Entre os anos de 1927 e 1928, a URSS se industrializou muito rapidamente, introduzindo planos quinquenais destinados a impulsionar a economia. Mas esses planos colocavam uma carga insuportável sobre o povo.
Por Gueórgui Manáev | 15/10/2020
“Os trabalhadores e as trabalhadoras das fábricas que quisessem estar em cidades como Stalingrad, Magnitogorsk e Novokuznetsk tinham que morar em cavernas que eles mesmos cavavam em colinas vizinhas. As pessoas viviam e trabalhavam assim durante uma enorme escassez de alimentos e bens de primeira necessidade, e isso só pode ser explicado pelo fato de que os russos não foram acostumados a nada além de sofrimento e privações”, escreveu o diplomata alemão Gustav Hilger a industrialização soviética, quando foram implementados os primeiros planos quinquenais.
De fato, a transformação da URSS de uma potência agrícola para uma industrial teve um alto preço: condições de vida miseráveis e as muitas mortes que provocou.
Plano quinquenal de… quatro anos
Durante e após a Guerra Civil, o Estado bolchevique iniciou uma grande ofensiva contra os camponeses “ricos”, chamados de “kulaks”, para confiscar e redistribuir alimentos e bens que eles produziam e nacionalizar suas propriedades.
Em 1925, o 14º Congresso do Partido Comunista de Toda a União declarou o início da passagem da URSS de um país agrícola a uma potência industrial e emitiu ordem para a criação do primeiro plano quinquenal (1928-1932).
Em 1927, o plano foi finalizado. Isto marcou o início da economia planejada, ou seja, o governo da URSS definiu diversos indicadores-chaves da produção da economia do país a serem cumpridos em cinco anos. A produção industrial deveria crescer 136 por cento em cinco anos, a produtividade da mão-de-obra, aumentar 110 por cento e 1.200 novas fábricas deviam ser construídas.
Mas o governo não levou em conta os custos da industrialização, definindo medidas repressivas contra todos os responsáveis pela não concretização dos planos. No final das contas, os trabalhadores tinham que fazer o impossível para realizar os planos, o que se refletiu em um famoso bordão da época: “O plano quinquenal em quatro anos!”
Devido à coletivização das propriedades no campo, houve um êxodo rural, que intensificou a urbanização. Entre 1928 e 1932, a força de trabalho urbana ganhou mais 12,5 milhões de pessoas, das quais 8,5 milhões eram provenientes do campo.
No início da década de 1930 iniciou-se uma fome terrível, que abrangia o campo, enquanto a produção industrial crescia muito rapidamente. Entretanto, a industrialização contou com a ajuda de diversos países estrangeiros.
Com uma ajudinha dos ‘inimigos capitalistas’
O Partido Comunista da URSS declarava haver uma alta probabilidade de guerra com os países capitalistas, o que exigia um rearmamento urgente. No entanto, no início da industrialização, a URSS não tinha o equipamento necessário, e era preciso comprar máquinas fabris para iniciar a produção. Quase todo o equipamento necessário foi adquirido de países capitalistas da Europa e dos Estados Unidos.
Entre 1929 e 1932, a empresa de construção americana Albert Kahn Inc. construiu mais de 500 fábricas na URSS: de tratores em Stalingrad, em Tcheliabinsk e em Kharkov, automobilísticas em Moscou e em Níjni Nôvgorod, em Stalingrad e Sverdlovsk, siderúrgicas em Kuznetsk, Magnitogorsk, Níjni Taguil etc.
Já em 1931, a URSS comprou metade de todo o ferro exportado pela Alemanha, 70% das máquinas metalúrgicas alemãs, 90% das turbinas a gás e das máquinas de forjar e prensar a vapor alemãs.
Muitos engenheiros e especialistas estrangeiros foram convidados à URSS para trabalhar e ensinar os russos. Nos jornais dos Estados Unidos surgiram anúncios que diziam: “Intelectuais, assistentes sociais, homens e mulheres que tenham uma especialidade são convidados a partir à Rússia, país onde está sendo realizado o maior experimento do mundo”.
Mas os estrangeiros queriam saber quais eram as condições de trabalho e de vida. Assim, um “grupo informativo” alemão, organizado com a ajuda do Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS, visitou Sarátov, Stalingrad, Crimeia, Magnitogorsk, Tcheliabinsk e outras cidades, além do Cáucaso do Norte. Eles viram jovens soviéticos demonstrando incrível habilidade e engenhosidade e as máquinas fabris usadas com tanta intensidade que se desgastavam de 10 a 15 vezes mais rápido do que nos Estados Unidos ou na Europa.
O mesmo poderia ser dito sobre as pessoas. Em 1936, o primeiro embaixador dos Estados Unidos na URSS, William C. Bullitt, escreveu: “O padrão de vida na União Soviética é extraordinariamente baixo, talvez inferior ao de qualquer país europeu, incluindo os Bálcãs. No entanto, os habitantes urbanos da União Soviética têm hoje uma sensação de bem-estar. Eles têm sofrido tão terrivelmente desde 1914 devido à Guerra Mundial, à Revolução, à guerra civil e à fome, que ter pão para comer, como eles têm hoje, parece quase um milagre.”
