Por Manuel Aguilera Povedano | 03/05/2020
O juiz Josep Vidal recebeu um caso complicado em 10 de maio de 1937. Haviam aparecido vários cadáveres não identificados em um vinhedo nas imediações de Barcelona e ele, com apenas 30 anos, era o eleito para investigá-lo. Naquela mesma tarde chegou a Cerdanyola com três agentes e o médico forense. Não ia ser nada fácil. Anotou em sua caderneta que havia “doze cadáveres, com as caras muito sujas, e começando a se decompor, apresentando, aparentemente, sinais externos de violência”.
A coisa estava feia. Em plena guerra contra o fascismo, comunistas e anarquistas acabavam de se enfrentar nas ruas de Barcelona nos chamados Feitos de Maio e agora, quando parecia que a situação se acalmasse, aparecia isto. Os corpos estavam de boca pra cima e ao longo do caminho e vários apresentavam tiros na cabeça feitos a pouca distância. Estava claro que haviam sido executados em outro lugar e abandonados ali. Se não, algum vizinho teria escutado disparos. “Aqui há marcas de pneus. Parecem de caminhonete”. Era a primeira pista. Se via claramente como um veículo havia manobrado para dar a volta. Não havia nada mais importante. Só um pacote de cigarros e um pedaço de corda manchados de sangue.
A grande incógnita era saber quem eram. Não havia nenhum documentos nos bolsos nem nada identificativo. Os camponeses da região não tinham nem ideia. Tampouco os cinquenta curiosos que observavam a cena com cara de espanto. Em Barcelona havia nesse momento um caos de denúncias de desaparecidos porque comunistas e anarquistas estavam ainda liberando os prisioneiros. Durante os combates houve 218 mortos mas isto era outra coisa. Estes não tinham caído em um combate de rua, tinham sido selvagemente torturados e executados. “Como são da CNT vão nos foder bem”, comentou um dos agentes. Outro se aproximou de um dos cadáveres e mostrou aos demais o bordado da camisa: “CNT”. “Vão nos foder bem”, murmurou o juiz.
O juiz ordenou fotografar os cadáveres e transladá-los ao depósito judicial de Barcelona. Cedo ou tarde alguém viria reclamá-los e poderiam identificá-los. Assim seria com todos menos com dois. Mesmo 83 anos depois, ainda não se sabe seus nomes.
Em 12 de maio Solidaridad Obrera publicou que em Cerdanyola “uma misteriosa ambulância da saúde abandonou os cadáveres, barbaramente massacrados, de 12 militantes das Juventudes Libertárias”. A autopsia determinou que haviam sido “golpeados, maltratados ou torturados antes de seus fuzilamentos”. A instrução do caso estava pondo o jovem juiz em um terrível compromisso. Os assassinos pareciam estar bastante claros e tinham muito poder. PSUC e PCE mandavam mais que nunca nos governos catalão e central. Os testemunhos iam esclarecendo uma história que poderia derrubar a retaguarda republicana.
Uma semana antes, em 4 de maio de 1937, as seis da tarde, cinco jovens anarquistas se reuniram no bairro de Sant Andreu. Levavam alguns fuzis e queriam somar-se à luta contra o PSUC e ERC que havia começado no dia anterior. O mais jovem, Joan, de 20 anos, dirigia. O maior, Jose, de 33, ia a seu lado. Atrás se sentaram Francisco, César e Juan Antonio. “Por onde vamos? Está tudo cheio de barricadas”, perguntou um. Transitar por Barcelona era um suicídio. Uma rua era anarquista e outra comunista. “Vamos à Casa CNT-FAI, não? Melhor evitar o centro. Eles controlam o Paseo de Gracia”.
O destino era a Vía Laietana assim que preferiram dar uma volta pelo Parc da Ciutadella. Ignoravam que ali haviam se instalados milicianos da Coluna Carlos Marx e todos os acessos eram uma armadilha. Quando iam pela rua Pujades ouviram uns disparos e uma barricada lhes impediu a passagem. Em seguida se viram rodeados por “uns indivíduos que usavam boina com uma estrela vermelha”. “Cinco golpistas!”, gritou um dos comunistas. “Levem-nos ao quartel e que confessem”.
Ali, em umas celas do Quartel Carlos Marx, estiveram golpeando-os de um em um. Nas horas seguintes chegaram mais cenetistas detidos nas imediações. Agustín, ferroviário; Santos, curtidor com quatro filhos; e Carles, um tenente da Coluna Durruti que estava de licença. Logo chegou Joaquín, de apenas 18 anos, militante ativo das Juventudes Libertárias de Gracia. O dia acrescentou mais dois detidos, de 18 e 55 anos. O jovem levava as siglas “CNT” bordadas na camisa. No total, eram onze nas celas.
