O caldeirão da Internet que agita fantasmas do nazismo no Brasil

Pegadas históricas do movimento alemão, ainda antes da segunda guerra, estão no sul, mas descendentes rechaçam senso comum do segregacionismo como herança cultural

porNaira Hofmeister| 26/02/2019

A recente revelação de que o pai do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, dificultou a extradição do Brasil de um oficial nazista conhecido como “a besta humana” em campos de concentração mexeu em um terreno pantanoso que, passados 74 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, ainda provoca curiosidade e temor nos brasileiros.

Não foi apenas Gustav Franz Wagner, responsável por mais de 250 mil mortes no campo de Sobibor, na Polônia, que viveu no Brasil. Outro nazista cruel, conhecido como o “anjo da morte” também passou os últimos anos de sua vida por aqui: trata-se do temido médico Joseph Mengele, que escolhia entre prisioneiros judeus, cobaias para experimentos eugenistas. Mengele passou quase duas décadas vivendo sob falsa identidade no interior de São Paulo e morreu na praia de Bertioga, em 1979.

As pegadas históricas do movimento alemão em território brasileiro são ainda mais antigas. Foi aqui que nasceu a primeira célula do Partido Nazista fora da Alemanha, em 1928, em Timbó, Santa Catarina. Antes de Getúlio Vargas extinguir todos os partidos brasileiros, em 1938, a sigla chegou a reunir quase 3 mil filiados no Brasil. O maior contingente estava em São Paulo. Na sequência vinham Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.

O medo de que essas raízes pudessem significar perseguições em dias atuais apareceu com força em 2018. No ano passado, apenas no mês de outubro, a suástica nazista apareceu pichada em São Paulo (na USP e em um muro de colégio na zona oeste), em uma igreja em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, nas portas de um banheiro da Universidade Federal de Juiz de Fora, no Mato Grosso do Sul e na Paraíba.

O temor não é infundado, já que no passado recente, neonazistas brasileiros protagonizaram ataques bárbaros, como o de 2009, ocorrido ao final da Parada Gay de São Paulo. Naquela noite de junho, uma gangue de seguidores de Hitler chamada Impacto Hooligan espancou um jovem negro que morreu no hospital e explodiu uma bomba caseira no Largo do Arouche, deixando mais de 40 feridos. Nesse mesmo ano, neonazistas do Paraná mataram um casal de namorados, integrantes do movimento, por disputa de poder.

Apesar das marcas ainda frescas desses atentados, a polícia assegura que os de 2009 foram os últimos ataques de gangues neonazistas brasileiras. Desde então, elas estão em silêncio.

Na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de São Paulo, não foi constatada nenhuma movimentação inusual dos bandos neonazis ao longo de 2018. Em Porto Alegre, o delegado Paulo César Jardim – especializado em investigações policiais sobre o tema – assevera: “O movimento neonazista não teve nenhuma ação no sul do Brasil nos últimos cinco ou seis anos. Se alguém disser o contrário, ou está mentindo ou inventando”.

Embora longe das ruas, a ameaça neonazista está viva na internet. Em um território em que não há o rigor de doutrinação exigido pelas gangues – cujos integrantes possuem manual de conduta e precisam ser profundos conhecedores da história e simbologia nazi – nas redes a ideologia se espalha, se confunde e reforça os preconceitos nacionais.

Dados da SaferNet, organização que combate violações de direitos humanos na internet, mostram que o neonazismo, assim como outros crimes virtuais, estão em ascensão. Entre 2017 e 2018, houve crescimento de 51,70% nas denúncias recebidas pela instituição a respeito de práticas neonazis nas redes. Apesar de alarmante, o aumento foi um dos menores entre todos os tipos de denúncias que a SaferNet recolhe. O que mais cresceu foram as imputações de usuários por violência contra as mulheres (1639,54% a mais) e xenofobia (567,93% a mais).

Mas essas violações não estão necessariamente desvinculadas. Foi o que aconteceu anos atrás com um caso de racismo investigado pelo Ministério Público de São Paulo, no qual um jovem afirmou em uma rede social que “negros ficam podres” se não tomarem banho. Quando prestou depoimento ao MP, o agressor disse ter “interesse especial pela história de Adolf Hitler e o nazismo”, embora não integrasse uma gangue formalmente constituída.

O promotor Christiano Jorge Santos, autor do livro Crimes de Preconceito e de Discriminação (Saraiva, 2ª edição, 2010) gosta de citar esse exemplo porque o autor da agressão, Leonardo Viana da Silva, foi o primeiro condenado em segunda instância por um crime de racismo no Brasil – em 2012.

“O fenômeno do neonazismo vive na maioria dos países nas sombras, mas não está desaparecido. Evidentemente por haver repressão legal e social, não soa bem se afirmar nazista. Porém, em certos momentos é possível que se sintam mais autorizados a agir e a retomar esse espaço”, acredita o promotor.

Já em 2007, antropóloga Adriana Dias mapeou uma rede que produzia e distribuía conteúdo para recrutamento neonazista, incluindo “vídeos, livros para download, cartazes para impressão e distribuição, manuais de procedimento para a guerra racial” e até livros de colorir para crianças, segundo um artigo da pesquisadora disponível na internet. Na época, ela contabilizou cerca de 150 mil membros conectados através de sites, comunidades, fóruns e até lojas virtuais.

“A sistemática muda muito e hoje em dia um dos principais focos é o aplicativo WhatsApp, muito mais eficiente do que blogs no recrutamento de pessoas, porque é possível replicar o conteúdo fora da mira da lei”, revela o promotor Christiano Jorge Santos, apontando o vilão das eleições 2018 no Brasil como o veículo central de ideias segregacionistas na atualidade.

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 https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/24/politica/1551033982_835587.html

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