O custo humano
Entre 1929 e 1931, o calendário soviético foi alterado para as necessidades dos planos quinquenais: em vez de uma semana de 7 dias, foram introduzidas as semanas de 5 dias. Os trabalhadores tinham que trabalhar 4 dias, com um dia de folga. A data, porém, não coincidia para todos, e as pessoas trabalhavam em turnos para que as máquinas não parassem. Isto significava uma redução de 42% nos dias de folga anuais gerais.
O governo soviético recebia dinheiro para a revolução industrial exportando as colheitas e os grãos, o que esvaziou os suprimento de alimentos em todo o país. Em 1928, todos os estoques de grãos apreendidos dos camponeses e os produtos agrícolas foram exportados. Em 1928, as receitas de exportação foram de 7,4 milhões de rublos e, em 1929, triplicaram, totalizando 23 milhões de rublos. Mas, em 1930, a exportação se multiplicou por nove, atingindo 207 milhões de rublos.
Obviamente, no território da URSS, isso resultou em uma escassez monstruosa, mesmo para os trabalhadores estrangeiros. “Não há nada além de sabão. Eles deveriam enforcar os diretores [das fábricas] na primeira árvore. Há filas para o almoço…”, escreveu um trabalhador norte-americano em Níjni Nôvgorod na década de 1930. “Durante dois meses, não recebemos nenhuma gordura, nem mesmo leite. Não podemos comprar no mercado. Se a comida não melhorar, teremos que partir”, escreveu outro estrangeiro.
No final da década de 1920, o governo introduziu o sistema de cupons de racionamento nas cidades. Cada cupom indicava quanto do produto poderia ser adquirido. Ao mesmo tempo, o Serviço de Segurança do Estado relatava a Stálin o que os trabalhadores diziam. Eram coisas como: “Este peixe está podre como todo o plano quinquenal”; “Se as coisas ficarem assim, cada dia piores, então não podemos esperar nada de bom para o futuro”; “Os trabalhadores estão tão humilhados que são alimentados pior que o gado.”
Não eram só os alimentos que eram difíceis de obter, mas roupas e produtos de higiene também, até a década de 1930.
Nas grandes cidades, a maioria das pessoas vivia em apartamentos comunais superlotados ou, pior ainda, em alojamentos e cabanas de madeira, inclusive em Moscou e São Petersburgo.
Resultado: uma farsa
É muito difícil avaliar os resultados reais dos planos quinquenais, porque os números publicados pelos economistas da URSS são muito questionáveis. Entre 1928 e 1937, a produção soviética de ferro cresceu 439%; a de aço, 412%; a de carvão, 361%; a de máquinas de corte de metal, 2.425%. Quase 80% de toda a produção era realizada em fábricas construídas durante o 1º e 2º planos quinquenais. Mais de 4.500 novas indústrias foram iniciadas na URSS durante esse período. A produtividade geral da força de trabalho aumentou 90%.
O terceiro plano quinquenal, planejado para 1938-1942, foi interrompido pelo início da Segunda Guerra Mundial: mesmo em 1939, o Estado teve que aumentar acentuadamente os gastos com a indústria militar. Em 1940, eles chegaram a quase 33% do orçamento e, em 1941, a 43%.
O quarto plano quinquenal foi lançado em 1946. Stálin exigiu que a URSS produzisse anualmente “até 50 milhões de toneladas de ferro, até 60 milhões de toneladas de aço, até 500 milhões de toneladas de carvão, até 60 milhões de toneladas de petróleo”.
Na realidade, em 1946, o país produziu apenas 10 milhões de toneladas de ferro, 13,3 milhões de toneladas de aço e 21,7 milhões de toneladas de petróleo. O país não podia se recuperar imediatamente após uma guerra devastadora. Assim, as exigências irrealistas de Stálin foram atendidas apenas após 15 anos, em 1961.
A história mostrou que a economia planejada foi uma enorme farsa. Em geral, economistas, analistas e políticos simplesmente falsearam os números da produção para atender às demandas necessárias ou recalibraram os planos: por exemplo, o sexto plano quinquenal (1956-1960) foi substituído por um “plano de sete anos”, e assim por diante.
No total, a URSS implementou 13 planos quinquenais, o último deles, introduzido em 1989. Mas, após a Segunda Guerra Mundial, todo esse planejamento foi implementado apenas no papel, enquanto o país e seu povo viviam uma realidade que não tinha sido criada nos escritórios do governo.
Fonte: https://br.rbth.com/historia/84516-o-custo-humano-dos-planos-quinquenais
agência de notícias anarquistas-ana
flor na lapela
noite de serenata
à janela
Carlos Seabra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!