Cinquenta anos atrás, o ativista político e anarquista Abbie Hoffman, um cofundador dos Yippies, foi preso na Convenção Nacional Democrata de 1968, em Chicago. Na companhia de outros membros do assim chamado Oito de Chicago – o qual, seguindo a separação de um dos processos, mais tarde veio a se tornar o Sete de Chicago –, Hoffman foi acusado de conspiração e incitação à revolta.
Mas o que é mais fascinante na história da comédia de Chicago é o que aconteceu em 1969, o ano em que os acontecimentos de agosto de 1968 foram levados a julgamento, e Hoffman e seus supostos parceiros de conspiração estiveram presentes no tribunal do juiz Julius J. Hoffman – Abbie Hoffman gostava de chamá-lo de “Julie” – como parte de um julgamento que se arrastaria por mais de quatro meses.
De dia, Abbie estava no tribunal. De noite, ele frequentemente aparecia no Second City. Seu personagem favorito: Juiz Julie. Seu veredito favorito de si mesmo? Culpado.
Naquela época, quase todos do Second City estavam convencidos de que eram usados pelo esperto e dissimulado Hoffman como parte de um álibi.
Mas antes, vamos ao contexto.
O ano de 1968 tinha sido muito estranho no Second City de Chicago. Fundado por nerds intelectuais e caretas da Universidade de Chicago, não foi nada fácil para a companhia de comédia se ajustar às mudanças que aconteciam nas ruas, do lado de fora de suas portas.
Mas uma nova chegada naquele ano foi a de Harold Ramis: sua carreira marcante no teatro de comédia tinha sido iniciada por Richard Christiansen, antes atuante no Tribune, e então um crítico do Chicago Daily News, que apresentou o jovem escritor da Playboy para seu amigo Michael Miller, então diretor no Second City. Essa audição levou à entrada de Ramis na companhia de turnês, a qual se apresentava em Chicago às noites de segunda-feira, e se orgulhava de ter piadas mais ousadas e cabelos mais compridos que a trupe do palco principal. “O material era mais sobre política radical e drogas e coisas de hippie”, foi isso que Ramis explicou ao ex-jornalista do Chicago Sun-Times, Mike Thomas, muitos anos depois.
Uma vez que os manifestantes de 1968 eram expulsos do Lincoln Park todas as noites por volta das onze horas durante a Convenção Democrata, eles costumavam descer a North Avenue em direção ao Second City, e então os atores podiam ver os confrontos entre manifestantes e a polícia na frente da farmácia Walgreens que ficava do outro lado da rua. Em muitos casos, a polícia chegava a pensar que os atores do Second City eram, na verdade, manifestantes, mesmo que muitos deles estivessem de terno e gravata.
Logo após a Convenção Democrata de 1968, o Second City estreou um novo show.
Embora o elenco fosse experiente nas maneiras antigas, a peça “A Plague on Both Your Houses” tentava refletir aquilo que estava acontecendo na cidade. Na primeira cena (que é retomada em um livro de 2001 de Amy E. Seham), um policial de Chicago era visto espancando um manifestante.
“Espere”, disse a vítima, “eu sou repórter”.
O oficial parou o espancamento, sacou uma arma e atirou no repórter.
O livro do historiador do improviso Jeffrey Sweet, “Something Wonderful Right Away”, descreve a reação da plateia ao show de 1968 e sua música-tema como “singularmente intensas”. “A plateia inteira se levantou, com lágrimas nos olhos”, Sweet cita J.J Barry quando se recorda, “e seus braços se levantaram formando o símbolo da paz. Foi como uma renovação, cara”!
Mas dentro do Second City a peça começou a ser encarada como algo muito enraivecido para ser engraçado. A peça seguinte recuou para um lugar mais seguro.
Ramis também contou a Sheldon Patinkin – quem, como Sweet, escreveu um livro sobre o Second City – que todo tipo de problema aconteceu com a companhia de turnê aquele ano, uma companhia para a qual Bernie Sahlins, cofundador do Second City, tinha agendado um show no West Point, onde o material relacionado a cabelos compridos não caiu muito bem. E em um show em Louisville, Kentucky, conforme Ramis contou a Patinkin, não somente o show foi recebido em um silêncio sepulcral, como alguém jogou um vidro na direção dos atores, que conseguiram desviar do objeto antes que ele se estilhaçasse. Ramis disse a Patinkin que a companhia reescreveu o show fracassado em pânico, usando algumas piadas que eles tinham ouvido na mansão da Playboy, chegando a escrever uma música country, “If I’d a Known She Was Dead, I’d Never Have Asked Her to Dance”.
