias criaram como um individualismo para, separando as pessoas, não se associarem livremente e assim melhor dominar a todos.
Isto é o que é importante, e o nome anarquismo, se devidamente entendido, vai então, em pessoas saudáveis e não anarcofóbicas, deixará de ser uma dificuldade política. O que elas querem é que o anarquismo tenha um partido, tome o poder e faça uma ditadura e depois voltar ao fascismo ou uma democracia disfarçada de libertária, mas totalitária. Mas isso é impossível porque o anarquismo não tem partidos e não quer o poder. A sua metodologia e epistemologia, que é a crítica ao conhecimento, e que neste caso é o poder, são outras.
E por isso o anarquismo é confiável, está sempre florescendo e nunca desapareceu. Ele visa, mudando opiniões, contra injustiças e, descentralizado, sem líderes carismáticos, porque assim age em movimentos sociais e políticos específicos, com vários nomes, feminismo, lutas contra o racismo, as censuras as artes, filosofias e pontos de vista, liberdade sexuais para todos etc. e assim, como estamos vendo, mudando o mundo sem ter que tomar o poder. E a história tem mostrado a eficiência disto.
E, portanto, se aprofundarmos o que significa anarquismo historicamente falando, temos visto que os milhares de ismos desapareceram, mas em nenhum momento os anarquistas sumiram, pois eles continuam a existir em quase todos os países do mundo. O anarquismo nem cria candidatos ao poder, nem faz revoluções para tomá-lo. Ele sempre esteve, no diálogo e na ação direta, criando, no aqui e agora, maneiras de viver libertário. E então, mudando opiniões, mostrando a obviedade da liberdade, em todas as instâncias para todos e, assim criando, cada vez mais democracias plenas e libertárias.
>> Para ler a entrevista na íntegra, clique aqui:
https://iberoamericasocial.com/do-anarquismo-teorico-as-praticas-libertarias/
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