Conselhos de guerra em solução de gênero em Córdoba e sua província. Assim foi a repressão franquista nesta província andaluza.
PorMaría Serrano| 14/11/2020
A repressão franquista contra as mulheres não teve medida, nem em Córdoba nem em sua província. Se fala de genocídio, com mais de dez mil fuzilados. Mas em solução de gênero a cifra também estremece. Mais de 1.400 mulheres, das 15.000 pessoas assassinadas que o investigador Julio Guijarro compila a oito anos dos fundos de arquivos militares.
O papel destacado das mulheres como protagonistas da mudança nos anos 30 trouxe em Córdoba uma verdadeira revolução social. “O regime franquista pretendia ocultá-lo, aquele tempo onde as mulheres foram protagonistas, e contra elas se exerceu a mesma repressão que contra os homens, à qual terá que se somar outra causa específica de gênero”.
Condenadas a prisão ou a morte, detidas, executadas por serem mulheres e mães, esposas ou companheiras, filhas ou irmãs de militantes perseguidos ou pelo simples fato de ter ido a uma manifestação. Os delitos sexuais também ficaram latentes, casos de abusos contra menores que foram localizados no Arquivo do Tribunal Militar Territorial Segundo de Sevilha.
Guijarro assinala a Público que o contexto não é casual: “A repressão foi mais elevada naquelas províncias que resistiram ao golpe de Estado e enfrentaram as tropas franquistas, mantendo uma frente de guerra estável, como seria o caso de Jaén ou o norte de Córdoba”, assegura. O regime tentou silenciar a todo custo a repressão contra mulheres de todas as idades, ainda que a partir das investigações publicadas é possível confirmar que Córdoba e Jaén seriam as regiões com mais casos de mulheres que sofreram represálias de toda Andaluzia. Guijarro, em uma complexa tarefa de busca, pôde resgatar casos. Se fala de mulheres, irmãs que foram raspadas, vexadas, falecidas na prisão. Algumas eram menores de idade, como Carmen e María Pedrajas, outras como Martina e Dionisia são condenadas a morte por ajuste de contas aos 53 e 60 anos de idade. Anciãs como Bibiana Romero morrem de fome ou falta de higiene na prisão. Os casos de abusos a menores por parte de militares e guardas civis foram absolvidos.
Pedrajas e Carmen Luna, menores fuziladas sem julgamento
O caso das irmãs María e Carmen Pedrajas Sánchez, de 17 e 18 anos, é assustador. Moradoras de Hornachuelos, as duas ingressam na Prisão Provincial de Córdoba em 18 de setembro de 1936. Carmen sai da prisão para ser executada sem julgamento em 2 de outubro. Sua irmã María teve o mesmo destino dois dias depois. Apesar de serem menores de idade e não constar nenhum procedimento judicial contra elas, o chefe da Ordem Pública Bruno Ibáñez as manda fuzilar por Bando de Guerra. Suas famílias nunca souberam onde aconteceu a execução nem onde estão seus corpos.
Carmen Luna foi apelidada pelos fascistas de forma depreciativa “la cateta”. Trabalhava na casa de uns senhores do povoado como servente e é executada em Córdoba em 29 de dezembro aos 18 anos pelo simples fato de ter ido a uma manifestação.
Martina e Dionisia eram moradoras do povoado mineiro de Peñarroya Pueblonuevo. As irmãs Alcántara Calvo são submetidas ao código de justiça militar e a sua pompa judicial em dezembro de 1939. “O sumário mostra o ajuste de contas que viveram estas mulheres, já de avançada idade, com graves acusações por parte dos vencedores”. No conselho de guerra, a que tiveram acesso Público, como “na instrução o juiz não se mostra imparcial e as duas mulheres foram condenadas a morte por seu papel destacado na retaguarda”.
