Amassando, estuda com padeiros, poetas e comensais o diálogo entre palavra, matéria e construção coletiva.
por Mariano Mayer | 16/07/2018
Onde e quando começa uma exposição? A de Julieta García Vázquez não começou a descer pelo saguão do Palais de Tokyo (Paris) e ingressar no espaço de exposição convertido na sala de modelar e forno onde ocorre a União dos Poetas e Padeiros, mas no metrô que me levou até lá.
Este início inesperado é a soma do reconhecimento de uma massa mãe e da instantaneidade comunicacional, capaz de relatar que o menino que vi ao ingressar no vagão transportava entre as pernas uma tigela de punhado de massa em uma tarde tórrida de verão parisiense era Francois Mssonnet, um dos padeiros que participa deste projeto coletivo.
Desde o último 22 de junho, a argentina García Vázquez com um grupo de padeiros franceses e poetas de diferentes nacionalidades que vivem em Paris (Maxime Bussy, Dado Amaral, Elsa Bernot, Guillaume Contre, John Dewitt, Marie Frampier, Fabrice Gallis, Ulysse Lauras, La Conquête Du pain – uma padaria orgânica e anarquista – Gloria Maso, Paviania, Curtis Pultrak, Liv Schulman, Marion Vaseur Raluy e Gaultier Vexlard) propuseram pensar a relação entre matéria e palavras.
Fazem recordação a greve dos padeiros realizada na Argentina em 1888, organizada pela Sociedade de Resistência dos Trabalhadores Padeiros, o primeiro sindicato moderno do país, para o qual o anarquista Errico Malatesta elaborou um estatuto que apelou para “alcançar a melhoria intelectual, moral e física dos trabalhadores e sua emancipação das garras do capitalismo”.
Durante os dez dias da greve, os padeiros inventaram receitas e pães em uma chave de provocação contra a polícia, a Igreja e o exército. Daqueles dias vêm os canhões, as bombas, as bolas de frade ou ‘livrinhos’¹ que encontramos nas padarias.
A partir desta pista, cuja “ligação entre palavra e comida parece ter sido costurada com linha de costura ideológica”, nas palavras do sociólogo Christian Ferrer, a cada semana os membros desta comunidade abordam questões relacionadas com processos técnicos e químicos da panificação, à imaterialidade de certas práticas criativas e à noção de linguagem como construtora da realidade. Tudo com um objetivo: inventar pães diferentes coletivamente. Como “o pão fiado” que François me contou no metrô.
Esse conceito não é novo desde que foi desenvolvido pelos italianos nos anos do pós-guerra. Quando as pessoas foram para um bar e pagavam por um café fiado, esta foi a oportunidade de “comprar” um café para alguém que não tinha dinheiro e ao estar pago quando alguém pedia um fiado o garçom servia-o e o apagava do quadro negro que o anunciava. Agora o grupo pergunta como introduzir essa lógica de trocas através do pão. O desejo de fazer escrever uma prática material e da massa um organismo afetivo está relacionado ao processo de amassar em si mesmo. Ao amassar estamos esticando e contraindo a molécula de glúten responsável pelo formato da estrutura, ao fazê-lo permitimos a entrada de ar na massa para realizar a fermentação. Mas o ar que entra preserva informações sobre o espaço onde a ação foi gerada, razão pela qual o artista diz “o ar é o contexto”.
A primeira ação do projeto consistiu em misturar as diferentes massas desenvolvidas por cada um dos padeiros, com o intuito de estabelecer uma simbiose entre as diferentes colônias de bactérias. A partir das estruturas que a arte contribui para criar um material comestível e não um objeto artístico nos permite refletir sobre a digestão, uma das fases de transformação da matéria alimentar. Os regulamentos sanitários proíbem que alimentos que não estejam em conformidade com o protocolo regulatório possam ser oferecidos e consumidos dentro de uma instituição. Longe de parar o sistema de trocas, esse fato os multiplicou. O pão que o grupo produz é distribuído por diferentes pontos da cidade e vendido nas padarias que cada um dos cinco padeiros possui. Assim, este aglomerado afetivo e mensagem camuflada entra no cotidiano para continuar seu processo de transformação, iniciado com a dinâmica inventada pela União de Poetas e Padeiros.
Enfrentar o ato criativo nas margens de suas formas reconhecíveis permite ao artista não ser obrigado a satisfazer a demanda que objetiza. No entanto, são as formas organizacionais e conectadas de linguagem artística que permitem explorar outras formas de colaboração e desenvolver uma plataforma multidisciplinar para entender, mas também para intervir na sociedade. Colocar em termos primeiros a produção, em uma área onde diferentes disciplinas emergem, destaca o interesse de Julieta García Vázquez por explorar a capacidade de ação da arte pública e maneiras de superar seus limites institucionais, retornando aos visitantes a sensação das experiências em comum. Esta área de ação coletiva nos permite pensar sobre a expansão do ato criativo e a imaginação poética como uma forma de transformação e resistência, a capacidade de repor um tecido social tão afetivo como solidário.
García Vázquez: como regenerar vínculos
Buenos Aires, 1978. Ela estudou na Escola de Fotografia Andy Goldstein e fez um intercâmbio de um ano na Parson School of Design, em Nova York. Realizou projetos com a Casa del Bicentenario, com o Van Abbemuseum na Holanda (de 2012 a 2016) e com o Museu Nacional de Belas Artes (2014). É um membro fundador do coletivo de artistas Rosa Chancho. Seu trabalho investiga possíveis sistemas de reconstrução, preservação e regeneração social, através de modelos colaborativos.
Fonte: https://www.clarin.com/cultura/argentina-convirtio-pan-arte-museo-paris_0_B1nlq5qmQ.html
>> Nota:
[1] Todas essas receitas são tipicamente argentinas e fazem parte do cotidiano da população.
Tradução > Liberto
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