Mais de 20 000 pessoas reuniram-se em 2 de junho em Paris contra a violência policial racista. Fazendo eco ao amplo movimento dos Estados Unidos, milhares de manifestantes exigiram justiça ao lado do Comitê Adama e de outras famílias enlutadas pelos homicídios cometidos pela polícia.
Ninguém estava à espera de um movimento tão elevado. A manifestação convocada pelo Comitê Adama em 2 de junho reuniu entre 20 000 e 40 000 pessoas em frente ao Palácio de Justiça de Paris, em Porte de Clichy. Adama Traoré morreu aos 24 anos, no dia 19 de julho de 2016, perto da sua casa em Beaumont-sur-Oise (Val d’Oise), depois de ter sido detido por quatro policiais. O protesto aproveitou a mobilização dos Estados Unidos depois da morte de George Floyd em Minneapolis, enquanto um polícia o sufocava no chão.
A mobilização em Paris, e as suas réplicas em Marselha ou Lille com várias centenas de pessoas, é também o resultado da luta incansável conduzida pelo Comitê Adama e pela irmã da vítima, Assa Traoré, exigindo justiça. A sua luta também inspira outras famílias que foram enlutadas por uma intervenção policial letal e esquecidas pelo sistema de justiça, das quais vários membros das quais estavam presentes no dia 2 de junho.
Awa Gueye esteve assim ao lado de Assa Traore durante o protesto. O seu irmão, Babacar, foi morto em Rennes em 2015 por cinco balas quando foi cercado por oito polícias numa escadaria. Uma intervenção que levanta muitas questões e que contamos numa investigação publicada antes do confinamento. Awa Gueye espera há quatro anos e meio por uma investigação que conduza finalmente a um julgamento.
“Se eles querem passar por Assa, passarão sobre os nossos corpos.”
“Sou a irmã de Babacar Gueye, assassinado pela BAC em Rennes. Eles encerraram o processo sem qualquer outra ação. As armas utilizadas contra o meu irmão estavam seladas, disseram que tinham sido destruídas por engano. O policial que matou o meu irmão pediu a transferência e continua a carregar as suas armas como se nada tivesse acontecido. Eu não deixo, eu não perdoo!” ela disse à multidão. Os selos, incluindo o da arma, foram destruídos antes de se poder realizar a perícia balística… Os membros da família de Lamine Dieng também intervieram. O jovem morreu numa batida da polícia em Paris, em 2007, preso, amarrado e depois asfixiado sob o peso de cinco agentes ajoelhados sobre ele durante vinte minutos. O processo foi arquivado. A família recorre ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
“O meu irmão mais novo foi assassinado pela polícia em Épinay-sur-Seine com uma bala na cabeça. O sistema judicial francês publicou o arquivamento do processo. Não aceitamos este arquivamento porque Gaye não foi morto sozinho”, diz Mahamadou Camara. O seu irmão, Gaye, morreu em 2018 depois de ter levado um tiro na cabeça, enquanto dirigia um carro vigiado por uma patrulha policial. “Temos de apoiar Assa Traoré. Assa Traoré é a irmã que nos disse: “Estarei sempre lá por vocês”. Hoje ela ainda está aqui. Ela é a irmã de toda a humanidade. Assa, não a deixes sozinha. Não vamos deixar! Se eles querem passar por Assa, passarão sobre os nossos corpos”, prosseguiu. Pouco antes do protesto, proibido pela prefeitura da polícia a pretexto de um estado de emergência sanitária, Assa Traoré tinha recebido a visita de agentes da polícia na sua casa.
A lista dos casos obscuros esquecidos pelos tribunais não acaba aí. Outra família, a de Angelo Garand, aguarda uma resposta do Tribunal para cassação em 4 de junho. Angelo Garand, um jovem detido em licença, foi morto por cinco balas à queima-roupa por uma equipa GIGN num campo para viajantes, no meio de um churrasco familiar em 2017, perto de Blois. A família está tentando impedir que o caso seja arquivado e, se não o conseguir, promete levar o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que já condenou a França em casos deste tipo.
“A semana passada foi a morte de George Floyd. Não se pode andar por aí sem pensar nesse rosto. Foi o nosso irmão que eles mataram. Não podemos andar pelas ruas de Paris, não podemos exigir justiça em França sem pensar na família de George Floyd. Para ele, estão a surgir enormes revoltas por todos os Estados Unidos e pelo mundo. O único país onde isso nos é negado, o único país que nos envia um comunicado, o único país que envia a polícia para minha casa, é a França”, disse Assa Traoré.
O número de intervenções policiais letais na França está – felizmente! – longe de atingir o nível alarmante dos Estados Unidos: 26 pessoas morreram em consequência da intervenção policial em 2019 (28 em 2018 e 36 em 2017), segundo o nosso levantamento, realizado na ausência total de dados oficiais sobre o assunto. Entre estes casos, há evidentemente alguns em que o uso da força por policiais ou gendarmes parece legítimo no contexto da batida policial. Outros em que esta legitimidade é questionável. Outros ainda onde o recurso à violência letal é muito provavelmente desproporcional ou mesmo ilegal.
O ponto comum com os Estados Unidos é que a justiça dificilmente pune estes homicídios injustificados, sendo que a palavra das famílias é ignorada, até desprezada, varrida por um “arquivamento” ou “processo sem ações”. Estes casos nem sequer merecem, portanto, um julgamento, onde as vozes e as histórias das partes envolvidas possam ser ouvidas. E quando estas famílias gritam mais alto, tentam desqualificá-las, impedi-las, assediá-las administrativamente, para que, cansadas da guerra, se mantenham em silêncio.
“O que conseguimos hoje é que demonstramos um equilíbrio de força. Mostramos o que podíamos fazer. Hoje, estamos todos na rua e isto é apenas o começo. Hoje, quando vamos para a rua, é para exprimir a nossa revolta. Hoje, já não é apenas a luta da família Traoré, é a luta de todos vocês”, disse Assa Traoré no dia 2 de junho, diante das milhares de pessoas reunidas. Como um eco a este pixo marcado numa delegacia de polícia devastada pelas revoltas de Minneapolis: “E agora, vocês ouvem?”
Anne Paq (fotos), Ivan du Roy (texto)
Tradução > Estrela
agência de notícias anarquistas-ana
Pelas vigas da ponte,
Os raios de sol
Na névoa da tarde.
Hokushi
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!