por Kim Stanley Robinson
O coletivo Perspectives está comprometido em fazer das ideias anarquistas acessíveis e amplamente conhecidas. Como parte disto, desejamos fazer um tipo de dissertação breve sobre “O que é Anarquismo?” para futuras impressões. Entramos em contato com Kim Stanley Robinson para que escrevesse para a gente, e ele nos indicou um texto que ele escreveu para o livro chamado Myths and Lawbreakers: Anarchist Writers on Fiction (Mitos e Foras da Lei: Escritoras/es Anarquistas na Ficção), para a AK Press. Ele nos disse que se “fosse escrever algo mais sobre anarquismo (discutível), seria apenas para reiterar os pontos nesta introdução”. Ele nos deu permissão para compartilhá-la com vocês e achamos que ilustra lindamente, não só os termos do anarquismo, mas também os desafios atuais e possibilidades. Também encaixa bem como nosso tema atual de “Imaginações”, sobre a qual é a próxima impressão da revista Perspectives. Divirta-se.
Este livro reúne quinze entrevistas com escritoras/es que se descreveram enquanto anarquistas, ou escreveram sobre anarquistas em cenários históricos ou contemporâneos, ou inventaram culturas fictícias que elus ou outres chamaram de anarquista. A história de cada pessoa é diferente, naturalmente, e as definições que elas deram para anarquismo não são as mesmas também. An-arquia: ausência de regras ou ausência de leis? O grego original sugere o primeiro, o uso comum inglês desde o século 17, o último; e faz bastante diferença qual definição você usa. Então, vimos estus entrevistades aqui, repetidamente, dando voltas em torno de questões de definição, tanto no que o conceito significa, quanto como ele pode ser aplicado na escrita e na vida, não apenas nas vidas incluídas aqui, mas nas vidas de todes. Estes problemas são complicados, e não é surpresa que as questões e respostas aqui continuem aparecendo e nos cutucando, esperando algum esclarecimento.
Um outro problema no qual as entrevistas retornam de novo e de novo, é em como conciliar as crenças anarquistas com a vida real no sistema capitalista globalizado. Algumes des escritoras/es aqui vivem sob crenças anarquistas até um certo ponto, publicando ou distribuindo seus escritos fora do mundo editorial comum, ou vivendo em condições alternativas, de um modo ou de outro. Outres vivem aparentemente vidas mais convencionais, enquanto escrevem sobre anarquismo e o apoiam em sua ação política, na qual escrever é uma parte disso. Ninguém pode escapar de uma certa quantidade de contradição aqui; a economia mundial é quase inteiramente capitalista na sua estrutura, e a lei estatal é uma realidade abrangente nas questões humanas.
Então, o interesse em anarquismo expressado por estus escritoras/es e a consequência que estas ideias complexas têm em suas vidas, tem que envolver, necessariamente, vários acordos e pode ser chamada de ações simbólicas – contanto que lembremos que ações simbólicas são ações reais, de forma alguma a serem menosprezadas. Votar é uma ação simbólica, ir a igreja é uma ação simbólica, falar, escrever e conversar são ações simbólicas; todas são também ações reais e possuem efeito real no mundo real – em parte, para si mesmes e, em parte, pelo que, simbolicamente, sugerem que devíamos fazer em todas as nossas outras ações.
Daqui em diante, estamos falando sobre ideologia. Digo isto da forma definida por Louis Althusser, que diz, resumidamente, que uma ideologia é uma relação imaginária com uma situação real. Ambas partes da definição existem: há uma situação real e, por necessidade, nossa relação com ela é, parcialmente, imaginária. Então, todes nós temos uma ideologia e, de fato, seria paralisante ou esmagador não ter uma. Então, vem a pergunta, podemos melhorar nossa ideologia, em termos da funcionalidade tanto individual quanto coletiva e, se sim, como?
Aqui é onde as ideias anarquistas atuam fortemente. Vivemos em um sistema destrutivo e injusto, o qual, apesar disto, está profundamente enraizado, tão protegido pelo dinheiro, pelas leis e pelas forças armadas, que parece imutável e até mesmo natural; ele se esforça para parecer natural, tanto que seria muito difícil imaginar uma saída ou um caminho à frente do estado atual. Dado este momento da nossa história, o que deveríamos fazer? O que podemos fazer, neste momento, o que mudaria a situação?
Uma das primeiras e mais óbvia respostas é: resista ao sistema atual em todas as formas em que é provável que tenha um efeito bom. Essa resposta pode desconsiderar certas resoluções: o povo tem resistido ao capitalismo por bem mais que um século até agora, e muitos dos métodos pensados pelas pessoas foram tentados e falharam. Revolta espontânea em massa foi tentada e, geralmente, falhou. Insurreição organizada às vezes se saiu melhor, mas, a longo prazo, retornou de forma a piorar a situação. Ação trabalhista e reforma legal, frequentemente, parece possível e à vezes conquistaram um êxito tangível, mas, novamente, por fim, apesar do que conquistaram, nos encontramos na situação que estamos agora, então, obviamente, ação trabalhista e reforma legal não são tão efetivas quanto alguém poderia esperar. Educação política em massa foi, por muito tempo, um objetivo daquelus interessades em promover mudança e, novamente, pode ser apontado algum êxito, mas o impacto geral ainda não foi efetivo o suficiente para evitar o perigo em que nos encontramos. O que, então, deveríamos fazer?
