por Arvind Dilawar | 11/09/2018
Em agosto, quase um ano após o furacão Maria ter destruído a rede elétrica de Porto Rico e deixado seus 3,4 milhões de moradores na escuridão, oficiais da ilha anunciaram um acontecimento memorável: as luzes estavam de volta. A companhia elétrica estatal até tuitou a foto de uma família sorridente que diziam ser a última a ter recebido energia.
Mas Christine Nieves, uma ativista de Mariana, não comemorou. Ela e sua pequena comunidade serrana situada perto da costa sudeste já tinham recobrado a eletricidade – por conta própria. Cansada de esperar pelos incertos reparos do governo, ela trabalhou com um grupo de autointitulados ‘organizadores anarquistas’ do continente para instalar uma pequena rede de energia solar, um grupo entre a mais de uma dúzia de outros similares atuantes em todo o país. Quando os eletricistas chegaram, Mariana já estava dois meses à frente deles.
O levante que se formou por conta do segundo maior apagão da história mundial permite que se observe o cenário cívico e político de um lugar onde as instituições governamentais, imersas em falência e em um órgão de gestão federalmente indicado, fracassaram de uma maneira devastadora. Evidencia-se também uma dura realidade que perdura um ano após o furacão Maria: muitos porto-riquenhos ainda estão, de alguma forma, por conta própria. Por oito meses após a tempestade, moradores de Mariana viveram sem condições estáveis de eletricidade, refrigeração ou lavanderia. “As pessoas estavam em seu limite, psicológica e fisicamente”, declara Nieves.
Ela e seu parceiro/sua parceira fundaram o Proyecto de Apoyo Mutuo, para coordenar mutirões de limpeza, preparar refeições e verificar como estavam os locais depois da tempestade. A iniciativa chamou a atenção de um grupo do continente chamado Mutual Aid Disaster Relief(Ajuda mútua de assistência em catástrofes), cujos membros fundadores deram assistência em Nova Orleans após o furacão Katrina. Para Jimmy Dunson, cofundador da MADR, os esforços de Nieves ecoaram na ‘organização anarquista’ de seu próprio grupo – revolução com mais propósito que protesto. Os voluntários e voluntárias da MADR já estavam na Flórida, dando assistência após o furacão Irma, quando suas famílias e amigos alertaram sobre a grave situação em Porto Rico. Eles juntaram dinheiro a partir de seus próprios recursos e solicitaram doações para comprar purificadores de água, equipamento de energia solar e passagens aéreas para a ilha.
“Foi bastante surpreendente quando eles apareceram na nossa operação, e eles continuavam voltando”, diz Nieves. Juntas, as duas organizações distribuíram água e comida, providenciaram cuidados básicos de saúde, e instauraram um projeto crucial: a instalação de uma micro rede de energia solar em Mariana, um sistema elétrico autossustentável pertencente à comunidade e por ela administrado.
Trabalhando junto a construtores civis locais, eletricistas e até mesmo bombeiros, os voluntários e voluntárias supriram a carência de portos que estavam sem mão de obra e destruíram estradas para a passagem de um painel solar, um banco de baterias e um reservatório de armazenagem para proteger o equipamento de futuras tempestades. Custo total: $60.000, arrecadados por meio de doações. A rede elétrica agora provê energia para uma escola abandonada transformada em cozinha comunitária, lavanderia e escritório, onde os moradores podem carregar seus aparelhos e ferramentas eletrônicas. O sistema não alcança moradias individuais, mas seu design modular pode ser expandido ou transportado para onde haja maior necessidade.
Vinte milhas a noroeste, voluntários e voluntárias instalaram um sistema menor em Caguas, uma cidade localizada no coração da ilha. Apesar das tentativas de bloqueio policial, moradores locais ocuparam um prédio, transformado no Centro de Apoyo Mutuo. “Há mais de uma dúzia de centros de apoio mútuo em vários lugares de Porto Rico”, afirma Dunson, “e se arrecadarmos mais recursos, vamos trabalhar com cada um deles para instalar sistemas fotovoltaicos similares”.
Embora tenha havido pouco proselitismo em Mariana, pairam no ar ideias radicais. “Temos falado sobre autonomia”, diz Nieves, “e temos falado sobre auto-organização”. Ela usa o termo autogestão, o qual anarquistas têm defendido desde a época de Pierre-Joseph Proudhon, o filósofo francês do século XIX, primeiro a se declarar um anarquista. O movimento é apoiado pelas autoridades? “Essa pergunta pressupõe que o governo e a polícia locais estão envolvidos e ativos”, diz Nieves com uma risada.
Em outros lugares da ilha, a aplicação da lei foi recuada. Dunson descreve um incidente em outubro: chegando em diversos veículos, incluindo um carro blindado, a polícia conduziu uma batida noturna em uma igreja que a MADR estava usando como a base de operações em Guaynabo, um município a oeste de San Juan. De acordo com Dunson, os policiais afirmaram que estavam atendendo a um chamado de denúncia de sequestro e questionaram os voluntários e voluntárias sob a mira de armas, perguntando se eles estavam montando bombas, envolvidos com movimentos antifa ou defendendo a derrubada do governo dos Estados Unidos. Após revistarem seus pertences sem consentimento, Dunson afirma, os policiais expulsaram o grupo da igreja, ameaçando prendê-los caso para lá voltassem.
Embora Dunson reconheça que as autoridades por vezes assistiram a MADR providenciando comida, água e outros suprimentos para que voluntárias e voluntários distribuíssem, ele argumenta que o governo é mal preparado para dar assistência em catástrofes. A rede elétrica estatal, por exemplo, acabou caindo em tamanha degradação que, mesmo depois que o furacão Maria passou, houve no mínimo mais duas interrupções de energia após reparos que mais pareciam remendos.
“O governo tem acesso a uma vasta quantidade de dinheiro e suprimentos”, diz ele, “mas mesmo que todos naquela instituição tivessem a melhor das intenções, devido à sua natureza hierárquica, eles não teriam a fluidez e a flexibilidade que têm as iniciativas cuja natureza é mais de base”. Ele cita denúncias de suprimentos apodrecendo nos escritórios governamentais e acusações de que tanto agências da ilha quanto autoridades federais acumularam materiais de construção absolutamente necessários para a população.
Infelizmente para ambos os lados, outro furacão pode estar prestes a testar essa teoria.
Tradução > breu
agência de notícias anarquistas-ana
Um gato sem dono
Dormindo sobre o telhado —
Chuva de primavera.
Taigi
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!