Aquilo, eles pensaram, seria seguro.
Mas no outono de 1969, Sahlins, que dirigia a companhia, decidiu realocar todo o elenco do palco principal para Nova York (essa era uma de suas maneiras preferidas de dar uma mexida nas coisas). Ramis e seus jovens companheiros de turnê se tornaram, em suma, os substitutos. Eles tinham cabelos compridos, usavam calças boca de sino, preferiam conteúdos políticos e chamavam seu show de “Next Generation” (Próxima Geração). Eles eram uma afronta ao sistema. Uma crítica opinou que, se essa fosse a próxima geração, era melhor ter a geração antiga de volta.
Era o fim do uniforme do antigo Second City, de gravatas finas para homens e vestidos pretos para mulheres. Era uma mudança de paradigma. Por outro lado, o elenco frequentemente se divertia com as coelhinhas da mansão da Playboy de Hugh Hefner, acompanhado do elenco nu de “Hair”, que estava em cartaz no centro de Chicago. Eram tempos complicados.
Naquela época, Hoffman estava em julgamento, em Chicago.
Ele não era estranho à performance, é claro. Em um artigo que saiu ano passado, ninguém menos que a revista do Smithsonian declarou que Hoffman foi o criador do teatro de guerrilha de improviso, termo que pode ser definido como o casamento do humor absurdo com a ruptura, a fim de firmar um ponto de vista político. Em 1967, Hoffman apareceu na Bolsa de Valores de Nova York, jogou uma chuva de dinheiro do alto do prédio e pôs fogo em uma nota de cinco dólares. Nos protestos da Convenção de 1968, ele propôs que um porco assumisse a presidência. E mesmo em 1969, quando esteve face a face com a prisão, ele se mostrava determinado a fazer piada do julgamento do Sete de Chicago, aparecendo vestindo toga e depois a pisoteando. A coisa foi tão longe que ele conseguiu uma menção por desacato ao tribunal, adicionada à sua ficha legal.
Mas mesmo Hoffman certamente sabia que não seria bom para seu desfecho no tribunal se fosse visto pelas ruas de Chicago com o Weatherman, o grupo militante que veio a ser conhecido como o Weather Underground, que estava destruindo carros bem na frente do teatro. Assim, ele vinha ao Second City quase todas as noites, normalmente saindo da vista dos investigadores que ele pensava estarem na sua cola, e se mesclando na noite assim que chegava. Ele pode ter tido motivos para isso além de suas questões legais ou impulsos anarquistas. Uma das atrizes do elenco, Roberta Maguire, disse a Thomas que ela e Hoffman foram amantes, “por um tempo”.
Então, se você estivesse assistindo a comédia no Second City em 1969, enquanto Hoffman e os transtornos do longo e quente verão de 1968 de Chicago estavam em julgamento, você provavelmente estaria vendo um dos réus, frequentemente fazendo piada justo com o juiz que tinha o poder de mandá-lo para a cadeia. Como retomou o escritor Sam Wasson em seu livro de 2017, “Improv Nation”, “Hoffman realmente aparecia em um sketch sobre seu próprio julgamento em curso, fazendo o papel do juiz. Hoffman declarava o Next Generation culpado, todas as noites”.
Terá sido esse o maior momento de todos do Second Ciy? Houve vários grandes momentos ao longo dos anos. Muitas celebridades apareciam para fazer improviso, especialmente quando Oprah Winfrey estava na cidade. Uma noite, não muito tempo atrás, Paul Simon cantou uma versão a cappella de “The Sound of Silence”.
Mas se algum outro réu, da vida real, de um julgamento sensacional e politizado – a evidência em destaque de um dos mais tumultuosos verões da história de Chicago – algum dia fez aparições recorrentes e hilárias em um sketch sobre si mesmo, então ninguém nunca me contou.
Chris Jones é um crítico do Tribune
Tradução > breu
agência de notícias anarquistas-ana
Pedra no lago
reinventa as ondas
suspensas no tempo
António Barroso Cruz
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!