Em Sant Andreu se inquietavam porque não sabiam nada de seus companheiros. No dia seguinte, quatro anarquistas saíram em sua busca. Realizaram o mesmo trajeto que eles até que em Poble Nou uns vizinhos lhes avisaram de que seguir em carro era um suicídio. Decidiram continuar a pé, com o fuzil bem preparado, mas não evitaram a emboscada. Houve um tiroteio e um caiu ferido de morte: Toni, de 20 anos. Outro ficou detido: Lluís, de 19.
Os 12 detidos do Quartel Carlos Marx sofreram maltratos durante três dias. Golpearam-nos com culatras de fuzil, lhes cortaram com facas… Até que chegou a paz em 7 de maio. Os carcereiros tiveram que decidir: liberá-los e arriscar-se a uma denúncia por tortura ou desfazer-se deles. Os fuzilaram nesse mesmo dia e levaram os corpos a Cerdanyola.
A mãe do mais jovem, Joaquín, estava movendo céus e terra buscando seu filho. As pistas a levaram até o Quartel e ali se apresentou. Lhe responderam que se equivocava, que seu filho não estava ali. E era verdade. Seu corpo jazia já em Cerdanyola. Também o buscava seu irmão maior, Alfredo, que era um conhecido dirigente das Juventudes Libertárias. Como podia dar muitos problemas, também o assassinaram e seu cadáver ainda não apareceu.
O juiz Josep Vidal desistiu de avançar na investigação. Não se atreveu a mandar a polícia ao quartel comunista. Sem provas conclusivas, a Audiência encerrou o caso mas a CNT não estava disposta a esquecer. Empreendeu sua própria investigação secreta e identificou os supostos assassinos. Existe um informe manuscrito no Arquivo de Salamanca* com o nome dos culpados, seu cargo e seu domicílio. Não se sabe se sofreram represálias. A CNT preparou também um plano de vingança pelos Fatos de Maio, mas essa é outra história.
Estes são os 12 mártires de Sant Andreu:
1. Joan Calduch Novella. 20 anos. Natural de Arenys de Mar. Solteiro. Vivia em San Andrés, rua Bartrina 31, bajos.
2. José Villena Alberola. 33 anos. Vivia com seus pais e irmão na rua Estevanes 14, principal primera, do bairro de A Sagrera de Barcelona.
3. Francisco Viviana Martínez. 27 anos. Natural de Valência. Casado com Montserrat Uch Moré e com dois filhos: Josefa e Francisco.
4. César Fernández Pacheco. 25 anos. Natural de Barcelona. Solteiro. Vivia com sua irmã e cunhado na rua Montepellier, 32 bajos.
5. Juan Antonio Romero Martínez. 24 anos. Natural de Águilas (Murcia). Solteiro.
6. Agustín Lasheras Cosials. 25 anos. Natural de O Vendrell. Solteiro. Ferroviário. “Desconhecido número 6”.
7. Santos Carré Poblet. 30 anos. Casado. Quatro filhos. Curtidor. Vivia em Passatge Serrahima, 4, 2º (Poble Sec).
8. Carles Alzamora Bernad. 27 anos. Natural de Cuba. Solteiro. Ferroviário. Tenente da Coluna Durruti. “Desconhecido número 1”.
9. Joaquín Martínez Hungría. 18 anos. Dependente em uma loja. Militante das Juventudes Libertárias de Gràcia. “Desconhecido número 4”.
10. Lluís Carreras Orquín. 19 anos. Natural de Barcelona. Solteiro. Sargento de Milícias.
11. Desconhecido. 18 anos. “Desconhecido número 3”. Levava o bordado da CNT.
12. Desconhecido. 55 anos. “Desconhecido número 2”.
Como dissemos, outros dois implicados no relato foram assassinados: Antoni Torres Marín (20 anos) e Alfredo Martínez Hungría (uns 24 anos).
Agradeço a Agustín Guillamón que me facilitou o informe judicial que publicou em seus livros A represión contra la CNT e los revolucionarios (2015) e Insurrección (2017). Agradeço também a Jordi Bigues suas investigações a respeito. Publicou suas conclusões neste artigo¹ de 2018.
*”Os indivíduos que executaram os 12 companheiros de Sardañola e seus prêmios”. Centro Documental da Memória Histórica. Salamanca. PS Barcelona. Caixa 178 nº 49.
[1] https://directa.cat/dotze-joves-llibertaris-assassinats-per-lestalinisme/
Tradução > Sol de Abril
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