ou porque a cadeia de alguns não é a liberdade de todas nós
A violência que vivemos todos os dias pode ser direta, mas também simbólica e estrutural. A violência institucional e seu comprometimento são evidentes em casos recentes, como o caso midiático de La Manada [o caso de estupro coletivo de uma jovem de 18 anos durante as festas de San Fermin, em Pamplona]. Apesar de denunciar o viés androcêntrico, e até mesmo misógino de muitos dos julgamentos, o feminismo não pede mais anos de prisão como uma solução para os nossos problemas, como prefigurado na maioria dos meios de comunicação, mas tenta colocar às claras como é escandaloso não considerar esses fatos como uma violação.
Não queremos reproduzir a dinâmica das estruturas hierárquicas de dominação com as quais nos submetem, gerando tantas desigualdades e, portanto, não acreditamos que o caminho judicial e penal seja a única alternativa para as mulheres. Além disso, no caso de mulheres migradas, ou com outros tipos de dificuldades ou situações, o acesso à justiça pode representar um problema em sua situação administrativa.
A construção de problemas sociais em uma chave delitiva impede que o Estado seja responsabilizado pelas consequências de suas políticas e facilita seu uso eleitoral para o combate à insegurança. O populismo punitivo é uma fórmula política e criminal conservadora que surgiu do neoliberalismo e seu aplauso vem em grande parte da percepção distorcida do funcionamento social do sistema prisional e sua relação imaginária com a segurança nas ruas, explorando as inseguranças da coletividade. Um exemplo disso é o recente uso de assassinatos de menores por meio de um discurso populista de defesa da prisão permanente revisável. Hoje, o estupro de mulheres entra na estratégia de marketing. Nos preocupa o fato de que tanta ênfase é colocada em soluções de punição em vez de propostas educacionais, bem como na obsessão punitiva do feminismo institucional.
“Adotar o encarceramento como estratégia é evitar pensar em outras formas de responsabilização”, diz Angela Davis. Violência sexista, problemas sociais, são problemas coletivos e, como tal, devem ser tratados. Eliminando a ponta visível do iceberg em vez intervir abrangendo toda a estrutura que é o Patriarcado ignoramos que há todo um sistema social que mantém e gera, e inclusive se nutre dessas violências e dá por eliminado o problema. O heteropatriarcado funciona porque parece ser o estado natural das coisas e apontando certos indivíduos como “seres estranhos” ou “não-pessoas” que nos liberam enquanto sociedade de qualquer responsabilidade coletiva e turva a necessidade de revisão para cada pessoa socializada como um homem.
São soluções fáceis e rápidas para fenômenos complexos, que despolitizam os fatos e elimina do discurso o conceito de “opressão estrutural”, pouco contribuindo para a transformação social em favor do controle social. Mª Luisa Maqueda critica este discurso paternalista afirmando que “A ‘colonização legal’ priva-nos de controlar as nossas necessidades e a autonomia das nossas decisões”.
Acreditamos em um feminismo para deixar de socializar como vítimas e pôr em prática o apoio mútuo entre iguais e a autodefesa. Sentimos falta de uma estrutura auto-organizada que responda à violência recebida, mas, ao mesmo tempo e sem querer, geramos outro atropelo: investimos grande parte do nosso tempo em não morrer. O que nós queremos é viver.
Valladolid, junho de 2018.
Grupo Anarquista Cencellada
Tradução > Liberto
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