Martina seria fuzilada em 11 de dezembro aos 53 anos de idade. A Dionisia seria comutada a pena de morte por prisão perpétua, ainda que não resistisse à terrível notícia do fuzilamento de sua irmã. O relatório médico mostra que falece por “colapso cardíaco”, um argumento pelo qual cabe pensar que “foram submetidas a maus tratos na prisão de Pueblonuevo”. Dionisia tinha 60 anos de idade.
“Ficaria despojada de seu cabelo”
“A repressão foi a mesma para todos os que apoiaram os maquis, sem distinção de gênero”, conclui Guijarro. O caso de Encarna Vega é um dos exemplos mais claros de como a justiça franquista condenava as mulheres pelo simples fato de ter seu marido fugido para a França. “Nos sumários não aparecem testemunhos tão claros de mulheres raspadas pelos franquistas”, sustenta o investigador.
Encarnación Vega tinha 29 anos e era moradora de Villanueva del Duque. Devido à ausência de seu marido teve que sobreviver com o comércio ilegal “sendo ao terminar a guerra despojada de seu cabelo e exibida pelas ruas pelas Forças Nacionais para que servisse de escárnio”. A justiça militar a condenou em 1946 a 12 anos em conselho de guerra por apoio à resistência guerrilheira.
A Guarda Civil falsificava as declarações destas mulheres
A Guarda Civil falsificava as declarações destas mulheres, que as arrancam a base de maus tratos que podiam durar uma semana. As ameaças de surras à suas filhas, ou vexações (peladas). O trâmite sempre era o mesmo. Passam à prisão, e meses depois, já ante o juiz militar, essas mulheres negam que sejam certas aquelas declarações porque foram maltratadas. Na imagem se mostra como esta jovem cordobesa, Carmen, de 25 anos, nega ante o juiz militar em 1947 sua declaração anterior “pelos maus tratos a que a submeteram até o extremo de cortar-lhe o cabelo, por não querer dizer o que eles queriam”.
Bibiana foi detida por assuntos relacionados com a resistência guerrilheira, seu caso foi encerrado por falecimento, não chegou a ser condenada. Morre na Prisão Provincial de Córdoba com 75 anos em 24 de novembro de 1941. Seu corpo segue nas fossas comuns de Córdoba, assim como María Antonia Baena Granados. Com oito filhos, foi condenada a 30 anos e falece na Prisão Provincial de Córdoba com 82 anos em 8 de novembro de 1946.
O caso de Isidora Márquez, sem dúvida pode ser o mais estremecedor. Condenada a prisão perpétua com 97 anos em Hinojosa del Duque. A justiça a levou a itinerar inclusive por vários cárceres. “Esta mulher passou pela Prisão de Mulheres de Málaga e Gerona, seu expediente estava incompleto porque as duas peças localizadas não estavam unidas; somente poderá se completar a investigação sobre a totalidade da repressão franquista quando se localizem e se descrevam todos os sumários abertos contra a população”. No entanto, Isidora teve a sorte de sair com vida e regressar a sua casa em prisão atenuada com 100 anos.
“Abusos desonestos” a menores por parte de militares franquistas
Em meio da trama de casos, Guijarro encontrou o mais surpreendente, casos encerrados de sumários instruídos contra guardas-civis e militares franquistas por delito de “abusos desonestos” a meninas de entre 2 e 15 anos. Apesar de que não são delitos políticos, se processa militares nas causas por abuso de menores. “Os casos de maus tratos, abusos ou violações foram em geral encerrados pela justiça militar franquista, sendo absolvidos os acusados”.
Nos expedientes se alegava a favor dos acusados. Eximiam a culpa “pelos costumes libertinos das mulheres, para rupturas de hímen, ou sua falta de higiene para contrair enfermidades venéreas”. O informe do médico militar era determinante. “É frequente em ambiente de classe social inferior e por sua falta de higiene”. O informe pelo qual se encerra o caso está fechado, neste caso concreto, em janeiro de 1950.
Tradução > Sol de Abril
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Carlos Seabra
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Edmir, amente de Lula, acredita que por criticar o molusco automaticamente se apoia bolsonaro. Triste limitação...
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