Em 1933, mais de 5 mil presos foram enviados a Ilha de Nazino e passaram por condições extremas. Apenas um terço dos detentos sobreviveu, mas o caso só veio a público 50 anos depois
Por Fabio Previdelli | 23/07/2020
Sob comando da União Soviética, Josef Stalin foi responsável por diversos planos de repressão contra os críticos de seu governo e dissidentes do Partido Comunista. Além de ampliar os Gulags implantados por Lenin, o líder comunista também foi responsável pela deportação de mais de 6 mil pessoas para a Ilha Nazino — que também ficou conhecido como Ilha Canibal —, localizada na Sibéria Ocidental.
Entre março e junho de 1933, milhares de pessoas foram presas e acabaram deportadas de Moscou para Leningrado, atual São Petersburgo. Muitas dessas detenções aconteceram sob alegação de falta de passaporte. Além do mais, muitas dessas vítimas eram consideradas “elementos degradantes e socialmente prejudiciais” pelo governo.
Segundo o historiador Nicolas Werth, autor de do livro Cannibal Island (Ilha Canibal, em tradução livre), analisa que essas pessoas não se encaixavam na estrutura de classe idealizada pela ideologia comunista da Rússia no período.
Mas como se deu o plano? Quem ficou responsável pelos transportes? Por que a ilha ganhou a alcunha de canibal? Conheça 5 fatos sobre o Caso Nazino:
1. O planejamento
“A URSS autossuficiente em até dois anos”. Foi com essa ideia que, em fevereiro de 1933, Genrikh Yagoda (chefe da OGPU) e Matvei Berman (chefe dos GULAG) propuseram a Stalin um estrondoso plano de reassentamento de dois milhões de pessoas na Sibéria e no Cazaquistão, onde os colonos deportados trabalhariam para transformar mais de um milhão de hectares de terra virgem em campos produtivos.
A ideia se baseou em uma experiência anterior de deportação de dois milhões de ‘kulaks’ para as mesmas áreas nos três anos anteriores. Entretanto, os recursos disponíveis para suporte do plano eram severamente escassos, muito em virtude da fome causada pela introdução das fazendas coletivas e da “Deskulakização” implementada pelas autoridades soviéticas.
Junto com os presos, forma enviados à Ilha alguns sacos de farinha, que serviria de alimento, e algumas ferramentas e roupas — isso seria todos os suprimentos que os presos teriam para sobreviver ao hostil frio da Sibéria.
2. O transporte
No dia 30 de abril, um trem com deportados deixou Moscou em direção ao campo de trânsito de Tomsk. Antes disso, no dia anterior, um outro comboio já havia partido de Leningrado. Ambos desembarcaram no local em 10 de maio.
Na viagem, os presos receberam uma ração diária com cerca de 300 gramas de pão por pessoa. Porém, como a comida era pouca, grupos de criminosos roubavam o alimento de outros deportados.
Como as autoridades de Tomsk não estavam habituadas com deportados urbanos, ficou decidido que eles seriam enviados para campos mais isolados, afim de evitar maiores dificuldades.
Assim, em 14 de maio daquele ano, quatro barcaças fluviais que eram usadas para transporte de madeiras abrigaram cerca de 5 mil deportados — dos quais um terço eram criminosos que forma deslocados para “descongestionar as prisões” e outra parte era de “elementos supérfluos” de Leningrado e Moscou.
3. A vida na Ilha de Nazino
Quatro dias depois, na tarde de 18 de maio, as barcaças chegaram na ilha de Nazino, um terreno pantanoso de 3 quilômetros de comprimento e 600 metros de largura. Apesar de não haver uma lista oficial dos deportados que desembarcaram, uma contagem extraoficial registrou 322 mulheres e 4.556 homens, isso sem contar as 27 outras pessoas que morrem no translado. Além disso, cerca de 1.200 presos desembarcaram no local na semana seguinte.
Junto com os presos, cerca de 20 toneladas de farinha foram transportadas para a alimentação dos detentos. Porém, em um primeiro momento, houve diversos conflitos durante a distribuição, o que resultou com alguns guardas atirando contra os deportados.
Posteriormente, a farinha começou a ser distribuída por meio de “brigadeiros”, que coletavam pó suficiente para alimentar sua brigada — que eram compostas por cerca de 150 pessoas cada. Entretanto, esses líderes muitas vezes eram criminosos e abusavam de sua posição de comando.
4. Mais mortes e casos de canibalismo
Como não havia fornos para assar pão, os deportados foram obrigados a comer a farinha crua ou misturada com água do rio, o que causou inúmeros casos de desinteria. Com a situação insalubre, diversos presos tentaram fazer jangadas para escapar do local, mas essas embarcações acabaram naufragando, o que causou mais mortes.
Além do mais, diversos guardas caçavam e matavam outros fugitivos, como se estivessem praticando caça esportiva. Assim, cada vez mais o número de cadáveres aumentava pela região.
Em seu livro, o próprio Werth exemplifica essa situação dos presos: “Em um cenário desumano (dois terços dos deportados morreram de fome, exaustão e doenças nas semanas seguintes de seu abandono na ilha), a brutalidade seguiu para transgressões tais quais canibalismo e necrofagia”.
Em cerca de três meses, 4 mil das pessoas abandonadas no local morreram ou desapareceram. O restante que sobreviveu estava com sérios problemas de saúde. Como se o cenário já não fosse de caos, a violência começou a reinar por lá, muitas vezes motivada pela fome.
Quando a falta de alimento se tornou insuportável, os deportados partiram a cometer uma truculenta atitude: o canibalismo. Primeiro, eles comiam apenas quem já estava morto, mas não demorou muito tempo para que pessoas fossem assassinadas no único intuito de se tornarem alimento.
Nesse meio tempo, os guardas passaram a prender quem tentasse ou conseguisse comer outra pessoa. Com a medida, cerca de 50 russos foram detidos por canibalismo.
5. A descoberta das atrocidades
Apesar dessa situação durar apenas poucos meses, foi tempo suficiente para que menos de duas mil pessoas conseguissem sair vivas dessa brutal jornada, que colocou fim aos planos de Stalin de assentamentos em larga escala.
Mesmo com todas essas vidas perdidas, esse catastrófico episódio dos primeiros anos da década de 1930 só caíram no conhecimento popular mais de 50 anos depois, em 1988. Essa redescoberta só ocorreu graças à Associação Memorial, uma ONG russa que atua em defesa dos direitos humanos, que começou a investigar o caso e reuniu diversos relatos a fim de expor as atrocidades cometidas no período.
Um relatório elaborado sobre o Caso Nazino só foi publicado em 2002.
agência de notícias anarquistas-ana
Nos bambus já escuros,
morcegos, daqui, dali,
também sem destinos.
Alexei Bueno
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!