por David Chic | 04/11/2018
O maio de 1968 estava próximo e Paris era efervescente. Uma das pessoas que se organizava em suas ruas era Tomás Ibáñez. Um zaragozano que devido ao franquismo passou clandestinamente a França junto com a sua mãe. E nesse clima participou na criação de um símbolo que ainda pode se ver nas paredes de meio mundo. Um círculo negro com uma letra A em seu interior. Convencido militante libertário, regressou a Espanha para participar na reconstrução da CNT após a morte do ditador Francisco Franco.
Ibáñez na atualidade tem 74 anos. Vive em Barcelona, pois até sua aposentadoria foi catedrático de Psicologia Social na universidade autônoma da cidade. Recorda que no ano de 1964 o movimento anarquista parisiense estava em uma etapa de dispersão em um grande número de grupos. E que era necessário atuar. “Me ocorreu a ideia de propor uma forma comum de visibilizar que todos esses fragmentos participavam de uma mesma sensibilidade”, assinala.
A proposta gráfica, que foi rapidamente aceita por seus companheiros de militância, se apresentou em público em abril desse mesmo ano. Foi publicada em página inteira na capa do boletim informativo Jeunes libertaires. “Nessa data não nasceu propriamente um símbolo, tão só veio a luz uma determinada proposta de um desenho particular”, indica com modéstia.
Rápida aceitação
A aceitação desse “grito gráfico”, como o denomina Ibáñez, foi imediata. “De repente milhares de mãos o desenharam em paredes de todo o mundo”, recorda. E tanto que pegou. Adesivos, bandeiras, grafitis. Ao círculo se vincula com propostas anteriores que se viram inclusive na guerra civil ou publicações maçônicas. “A letra A em um círculo não tem pois nome e sobrenome, mas que é uma criação anônima engendrada coletivamente”, assume satisfeito.
Ibáñez descobriu o pensamento ácrata durante sua adolescência em Marselha. A influência de sua mãe foi fundamental. “Ela ativa militante anarquista zaragozana, que buscou refúgio no país vizinho”, explica. De fato, a capital aragonesa nos anos quarenta, recém terminada a guerra civil, ainda era um formigueiro de ideias de mudança ameaçadas pela bota negra do franquismo.
Um dos períodos mais representativos de sua vida foram as revoltas estudantis que viveu em primeira pessoa e em posições muito avançadas. “As recordações são inumeráveis e encantadoras, mas limitando-me a um dos mais importantes mencionarei a inesquecível experiência de maio de 68, onde poucos anos antes havia formado uma diminuta associação de estudantes anarquistas”, admite.
E apesar do que possa parecer, ainda conserva esperanças em uma mudança social que sempre ansiou. Mas sempre desde o modesto. “Os espaços nos quais esteja presente o movimento libertário serão aqueles, pequenos ou grandes, que ele mesmo seja capaz de criar”, indica. Por este motivo se mostra crítico ante a gestão de esquerda nas prefeituras de Zaragoza e Barcelona. “Provavelmente seja uma oportunidade perdida”, assinala.
Ibáñez celebra a “relativa marginalização” dos ideais ácratas propiciada desde as atuais instituições municipais. “As atuações dos poderes públicos tendem a transformar as expressões libertárias em meros objetos de consumo e em antiquadas peças de museu, quando não em simples álibis para aparentar progressismo”, manifesta.
E como observador da realidade, outro de seus focos de atenção é o processo independentista catalão. Uma de suas últimas publicações é um livro coletivo com um título que deixa claras suas intenções: “No le deseo un Estado a nadie”. “Não vejo uma saída propriamente de esquerda ao choque entre os dois nacionalismos”, indica, ainda que se augure que se acabará arbitrando uma solução “que requererá necessariamente uma confluência das esquerdas não extremas e das direitas moderadas”.
Alegria e esperança
Os livros de Ibáñez foram publicados e traduzidos em diversos países. Suas conferências costumam encher de estudantes ao difundir a ideia de que o sentimento ácrata é um pensamento alcançável e tangível. Ou ao menos tão presente na atualidade como as pichações que enchem muitas ruas. E que sente quando as vê? “Alegria e esperança ao mesmo tempo, reconheço que sempre me alegra comprovar que em quase todos os rincões do mundo se expressam jovens que compartilham valores libertários apesar da potência dessa máquina compressora que é o pensamento único”, celebra.
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
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Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!