Uma coisa que ajudaria é ter alguma ideia de para o que podemos tentar mudar; e aqui é onde o anarquismo faz sua parte. Como ele é uma visão política utópica, e este é o porquê que muitos dessas/es escritoras/es entrevistades neste livro, são escritoras/es de ficção científica que escreveram histórias descrevendo situações anarquistas enquanto espaços utópicos, enquanto sistemas melhores que deveríamos lutar para alcançar. Esta é a minha própria situação; enquanto de esquerda, interessado em me opor ao capitalismo e trocá-lo por algo mais justo e sustentável, tentei uma ou duas vezes retratar sociedades com aspectos e raízes anarquistas. Estas, como o trabalho de outres escritoras/es de ficção científica, são experiências do pensamento, desenhadas para explorar ideias pelo formato dos cenários fictícios. Problemas podem ser discutidos pelo formato das dramatizações, e o apelo da sociedade alternativa alcançada pode ser evocado para que as pessoas o contemplem, o desejem e trabalharem para isso. Até termos uma visão de para o que estamos trabalhando, é muito difícil escolher o que fazer no presente para que cheguemos lá.
Aqui é onde o anarquismo tem o maior apelo, como também o maior perigo. É um sistema político bastante puro e simples. Ele diz que, deixado a nós mesmes (ou educades adequadamente), podemos confiar nas pessoas para serem boas; que se não fôssemos corrompides pela demanda do dinheiro e do Estado, cuidaríamos melhor umes des outres do que cuidamos agora. De certa forma, esta é uma visão que simplesmente estende o pensamento democrático ao seu ponto final: se todes fôssemos iguais, se todes juntes governássemos igualmente, então ninguém governaria; e, portanto, você expande a democracia até que ela acabe na anarquia. É uma visão profundamente esperançosa, e a esperança por um estado diferente é um componente crucial da ação. Aqui, em particular, a ação simbólica também é, ao mesmo tempo, ação real.
Uma forma de explicar isto, usada mais de uma vez peles escritoras/es neste livro, é que a sociedade é agora organizada verticalmente, em uma hierarquia de poder, privilégio, prosperidade e saúde, que está estruturada quase na mesma pirâmide demográfica do feudalismo, ou até mesmo nos antigos estados de comando clérigo-militar. O anarquismo sugere que a grande maioria de nós estaria melhor em uma organização horizontal, uma associação de iguais. Tal horizontalidade no domínio do poder, costumava ser ridicularizada como irremediavelmente ingênua e irrealista, mas quanto mais aprendemos sobre nosso passado humano e nossos ancestrais primitivos, mais se torna claro que esta era a norma durante a totalidade da nossa evolução; apenas desde a criação da agricultura, do patriarcado, e da estrutura de poder clérigo-militar, a verticalidade têm comandado a nossa vida. Voltando a uma estrutura horizontal seria retornar à norma da espécie e à sanidade coletiva, e a um senso de justiça que antecede a própria humanidade, como pode ser vista claramente nas ações de nossos primos primatas.
Do vertical para o horizontal, então; mais este é o trabalho da democracia também, e até o trabalho da própria história, se o progresso no bem-estar humano é o que julgamos por história. Então, quanto mais êxito tivermos neste trabalho, mais perto estaremos dos objetivos do anarquismo, e os objetivos de outros esforços utópicos: democracia, ciência, justiça.
Enquanto isso, temos que trabalhar constantemente; resistir ao capitalismo; questionar nossas próprias ações; e falar contra a ordem atual, por algo melhor. É o que estus escritoras/es fizeram durantes suas vidas e seus trabalhos e, então, este livro também se torna parte deste projeto. Isso já existe há muito tempo e, presumivelmente, continuará além do nosso momento; mas nossa destruição da biosfera levou todo o processo para o modo crítico, e não sairemos desse modo até que a crise seja resolvida. Portanto, até certo ponto, não podemos mais ter uma visão de longo prazo. Temos que evitar uma catástrofe biofísica se queremos dar às nossas crianças um planeta e uma civilização saudável. Neste momento de tempestade, todas as nossas ideias políticas precisam ser reconsideradas, mesmo as mais radicais ou, especialmente, as mais radicais. E todas aquelas baseadas em visões esperançosas da sociedade, e ajudando a construir um projeto utópico para nós, para ser executado o mais cedo possível, merecem ser trazidas à discussão. Então: continue a ler e imagine um mundo horizontal, uma livre associação de 6 bilhões de iguais. E como Brecht disse: Se você acha que isto é uma utopia, por favor, também considere o motivo.
Kim Stanley Robinson é um escritor de ficção científica. Ele publicou dezenove romances, muitas histórias curtas e é melhor conhecido pela sua trilogia Mars. Robinson ganhou muitos prêmios, incluindo o Prêmio Hugo por Melhor Romance.
Fonte: https://anarchiststudies.org/10685-2/
Tradução > A Alquimista
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Atrás de sementes
Rodrigo de Almeida Siqueira
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!